POR HELENA OLIVEIRA
Não é a pergunta do um milhão de dólares, mas poderá ser, ao invés, a de muitos e muitos milhões de dólares: qual o melhor caminho a traçar para se ascender ao cargo de CEO, numa era em que tudo está em acelerada mudança, em que as tecnologias ditam a rapidez na tomada de decisão, em que imperam novos modelos de negócios e novas formas de organização do trabalho e, sobretudo, em que se aposta em competências diferentes das tradicionalmente “preferidas” no século passado?
Para os muitos jovens que ambicionam subir os degraus da escada empresarial e atingir o seu topo, de pouco serve inspirarem-se no estilo de gestão daqueles que figuram no “top dos executivos de sucesso”, que normalmente relatam as suas experiências em livro e que, pagos a peso de ouro, partilham também as suas práticas em conferências um pouco por todo o mundo.
Afinal, e para além dos atributos “normais” que se exige a quem lidera uma empresa – e que incluem uma boa capacidade de trabalho, um bom relacionamento com a equipa, experiência comprovada na área de negócio, aptidão para antecipar problemas e um conhecimento elevado da indústria em causa –e tendo em conta que não foi só o ambiente empresarial que se alterou profundamente, são cada vez maiores as evidências de que as competências necessárias para nele crescer e ascender à denominada C-suite estão a sofrer, igualmente, uma mudança significativa.
Assim e neste sentido, e com largos milhões de perfis detalhados de executivos que mapeiam as suas carreiras no interior do LinkedIn, a rede profissional com maior número de utilizadores a nível global (450 milhões) decidiu analisar os percursos de carreira de 459 mil dos seus membros espalhados por todo o mundo, mas que tenham trabalhado, entre 1990 e 2010 no Top 10 de Consultoras (eleitas pela Vault, “o melhor sítio na web de procura de emprego”, como a apelida a revista Fortune, e que entre outras valências, elabora rankings de “prestígio” em vários segmentos).
O objectivo foi o de identificar, quantitativamente – na medida em que as avaliações qualitativas são o mais comum – “as” chaves para o sucesso demonstradas por estes executivos que ascenderam ao topo das suas carreiras ao longo do período em causa e que serve, também, para definir, o progresso das suas competências nos últimos 20 anos.
A análise centrou-se nos cerca de 64 mil membros (entre os 459 mil perfis analisados) que se tornaram CEO, vice-presidentes ou partners em empresas com pelo menos 200 empregados ao longo deste período, com particular enfoque no seu background académico, género, experiência (e anos) de trabalho e mudanças (na) de carreira. E a “grande” conclusão é a de que, na actualidade, atributos que outrora não eram considerados nem importantes e, em alguns casos até, contrários à ascensão comum na escada empresarial, são aqueles que poderão fazer a diferença para os gestores que ambicionam sentar-se na cadeira mais alta do poder. Com base na análise dos resultados do estudo, o VER traça, de seguida, as suas principais conclusões.
Carreiras “lineares” estão fora de moda
Sim, já não é novidade para ninguém que o “trabalho para a vida” é mesmo coisa do passado e que terminar uma carreira no mesmo sítio onde a mesma teve início é mais sinal de mediocridade do que propriamente de sucesso, independentemente da definição de ambos os termos.
Todavia e de acordo com o estudo do LinkedIn, ainda mais importante que a “rotação”entre várias empresas, dominar o maior número de áreas funcionais possível parece constituir agora a fórmula mais eficaz para se chegar mais depressa ao cume da montanha empresarial.
Para quem almeja alcançar o tão cobiçado “cognome” de executivo de topo, de nada serve passar anos e anos no departamento financeiro da empresa, por exemplo, mesmo que a especialização nas tarefas que o envolvem seja uma mais-valia. O que mais pontos acrescenta à possibilidade de se vir a ser escolhido para um cargo de topo aumenta significativamente para aqueles que já exercerem funções no departamento financeiro – seguindo o exemplo acima -, mas que também tenham passado pelo marketing e, se possível, por um outro ou mais departamentos empresariais. De acordo com a análise do LinkedIn, cada função adicional – para além da “primeira” – faz “disparar” a probabilidade de ascensão ao topo e representa, em média, o equivalente a três anos de experiência laboral. Ou, em síntese, quem dominar, em termos de conhecimento, o maior número de áreas organizacionais, tem uma larga vantagem comparativamente aos que apenas são especializados em determinada função.
Mas não só. Esta “multiplicidade” de experiência em funções diferentes só resulta para os que querem somar pontos no seu “visto para o topo” se o fizerem no interior de uma mesma indústria, mas não para os que “saltitam” de indústria em indústria. Ou seja, o ideal é exercer funções variadas numa determinada empresa – porque a experiência multifacetada oferece uma compreensão mais ampla dos objectivos, pontos fortes e fracos da organização em causa, redes de contactos, entre outros benefícios – mas, melhor do que esta multifuncionalidade, é apostar na possibilidade de se trabalhar em empresas diferentes. Complementarmente, a mudança de uma indústria para outra não é, de acordo com os perfis analisados, aconselhável aos mais ambiciosos, na medida em que a sua curva de aprendizagem se “dispersa” bem como a rede de conhecimentos e relacionamentos que se foi construindo na indústria “original”.
A “expansão” de funções, e exactamente no caso dos CFO (Chief Financial Officer), foi objecto de um estudo recente desenvolvido pela Robert Half Management Resources, uma reconhecida empresa norte-americana especializada em contratação de executivos de várias áreas, mas com particular enfoque nas de contabilidade e finanças, e especializada também na identificação de tendências e condução de estudos relacionados com a contratação.
Em 2014, e no seguimento de entrevistas realizadas a 2100 CFO de um conjunto aleatório de empresas em mais de 20 dos maiores mercados dos Estados Unidos, o estudo em causa revelou que mais de oito em cada 10 CFO (85%) afirmaram ter expandido as suas funções para além das tradicionais que exerciam em termos de contabilidade e finanças ao longo dos três últimos anos (neste caso, 2013, 2012 e 2011), particularmente nas áreas de Recursos Humanos e Tecnologias de Informação. Com base na pergunta “em qual das áreas que se seguem e ‘exteriores’ às suas responsabilidades em termos de contabilidade e finanças, é que as suas funções se expandiram nos últimos três anos”, 21% dos inquiridos responderam “Recursos Humanos”, 19% apontaram “Tecnologias de Informação”, 18% a área de “Operações”, 17% a de “Marketing”, com a área de Vendas e Desenvolvimento do Negócio a contar com 10% das respostas. No total, apenas 14% dos entrevistados afirmaram não ter expandido as suas funções para além daquelas para as quais foram inicialmente contratados (contabilidade e finanças).
De acordo com Paul McDonald, director executivo da Robert Half, “para além de ter de lidar com pressões adicionais no que respeita a questões regulatórias e de compliance, com controlos internos e, é claro, com os impostos, o CFO de hoje é também um conselheiro estratégico – e indispensável – das empresas”. Adicionalmente, “com os avanços tecnológicos e com a ênfase na análise de dados e na transformação do negócio, as empresas estão a olhar para os seus responsáveis financeiros como ‘parceiros’ dos demais departamentos da organização, incluindo os RH e as TI, para ajudar a melhorar as suas eficiências, o crescimento das receitas e a contenção de custos”, acrescenta ainda. Esta tendência continua em franca expansão, como também se pode ler num comunicado da Robert Half de Agosto de 2016, sendo que os próprios CFO admitem que ser um líder de negócio na actualidade é muito mais desafiante face há cinco anos.
A ascensão das funções híbridas
Esta “fusão” de conhecimentos e competências apresenta-se como uma evidência cada vez mais citada. Num excelente artigo publicado no The New York Times sobre o caminho agora mais sinuoso para quem pretende vir a ser “chefe”, e que também cita a análise do LinkedIn, foram identificados dois outros estudos que comprovam o interesse crescente nas “multifunções”:
O primeiro, realizado por dois professores das escolas de gestão das universidades de Tulane e Columbia, e com enfoque na banca de investimento, demonstra que detentores de MBA de elite que estabeleceram um perfil de mercado especializado antes e durante a frequência do programa revelaram uma menor probabilidade de receberem ofertas múltiplas de trabalho, bem como menores compensações sob a forma de bónus, comparativamente a candidatos com MBAs similares, mas que apresentavam nos seus currículos “menor exposição” à banca de investimento. Os autores do estudo concluíram que a vantagem da especialização, até agora considerada como uma mais-valia, começa a esmorecer.
Por seu turno, uma outra pesquisa levada a cabo pela Burning Glass, uma empresa dedicada à análise do mercado laboral e de carreiras em múltiplos sectores, alerta para o crescimento significativo dos denominados “empregos híbridos”, uma tendência cada vez mais evidente, pelo menos nos Estados Unidos (onde o estudo foi feito) e que está a alterar as regras do recrutamento.
Destacando funções que “misturam”, essencialmente, a tecnologia com o marketing, estes novos emprego “híbridos” exigem uma combinação de competências em programação, em conjunto com outro tipo de competências mais comuns em candidatos com formação em design, análise de dados e marketing. No período de 12 meses analisado – entre Abril de 2014 e Março de 2015 – foram mais de 250 mil as ofertas de trabalho que pediam, especificamente, “talento” em funções como Designer de Experiências de Utilizador, Cientista de Dados e Gestor de Produtos. Como se pode ler no estudo, esta procura é tanto uma bênção como um desafio. Para os autores, “estas [novas] funções híbridas são um exemplo clássico da tecnologia que promove a criação de emprego, sendo que os trabalhadores que dominam estas várias competências poderão auferir salários superiores aos que respondem a posições similares com exigências técnicas mais avançadas e especializadas. Todavia e ao mesmo tempo, estas posições exigem um conjunto de competências que, tipicamente, não são ‘ensinadas como um pacote’”.
Para o CEO da Burning Glass, Matthew Sigelman, parecem não existir dúvidas que os empregadores da actualidade estão em busca de uma pool de talento que possa oferecer uma mistura de conhecimentos de marketing com competências tecnológicas. Para Sigelman, estes dois conjuntos de competências são absolutamente essenciais nos dias que correm, seja para a criação de apps ou para a condução de análises de big data. E é por isso que defende que “as instituições académicas deveriam considerar de que forma, e enquanto fornecedoras de talento, se poderá sintetizar estas ‘avenidas de aprendizagem’ para ir ao encontro desta procura crescente”.
Pessoa do sexo masculino detentor de MBA com “pedigree” precisa-se
O estudo do LinkedIn demonstra ainda que, no geral, existem três outros “atributos” que melhor removem as pedras no caminho que conduz ao topo: ser-se detentor de um MBA, trabalhar-se em centros urbanos específicos e, já cá faltava, ser-se homem – apesar de esta condição de género estar a perder, finalmente, algum terreno na eterna discriminação laboral feminina.
No que respeita ao MBA (o VER engloba, nesta mesma edição, um artigo sobre o valor do MBA no panorama de negócios actual), e de acordo com os gestores analisados pela rede profissional, frequentar um MBA nas cinco mais prestigiadas escolas de negócios do mundo confere ao seu detentor um “bónus” equivalente a 13 anos de experiência.
Ou seja, para os gestores que escolheram Harvard, a Universidade de Stanford, a de Chicago (Booth School of Business), a Universidade da Pensilvânia (Wharton School) ou o MIT (Sloan School of Management) – as cinco escolas de negócios que estão no topo do ranking elaborado pela US News and World Report – é significativamente mais fácil não só sonharem, como tornarem realidade as suas ambições para chegar ao último degrau da hierarquia empresarial. Por seu turno, quando o MBA não figura nos lugares cimeiros dos rankings, a equivalência em termos de experiência não ultrapassa os cinco anos.
Adicionalmente, e como sublinha o estudo, outros programas avançados como os PhD (mesmo que seja em gestão), o Juris Doctor ou vários tipos de mestrados têm vindo a ganhar popularidade entre os consultores, mas a verdade é que mesmo que contribuam para se ganhar o título de “executivo”, não têm o mesmo impacto, nem proporcionam o mesmo “impulso” para o topo como os MBA. No estudo em causa, 80% destes programas avançados “non-MBA” constituem uma “espécie” de mestrados em gestão, economia e finanças, ou ainda em Tecnologias de Informação que, apesar da sua utilidade, ainda não conseguiram ganhar o reconhecimento necessário para destronar ou, no mínimo, igualar, o valor de um MBA. Uma vantagem dos também denominados master-in-management (MiM) , e ao contrário dos MBA, é que admitem, directamente, estudantes que acabaram os seus cursos universitários e que ainda não têm qualquer experiência laboral, para além de serem muito menos dispendiosos. Nos Estados Unidos, são já algumas as escolas de negócio reconhecidas, como a de Michigan, Duke ou Notre Dame, que têm vindo a aumentar a oferta dos MiM, o que consiste numa novidade – ou numa adaptação aos novos tempos – na medida em que este tipo de pós-graduação era, até há pouco tempo, estritamente europeia.
Quanto à vantagem do género masculino face ao feminino, o estudo sublinha que ambos são afectados de igual forma pelos efeitos já referidos, mas que os homens continuam a ter vantagens sobre as mulheres. E apesar de considerarem esta vantagem como “ligeira”, a ligeireza traduz-se no facto de uma mulher, com um perfil exactamente igual a um seu par masculino, precisar de mais três anos e meio de experiência para obter a mesma probabilidade de se tornar numa “executiva”.
Quanto ao último item analisado – o local onde se trabalha – o estudo indica, nos Estados Unidos, a cidade de Nova Iorque como o sítio onde existem maiores probabilidades para se ascender ao topo, sendo que Washington D.C. e Houston as que menos garantias dão para lá se chegar. A nível internacional, Bombaim – ou, oficialmente, Mumbai – e Singapura são as cidades que mais oportunidades parecem oferecer, contrapondo-se a Madrid e a São Paulo como as que mais efeitos negativos na ascensão da carreira têm. De acordo com os autores do estudo, e apesar de este factor em particular não estar suficientemente bem explicado, tal poderá dever-se, pelo menos em parte, à natureza das indústrias que imperam nas cidades em causa – no sentido de que a indústria dos serviços financeiros, por exemplo, tende a ser mais hierárquica que a de high-tech , bem como à maior ou menor concentração de sedes empresariais nas regiões em questão.
E o perfil ideal para se ser CEO é…
Os autores do estudo do LinkedIn encontraram uma boa forma de traduzir o seu “modelo de previsibilidade” de se vir a ocupar um cargo de topo na montanha empresarial. Através da comparação de três perfis distintos de ex-consultores, todos com 15 anos de experiência, eis os resultados:
Pessoa A
É homem, tem uma licenciatura, não tem nenhum grau de mestre ou equiparado, vive em Tulsa, no Oklahoma, exerceu a mesma função em três empresas, cada uma delas pertencente a uma indústria diferente. A sua probabilidade de exercer um cargo com funções executivas é de seis por cento.
Pessoa B
É homem, licenciado numa universidade internacional de elite, tem um mestrado, mas não um MBA, vive em Londres e trabalhou em duas funções diferentes para duas empresas distintas, cada uma pertencente a uma determinada indústria. A sua probabilidade de exercer um cargo com funções executivas é de 15 por cento.
Pessoa C
É mulher, licenciada numa das cinco melhores universidades dos Estados Unidos e com um MBA administrado numa das escolas de negócio pertencentes ao top 5 do ranking das melhores escolas de gestão dos Estados Unidos. Trabalhou em quatro funções diferentes, para quatro empresas distintas, mas pertencentes à mesma indústria. A sua probabilidade de exercer um cargo com funções executivas é de 63 por cento.
Leia também nesta edição: Qual o valor, e os valores, de um MBA na actualidade?
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