Ao longo de três anos, um departamento de investigação da Universidade de Cardiff “seguiu” 1500 jovens, pertencentes a 29 escolas e a frequentar diferentes graus de ensino, com vista a analisar as principais diferenças na forma como rapazes e raparigas percepcionam as experiências que vão tendo ao longo do seu percurso escolar. E concluiu que, apesar de a performance académica no feminino ser, no geral, melhor do que a dos seus pares masculinos, as raparigas são menos felizes e mais stressadas naquele que é também um espaço de socialização e crescimento por excelência: a escola
POR
HELENA OLIVEIRA

São inúmeros os estudos que comprovam que, de uma forma geral, as raparigas têm uma melhor performance escolar do que os rapazes, independentemente da sua condição social, económica e até geográfica. E se, por um lado, o facto é aceite com alguma dificuldade pelos pais dos estudantes masculinos – ou mais precisamente, pelas mães – por outro, a generalização desta realidade não traz grande mal ao mundo. De uma forma ou de outra, ambos os sexos têm as suas peculiaridades e, pese embora a persistente discriminação das raparigas quando crescem e se tornam mulheres, com os gaps ainda incompreensíveis no que respeita às remunerações e ao exercício de cargos de “maior” responsabilidade, a verdade é que esta “vantagem” das meninas face aos seus pares masculinos acaba por não ser significativamente relevante no futuro de ambos. Mas importantes – e de certa forma surpreendentes – são os resultados de um novo estudo, realizado por um grupo de investigadores da Universidade de Cardiff, no País de Gales, e que concluiu que apesar de as raparigas terem, realmente, melhores resultados escolares do que os rapazes, a sua experiência dentro dos muros da escola é muito menos feliz do que a dos seus pares masculinos.

Conduzido pelo WISERD (The Wales Institute of Social & Economic Research, Data & Methods), um departamento de investigação da Universidade de Cardiff que se dedica a juntar investigadores das diferentes ciências sociais, incluindo a sociologia, a economia, a geografia e a ciência política, o estudo seguiu, ao longo dos últimos três anos, 1500 estudantes, de 29 escolas primárias e secundárias do País de Gales, com vista a analisar as principais diferenças na forma como rapazes e raparigas percepcionam as experiências que vão tendo ao longo do seu percurso escolar.

Kevin Smith, o responsável deste estudo em particular explica, no paper que publicou no blog do WISERD, que o universo de alunos inquiridos respondeu a uma ampla variedade de itens, incluindo o ambiente de aprendizagem das escolas que frequentam, em conjunto com as características destas mesmas instituições enquanto locais de socialização, de realização pessoal e de bem-estar (mesmo que subjectivo). E, em termos gerais, as diferenças entre ambos os géneros, no que respeita à forma como estes “sentem” o seu espaço escolar, foram significativas.

No geral, as estudantes entrevistadas – e que responderam a estes inquéritos ao longo de três anos – mostraram-se mais positivas sobre a escola enquanto instituição do que os rapazes, sentindo que professores e o restante staff demonstravam expectativas elevadas no que respeita a si mesmas, recompensavam as boas notas e os progressos realizados e que se preocupavam, de forma legítima, com os seus resultados académicos. Todavia, e quando inquiridas sobre a forma como se sentiam na escola, as respostas mudaram significativamente de figura.

De acordo com os dados divulgados pelo investigador, cerca de 25% das estudantes afirmaram sentir-se inquietas e preocupadas durante o tempo que passam na escola, comparativamente a apenas 16,5% de rapazes que declararam ter sentimentos similares; no que respeita ao sentimento de “pertença” – uma questão crucial para qualquer um de nós, mas em particular para crianças e jovens – 24% das raparigas sentiam não “pertencer” ao seu espaço escolar, face a apenas 8,8% dos rapazes. Adicionalmente, e apesar das respostas “positivas” que deram sobre a escola enquanto instituição “atenta”, quase 20% das estudantes discordaram da premissa de que a sua escola era um local onde os “professores as conheciam bem”, resultado igualmente acima do dos rapazes, em que apenas 12% dos mesmos afirmaram ter uma ideia similar.

E, como sublinha o responsável, “infelizmente, as respostas dos participantes não melhoraram à medida que iam progredindo no seu percurso escolar”. Antes pelo contrário. As “rondas” de perguntas foram repetidas ao longo de três anos consecutivos e as respostas negativas não só se mantiveram como, em alguns casos, aumentaram.

Resultados similares foram encontrados num estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde, que inquiriu cerca de 200 mil jovens, de 11, 13 e 15 anos, em 42 países europeus, entre 2013 e 2014, e cuja principal conclusão foi a de que os rapazes, no geral, demonstraram ter níveis de satisfação com a vida mais elevados do que as raparigas, em particular aos 15 anos.

© DR
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Raparigas mais exigentes, cansadas e stressadas

Apesar de ambos os estudos não terem, exactamente, a mesma finalidade, existem alguns pontos em comum nas conclusões a que chegam. No caso do WISERD, o enfoque é colocado não só na melhor prestação escolar que as raparigas têm devido à percepção mais positiva que demonstram face à própria escola, em conjunto com o facto de lerem mais, estudarem mais e comportarem-se melhor do que os rapazes, mas também no ênfase que é colocado no espaço escolar encarando-o não só como um mero local de aprendizagem, mas também como um ambiente de actividade social, no qual se exibem as mesmas atitudes, práticas e discursos que vigoram “lá fora”. E obviamente que os alunos não deixam à porta da escola as complexidades inerentes à vida de adolescente, as quais são, e ao invés, intensificadas na mesma.

No estudo levado a cabo pela OMS – e que aponta as raparigas de 15 anos da Polónia, do Reino Unido e da França como as que menos satisfeitas com as suas vidas estão – a questão da insatisfação com a própria imagem é uma das que maior expressão obteve. E, por seu turno, o investigador galês recorda também o facto de que ser-se uma jovem mulher no meio de uma sociedade que mantém uma organização patriarcal permanece “embutido”, de forma explícita e implícita, também nas práticas sociais escolares. O que corrobora a questão da preocupação com o corpo demonstrada no estudo a nível europeu, em conjunto com as actividades nas redes sociais, que constituem “temas quentes” e profundamente relacionados com pressões que aumentam, de forma significativa, os problemas emocionais (mais) sentidos pelas raparigas. Kevin Smith afirma ainda que as reacções a estas questões se concentram, frequentemente, no impacto que têm nas vidas das raparigas, sem se reconhecer também de que forma as percepções que vigoram na sociedade no que respeita à imagem das mulheres são construídas e reproduzidas, servindo as escolas exactamente como “sistemas por excelência” para este mesmo processo.

Por outro lado, a questão dos “15 anos” é também facilmente explicada. À medida que vão crescendo, e estando constantemente ligadas nas redes sociais, onde o culto da imagem é absolutamente exacerbado, com tentativas obsessivas de se atrair o maior número de seguidores e em busca da projecção da imagem mais do que perfeita, as raparigas, mais do que os rapazes (apesar de estes não estarem isentos de comportamentos similares, é claro), acabam por sofrer pressões mais significativas para corresponder ao “ideal” que vigora não só no mundo real, como no virtual, e que é particularmente importante nas escolas que as acolhem.

Adicionalmente, o fenómeno da “menor felicidade” parece acompanhar as raparigas até, pelo menos, ao final do ensino secundário. Um outro estudo realizado pela Universidade de Princeton confirma a noção de que as raparigas obtêm melhores resultados, mas também que reportam maiores níveis de stress, são mais facilmente distraídas pelas redes sociais e menos positivas no que respeita às relações com os seus professores, comparativamente aos rapazes.

Todavia, e como existem sempre duas formas para se olhar para um “problema”, no caso em particular do estudo realizado por Princeton (feito a pré-universitários), os níveis de menor felicidade e maior stress revelados pelo sexo feminino são atribuídos ao facto de as mulheres serem mais competitivas ou de demonstrarem desejos mais elevados de “chegarem mais longe”.

Alguns dos resultados sublinhados comprovam que os rapazes são, no geral, mais felizes do que as raparigas, descrevendo-se a si mesmos, no quotidiano escolar, como “satisfeitos” e “aborrecidos” (19%), ao passo que as raparigas se sentem mais “cansadas” (20%) – um dos tópicos igualmente referido no estudo levado a cabo pela OMS – e stressadas (19%). Adicionalmente, preocupam-se mais com o sucesso, com 21% das inquiridas a afirmarem que o seu desejo pessoal para se “saírem bem” constitui a sua maior fonte de stress, face apenas a 14% dos seus pares masculinos.

Se esta maior “infelicidade no feminino” é tema recorrente em áreas como a psicologia ou a sociologia, o que o investigador da Universidade de Cardiff pretende é transformá-lo também numa questão “pedagógica”. Ou seja, habitualmente e quando se fala sobre “experiências escolares”, estas centram-se, na esmagadora maioria das vezes, nos resultados académicos, no desenvolvimento pessoal dos alunos e, é claro, na avaliação da performance da própria escola. Como afirma Kevin Smith, pergunte a um professor, a um pai ou mãe ou a um decisor político qual a melhor coisa que uma escola tem para oferecer e todos responderão da mesma forma: a educação, ou seja, o desejo que todos partilham de que os alunos possam desenvolver o conhecimento e competências necessários que os ajudem na sua carreira futura e, se possível, a tornarem-se adultos de “sucesso”.

Adicionalmente, e mesmo existindo preocupações com as características “gerais” da escola, desde o ambiente, às instalações, ao tipo de alunos que alberga – a questão do bullying tem também vindo a aumentar em termos de “interesse” – o ênfase é sempre maior relativamente à posição que a escola ocupa em determinado ranking, às qualificações dos professores e à “boa fama” que esta possa ter no meio educativo. Assim, o trabalho que está a ser desenvolvido neste departamento da Universidade de Cardiff alerta para a necessidade, cada vez mais urgente, de se passar a ter redobrada atenção aos elementos sociais do ambiente escolar. Afinal, é nesse mesmo ambiente que crianças e jovens passam a esmagadora maioria do seu tempo.

Editora Executiva