POR MÁRIA POMBO
Crianças abandonadas, que sofrem maus tratos físicos ou psíquicos, que são obrigadas a trabalhar de forma excessiva ou inadequada à idade, ou que de alguma forma estão sujeitas a comportamentos que afectam a sua segurança, equilíbrio emocional, desenvolvimento ou formação são, claramente, crianças em risco ou em perigo. É com o objectivo de combater estas situações, promovendo a saúde, a segurança, a educação, o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos mais novos que, em todo o território nacional, funcionam actualmente 308 Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Estas entidades trabalham em articulação com o Governo e são monitorizadas e acompanhadas pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ).
Na modalidade alargada, as comissões são responsáveis pela promoção dos direitos dos menores nas comunidades, através de acções que têm o objectivo de informar a população sobre os casos ou situações que podem pôr em perigo os seus direitos. Já na modalidade restrita, estes organismos actuam directamente junto das crianças e famílias, acompanhando-as e tomando as medidas necessárias para garantir a sua protecção e segurança.
O interesse das crianças e jovens, a reserva da sua vida privada e a intervenção atempada são alguns dos princípios orientadores das CPCJ. A interferência mínima e indispensável, ajustada à situação de perigo, bem como a responsabilidade parental (que incentiva os pais a assumir os seus deveres perante os filhos), a promoção da adopção e a integração das crianças em famílias, e ainda a obrigatoriedade de informar as crianças e os seus pais ou representantes acerca dos motivos da intervenção, são igualmente princípios pelos quais as CPCJ se regem.
Complementarmente, as comissões respeitam o direito que as crianças e respectivos pais têm de ser ouvidos e de participar na definição das medidas que vão ser aplicadas para promover a protecção dos menores. Estas entidades respeitam também o princípio da subsidiariedade, segundo o qual a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção e, em última instância, pelos tribunais.
[quote_center]Lisboa, Porto e Setúbal são os distritos com o maior número de crianças e jovens em risco[/quote_center]
De acordo com o mais recente Relatório Anual de Actividades das CPCJ, em 2015 estas entidades acompanharam 73,355 crianças e jovens – mais 336 casos que no ano anterior. Também nesse período foram reabertos 8,328 processos (mais 335 que em 2014) e arquivados 38,695 processos. Consequentemente, transitaram 34,660 processos para 2016. Uma vez mais, são os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal aqueles em que se verifica o maior número de jovens em risco ou perigo, reunindo 49,1% dos processos a nível nacional.
O documento indica que a maioria das crianças e dos jovens sinalizados vivia, em 2015, com a família (biológica ou adoptiva). Mais de 25 mil processos diziam respeito a jovens com idades entre os 15 e os 21 anos e o escalão etário com menor número (que acumulava pouco mais de 14 mil crianças) situava-se entre os zero e os cinco anos: o número de crianças acompanhadas neste grupo diminuiu ligeiramente face ao ano anterior mas aumentou, na mesma proporção, na faixa etária seguinte – entre os seis e os 10 anos. À semelhança do que tem vindo a acontecer em anos anteriores, o número de processos reabertos aumenta em função da idade, sendo o escalão dos jovens mais velhos aquele em que se encontra o maior número de “reincidências”.
Ao todo, foram também identificadas 855 crianças e jovens com deficiência ou incapacidade, verificando-se uma diminuição destes casos face a 2014, ano em que se registaram 951 crianças nestas condições.
Porque os perigos podem surgir em qualquer idade
O Relatório Anual de Actividades das CPCJ indica que, em 2015, a exposição a comportamentos que comprometem o bem-estar e o desenvolvimento das crianças – de que são exemplo a violência doméstica ou o consumo de álcool e de estupefacientes – foi considerada a primeira causa de intervenção das comissões, por ser aquela que reúne o maior número de comunicações feitas a estes organismos. De acordo com o relatório, o número de jovens expostos a estes comportamentos foi superior ao apurado em 2014. Contudo, verifica-se que à medida que aumenta a idade dos jovens, diminui o número de casos comunicados por este motivo.
Caracterizada pela falta de acompanhamento ou supervisão em termos de educação, saúde e afectos, a negligência é a segunda principal causa comunicada e que motiva a intervenção das CPCJ, a qual, à semelhança do motivo anterior, diminui à medida que aumenta a idade. Adicionalmente, as situações que colocam em risco o direito à educação (e que promovem o absentismo, o abandono e o insucesso escolar) constituem a terceira causa de actuação por parte das comissões, tendo ainda assim diminuído o número de processos face a 2014. Contrariamente às causas anteriores, este número cresce à medida que a idade também aumenta.
[quote_center]Em 2015, foram aplicadas mais de 36 mil medidas de promoção do bem-estar e da segurança dos menores[/quote_center]
Os casos em que é a própria criança ou jovem a adoptar comportamentos que põem em risco o seu próprio bem-estar e segurança constituem a quarta causa de intervenção das CPCJ e verificam-se essencialmente entre os jovens com idades entre os 15 e os 18 anos. Comportamentos anti-sociais, indisciplina, bullying e consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas sãos as principais condutas que cabem nesta categoria, tendo aumentado substancialmente face ao ano anterior.
Em quinto lugar no “ranking” das causas mais comunicadas que motivam a acção das comissões está o mau trato físico, o qual aumentou face a 2014. A faixa etária entre os 11 e os 14 anos é aquela que regista o maior número de processos instaurados, verificando-se que é igualmente elevado o número de crianças entre seis e 10 anos que são sinalizadas por este motivo. Este comportamento, que põe em causa a segurança e o desenvolvimento das crianças, pode ser observado em forma de ofensa física e castigo corporal.
A motivar também a intervenção das CPCJ, mas de forma pouco significativa, existem outras situações, como a mendicidade, os abusos psicológicos, os abusos sexuais, a exploração de trabalho infantil ou os casos em que as crianças são entregues a si próprias.
[quote_center]O Governo anunciou recentemente o reforço das comissões de protecção com cerca de 80 técnicos[/quote_center]
Essencialmente por ausência de provas que confirmem diversas situações de perigo e justifiquem a intervenção das comissões de protecção, em 2015 foram arquivados cerca de 10 mil processos logo na fase de análise preliminar. O “copo meio cheio” indica que existiram perto de 10 mil falsos alarmes; no entanto, o “copo meio vazio” revela que entre estas denúncias arquivadas podem, de facto, existir crianças em risco que não estão a ser devidamente acompanhadas.
De acordo com este documento, existe uma ligeira diferença entre o número de situações comunicadas (por terceiros ou pelas vítimas) e o número de situações diagnosticadas pelas próprias CPCJ, fazendo variar a ordem com que as mesmas surgem: a negligência, por exemplo, foi a segunda causa comunicada por terceiros e a principal situação diagnosticada pelas CPCJ; já o mau trato fez parte do grupo de casos com pouca expressão, nas situações diagnosticadas, mas foi considerado como o quinto factor mais comunicado às comissões.
No entanto, e independentemente da ordem pela qual aparecem, o relatório revela que o importante é que sejam conhecidas e resolvidas as principais situações que põem em risco os direitos das crianças, alertando as comunidades para a sua existência e promovendo a intervenção precoce por parte das entidades competentes.
Promover sorrisos e estimular o crescimento saudável
Para combater as situações acima referidas, foram aplicadas mais de 36 mil medidas (menos 572 medidas que no ano anterior) de promoção do bem-estar e da segurança dos menores. As medidas de apoio junto dos pais foram predominantes em todo o território nacional, seguindo-se as medidas de apoio a outros familiares, o acolhimento residencial ou por parte de famílias, a confiança a pessoas idóneas e a promoção da autonomia dos jovens.
A proximidade local, a intervenção atempada e uma maior articulação com as diversas entidades locais foram consideradas pelas CPCJ como as razões positivas mais relevantes e que contribuíram para o sucesso da sua actividade, durante o passado ano. Estes organismos salientaram que é igualmente positivo o reconhecimento que conseguiram alcançar por parte das comunidades onde intervieram. Complementarmente, as diversas comissões referiram que o trabalho com as famílias, bem como a colaboração com outras CPCJ foram questões igualmente benéficas para o sucesso da sua acção, ao longo do ano.
[quote_center]As 308 CPCJ não têm tido mãos a medir com o aumento do número de jovens mais expostos ao consumo de álcool e estupefacientes[/quote_center]
Contudo, e porque este é um trabalho exigente, as mesmas comissões apontaram a menor participação de alguns parceiros, a ausência de priorização do trabalho por parte de representantes de diversas entidades (de que são exemplo os Ministérios da Educação e da Saúde, a Segurança Social, as entidades municipais, as forças de Segurança e as associações locais de cariz cultural ou recreativo) e a insuficiência de tempo por parte de alguns membros da modalidade alargada como as principais dificuldades sentidas ao longo do ano.
Independentemente de as violações dos direitos das crianças e dos jovens poderem assumir diversas formas e manifestar-se de modos diferentes ao longo da infância e adolescência, o que conta é que, em 2015, foram acompanhados pelas CPCJ mais de 73 mil menores. Isto significa que, em todo o território nacional, eram milhares as crianças e jovens que viviam (ou vivem) em perigo e a quem era vedado o direito a crescer de forma livre e despreocupada.
As 308 Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que exercem actividade de norte a sul do País não têm tido mãos a medir, principalmente durante e após um ano em que se registou um aumento do número de jovens mais velhos e mais expostos ao consumo de álcool e estupefacientes. Em jeito de apelo, este documento alerta as comunidades e as entidades locais para a importância de prevenir e punir os comportamentos que põem em risco o bem-estar e o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, promovendo a segurança e o crescimento saudável dos menores.
Mais técnicos para acompanhar mais jovens problemáticos
O facto de ser crescente o número de jovens sinalizados que têm mais idade (comparativamente com as crianças mais novas) e que revelam uma maior tendência a assumir comportamentos que afectam o seu próprio bem-estar exige respostas mais complexas e eficazes por parte das comissões de protecção. Neste contexto, o Governo anunciou recentemente o reforço destes organismos com cerca de 80 técnicos.
O primeiro protocolo foi assinado no passado dia 30 entre a CNPDPCJ e a Câmara Municipal de Lisboa, a qual vai receber oito técnicos para as suas quatro CPCJ. O mesmo documento será subscrito futuramente por outras 34 autarquias. Ao todo, pretende-se que os técnicos seleccionados integrem 43 comissões em 35 municípios de norte a sul do País, tendo sido escolhidas como prioritárias as regiões onde foram registados mais de 500 processos, em 2015.
Este reforço das comissões traduz um investimento de mais de um milhão de euros por parte do Estado e revela o seu interesse em dar uma resposta eficaz e atempada no que respeita à promoção e defesa dos direitos das crianças e jovens. O mesmo é também resultado de uma boa articulação e colaboração entre o Governo e as diversas CPCJ a nível local.
Jornalista