Numa altura em que o país precisa de saber lidar com questões complexas e propensas ao pessimismo, o VER entrevistou Tali Sharot, a neurocientista responsável por uma investigação que demonstrou a tendência para o optimismo existente no cérebro humano. O livro resultante da pesquisa mereceu honras de capa na Time e o seu enquadramento precede a conversa com a autora
São boas as notícias que chegam do mundo da neurociência. Demonstrado cientificamente o velho ditado de que “a esperança é a última a morrer”, uma investigadora britânica e reconhecida mundialmente pelos estudos que tem feito sobre o optimismo e as redes neuronais que o alimentam, lançou agora um livro denominado “The Optimism Bias: a Tour of the Irrationally Positive Brain”. Todos nós nos consideramos como criaturas racionais. Vigiamos as nossas costas, pesamos prós e contras e colocamos um guarda-chuva na mala se o tempo está nublado. Mas tanto as neurociências como as ciências sociais sugerem que somos muito mais optimistas que realistas. Tali Sharot, uma investigadora no Wellcome Trust Centre for Neuroimaging, na Universiy College London, há vários anos que tem vindo a investigar os processos neuronais que, como defende, “ligam o cérebro a atitudes optimistas”. Mas, mais do que isso, Sharot sugere que esta tendência humana para o optimismo constitui um provável mecanismo de sobrevivência, presente nos milhares de anos da evolução da espécie humana. Ou seja, o princípio defendido pela investigadora é que o cérebro “empurra” deliberadamente os pensamentos negativos a favor dos que são positivos como uma forma de sobrevivência, dado que as expectativas positivas aumentam as possibilidades de continuarmos a lutar. A crença de que o futuro será muito melhor que o passado é conhecida como “a tendência para o optimismo”, título do livro agora publicado por Tali Sharot. E está presente em qualquer raça, região ou contexto socioeconómico. As crianças que brincam a “o que quero ser quando for grande” são optimistas prolíferas e um estudo realizado em 2005 comprovou que os adultos com mais de 60 anos são tão propensos a considerar o copo meio cheio quanto os adultos mais jovens. Numa era de cataclismos económicos, de números arrepiantes de desemprego, de catástrofes naturais, sem contar com todas as ameaças e fracassos que moldam a vida humana, seria de esperar que este optimismo sofresse algum tipo de erosão. E sim, na verdade, em termos colectivos podemo-nos deparar com um pessimismo crescente – principalmente no que respeita aos caminhos possíveis que os nossos líderes políticos podem conduzir o país, ou à sua capacidade de melhorar a educação ou reduzir o crime. Contudo, no que respeita ao optimismo privado, em termos do nosso futuro, este mantém-se incrivelmente intacto. Se o excesso de optimismo pode ser responsável por algumas armadilhas, esta tendência também nos protege e inspira. Para progredirmos, temos de ser capazes de imaginar realidades alternativas – e melhores – ao mesmo tempo que temos de acreditar que as conseguimos alcançar. Esta fé ou esperança motiva-nos para perseguirmos os nossos objectivos. Os optimistas, em geral, trabalham mais horas e tendem a ganhar mais. E, de acordo com pesquisas realizadas por economistas da Duke University, também poupam mais. E apesar de não existir uma tendência para um menor número de divórcios neste caso, são mais propensos a casarem uma segunda vez – um acto descrito pelo escritor e poeta Samuel Johnson como “o triunfo da esperança sobre a experiência”. Mesmo que um futuro melhor seja muitas vezes uma ilusão, o optimismo tem benefícios claros no presente: a esperança mantém as nossas mentes num estado de sossego, diminui o stress e melhora a nossa condição física. E são vários os estudos, com doentes cardíacos ou de cancro, que comprovam estas teorias. Obrigatório imaginar o futuro! Para pensarmos de forma positiva sobre as nossas perspectivas, defende Sharot, temos, antes de mais, de ser capazes de nos imaginar no futuro. O optimismo tem o seu início com aquilo que pode ser considerado um dos mais extraordinários talentos humanos: a viagem mental temporal, a capacidade que possuímos para voltar para trás e para a frente através do tempo e do espaço nas nossas mentes. E, apesar de darmos por adquirida esta aptidão, a capacidade de visionarmos um tempo e um espaço diferentes é indubitavelmente crítica para a nossa sobrevivência. E, desta forma, torna-se fácil perceber por que motivo a viagem cognitiva que fazemos no tempo foi alvo de uma selecção natural ao longo da evolução da espécie humana. Ela permite-nos planear antecipadamente, seja para poupar recursos alimentares para alturas de escassez ou trabalharmos arduamente em antecipação a uma recompensa futura. Se não fossemos capazes de visionar o futuro daqui a 100 anos, estaríamos preocupados com o aquecimento global, com a nossa saúde ou com o facto de querermos ter filhos? Adicionalmente, o nosso cérebro não viaja no tempo de uma forma aleatória, tendo a propensão de escolher tipos específicos de pensamentos. Consideramos quão bem os nossos filhos se sairão nas suas vidas futuras, como é que iremos obter o emprego ideal há tanto procurado, como iremos suportar a compra daquela casa com vista para o mar ou encontrar o amor perfeito. Também nos preocupamos em perder os nossos entes queridos, com a possibilidade de ficarmos sem emprego ou de acabar os nossos dias num acidente de avião mas, mais uma vez, as pesquisas demonstram que a maioria de nós passa muito menos tempo a interrogar-se sobre eventos negativos do que a idealizar os positivos. Tali Sharon trabalha especificamente com imagens de ressonância magnéticas funcionais (fMRI), as quais gravam a actividade cerebral dos voluntários enquanto estes imaginam determinados eventos passíveis de lhes acontecer no futuro. E, sem nos quedarmos em linguagem demasiado científica, a verdade é que quando estes visualizam eventos positivos e negativos, são duas as zonas do cérebro que se “iluminam”: a amígdala, uma pequena estrutura localizada nas profundezas do cérebro e que é central ao processamento de emoções e o córtex cingulado rostral anterior (rACC), uma área do córtex frontal que modula as emoções e as associações. O rACC funciona como um condutor de tráfego, aumentando o fluxo de emoções e de associações positivas. Quanto mais optimista uma pessoa for, mais elevada se torna a actividade nestas regiões – nos momentos em que os voluntários idealizarem cenários optimistas – sendo que a conectividade entre as duas estruturas se torna visivelmente mais forte. Em contrapartida, estas duas regiões – a amígdala e o rACC – mostram uma actividade anormal nos indivíduos deprimidos que, consequentemente, são muito mais pessimistas ao pensarem no futuro. Contudo e na verdade, os pessimistas moderados são relativamente mais exactos na sua previsão de eventos futuros. Vêem o mundo como ele é ou, por outras palavras, na ausência de um mecanismo neuronal responsável pela geração de optimismos não realistas, seria muito provável que todos os humanos fossem moderadamente depressivos. O que não é, felizmente, verdade, como sublinha na entrevista que se segue Tali Sharon.
Ver o copo meio cheio É correcto afirmar que a tendência humana para o optimismo é gerada, em grande parte, por uma rede neuronal? Escreveu que seria expectável que o optimismo pudesse sofrer uma erosão dada a tendência crescente de desemprego e de todas as ameaças e fracassos que moldam a vida humana e que, em termos colectivos, se sente realmente um pessimismo crescente. Mas argumenta também que o nosso optimismo privado permanece incrivelmente resiliente. Como é que possível separar este potencial pessimismo colectivo do optimismo pessoal? Mas existe um factor adicional que entra em jogo – o poder da relatividade. O que faz depender a nossa satisfação, em larga medida, relativamente ao nosso salário, ao jantar que encomendamos, ao nosso plano de comunicações, aos serviços de saúde, quando fazemos comparações com os nossos pares: quanto é que os nossos amigos estão a ganhar, se o nosso parceiro de jantar tem um prato mais apetitoso que o nosso, quanto é que o nosso colega do lado está a pagar pelo seu plano de comunicações ou se o nosso medico de família é mais competente do que os restantes profissionais. Acreditar que as nossas experiências positivas não são generalizadas ao resto da população, significa que somos realmente privilegiados. Não é só um bom futuro que nos está destinado como, ainda por cima, é melhor do que o de toda a gente que conhecemos. Como também alerta para alguns perigos desta tendência natural para se esperar que o futuro seja melhor do que o passado, nesta era de desassossego político e económico, será que esta mensagem de optimismo ajuda ou deveríamos tentar ser mais realistas? Quando afirma que as pessoas que têm estados depressivos são mais exactas a prever acontecimentos futuros, será que isso significa que talvez fosse melhor se todos nós tivéssemos essa depressão moderada? Escreve no seu livro que “expectativas demasiado optimistas podem-nos levar a erros de cálculo desastrosos (…) mas a tendência [para o optimismo] também nos protege e inspira”. Como é que devemos equilibrar esta “espada de dois gumes”? A sua pesquisa demonstra que os nossos cérebros não são apenas “carimbados” pelo passado, mas e ao invés, são constantemente moldados para o futuro. Mas também argumenta que as pessoas têm percepcionam de forma mais positiva os acontecimentos se já os tiverem experimentado no passado. Será possível afirmar que as pessoas que já lidaram com recessões económicas anteriores estão a lidar melhor com as dificuldades do presente, comparativamente a gerações mais novas? Quando escreve que parece que o nosso cérebro possui a pedra filosofal [no sentido de transformar chumbo em ouro] , acredita que “com cada crise vem também uma oportunidade” e que estamos mesmo “sintonizados” para ter esperança? E como é que nos mantemos esperançados ao mesmo tempo que nos defendemos das armadilhas que podem advir do optimismo excessivo? |
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Editora Executiva