A próxima edição do CinEd, projecto europeu dedicado à educação pelo cinema, vai ser lançada entre 5 e 8 de Outubro, na Cinemateca Francesa, em Paris. Entre os 12 filmes contemporâneos que integram o programa que propõe a crianças e jovens uma reflexão sobre o património cinematográfico da Europa, estão dois portugueses. Em entrevista, Teresa Garcia, da Associação Os Filhos de Lumière, que coordena a iniciativa a nível nacional, explica como esta descoberta cultural representa uma forma consciente de “olhar e pensar o mundo”
POR GABRIELA COSTA

A Associação Os Filhos de Lumière tem vindo a implementar desde 2001 um vasto programa de iniciação ao cinema em várias regiões do país com o apoio do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, de diversas autarquias e de outras instituições culturais.

Em 2006 foi convidada a participar “num dos programas pedagógicos mais interessantes e enriquecedores, no meio escolar”, Cinema, cem anos de Juventude, coordenado pela Cinemateca Francesa. A iniciativa, que desde o início foi uma importante base de recursos pedagógicos para o desenvolvimento de Os Filhos de Lumière, integra agora 13 países da Europa e do mundo.

Este programa, que faz parte do projecto O Mundo à Nossa Volta, apoiado pelo programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian, envolve escolas, associações culturais, salas de cinema, câmaras municipais, juntas de freguesia e outras Instituições em torno de um objectivo comum: a descoberta do cinema como forma de olhar e pensar o mundo. Descoberta ainda de uma nova linguagem, uma forma de expressão artística, e de conhecimento do património nacional e do mundo.

Em 2014 a associação inicia o programa Moving Cinema, em parceria com entidades similares da Espanha e da Lituânia, a quem se juntou, em 2015, a Escócia e a França (através da Cinemateca Francesa) e, em 2016, o Reino Unido, através do BFI (British Film Institut).

Em 2015 tem início o projecto CinEd com mais sete países parceiros – Bulgária, Espanha, França, Finlândia, Itália, República Checa e Roménia –, dedicado à educação cinematográfica, cujo objectivo é dar a conhecer aos jovens entre os 6 e os 19 anos  a riqueza e a diversidade do cinema europeu.

[quote_center]O CinEd reúne numa plataforma multilingue filmes europeus acessíveis para projecções não comerciais[/quote_center]

Na próxima semana, entre 5 e 8 de Outubro, irá decorrer o primeiro encontro de parceiros que lança o ano 2016-2017, na Cinemateca Francesa em Paris. Ao longo de quatro dias, serão lançados neste encontro os 12 filmes que integram este programa, – incluindo dois portugueses, O Sangue, de Pedro Costa e Uma Pedra no Bolso, de Joaquim Pinto – do património cinematográfico europeu.

Serão igualmente lançados os cadernos pedagógicos sobre cada um dos filmes, os recursos criados para os trabalhar, isoladamente ou em comparação, e os textos criados que lançam pistas pedagógicas para estes recursos, e debatidos os cadernos pedagógicos dirigidos às crianças e aos jovens, para que possam trabalhar os filmes individualmente, “criando um imaginário, uma memória de cada um”.

Em entrevista ao VER, Teresa Garcia, responsável de Os Filhos de Lumière, adianta que no evento serão ainda discutidos os filmes a lançar para o próximo ano, e que haverá um novo filme português.

Para a também cineasta-formadora nas oficinas de cinema e formações de professores que a associação realiza, a experiência das crianças e jovens com o cinema “revela-nos o encontro consigo, com os outros, com a sua comunidade e com o mundo”.

A Associação Os Filhos de Lumière está a implementar o projecto CinEd em Portugal, através do qual serão divulgados 12 filmes do património cinematográfico europeu. Que competências e valores, ao nível de diversidade cultural, capacidade crítica ou expressão artística, podem os jovens adquirir ao terem acesso a este património, e qual a importância dessa experiência para a construção de gerações futuras mais conscientes e interventivas?  

© Os Filhos de Lumière - O Sangue, de Pedro Costa
© Os Filhos de Lumière – O Sangue, de Pedro Costa

Acreditamos que os jovens vão ganhar com esta experiência novas formas de ver e de pensar, de exprimir os seus sentimentos, de descobrir o mundo. Essa consciência, que é também a consciência das suas capacidades pessoais de olhar, de explorar o que os rodeia em conjunto com os outros, de fazer escolhas e tomar decisões, de descobrir competências técnicas e artísticas, de agir, pode ser crucial para o seu crescimento e o seu futuro.

Com base na metodologia desenvolvida pelo consórcio europeu do CinEd, como é feita a abordagem comum com os jovens, a partir das diversas experiências dos sete países envolvidos? Que materiais e recursos pedagógicos utilizam nessa abordagem?

Trabalhamos uma metodologia singular onde mostramos em primeiro lugar filmes e excertos de filmes da história do cinema e questionamos os jovens para que pensem sobre o que viram a partir das imagens e dos sons, da matéria cinematográfica. A pouco e pouco eles conseguem ver cada vez com mais atenção e mais interesse e conseguem perceber os sentimentos e as emoções transmitidas pelos filmes. Temos importantes recursos pedagógicos acessíveis na plataforma e nos sites, que ajudam a perceber o que está em jogo e a partilhar impressões e ideias sobre os filmes dos diferentes países, de forma criativa.

O CinEd reúne numa plataforma online multilingue e evolutiva uma colecção de filmes contemporâneos europeus acessíveis para projecções públicas no território europeu, graças à possibilidade de integração progressiva de legendagem em novas línguas. Como caracteriza este objectivo puramente cultural do projecto, ao permitir a transferência desmaterializada de filmes para projecções não comerciais?

O objectivo da plataforma é permitir projectar filmes (através de um download temporário) em sala e com condições de projecção. É essa experiência que procuramos que os jovens tenham. As legendagens na sua própria língua são, portanto, essenciais. Os cadernos pedagógicos para os professores e os que estão a ser trabalhados para os jovens permitem prolongar a experiência, pensar e relembrar o filme.

É uma proposta muito clara de conhecimento do cinema e de descoberta e reflexão sobre esse importante património.

[quote_center]Há muito pouco investimento dos governos europeus em actividades que potenciem o conhecimento do cinema[/quote_center]

O programa Europa Criativa financia o CinEd e outro importante programa de educação pelo cinema, o Moving Cinema, também com a participação de os Filhos de Lumière. Em que consiste este programa e como é dinamizado?

No contexto do programa Moving Cinema são organizadas projecções-conversa direccionadas ao público jovem, é dinamizado o Cineclube das Gaivotas, um grupo de jovens programadores que se reúnem com frequência para ver e discutir filmes e programar sessões públicas de cinema, e são ainda orientadas oficinas de cinema que incentivam a experiência do gesto de filmar, recorrendo aos dispositivos móveis (telemóveis, tablets) que os jovens usam no seu dia-a-dia.

Tendo em conta os relatórios elaborados sobre esta matéria, como retrata a realidade europeia no que respeita à educação artística e cultural, em geral, e à educação pelo cinema, em particular?

© Os Filhos de Lumière - Uma Pedra no Bolso, de Joaquim Pinto
© Os Filhos de Lumière – Uma Pedra no Bolso, de Joaquim Pinto

O que concluem os relatórios, quer o do British Film Institute quer posteriormente o de Xavier Lardoux (França), é que há muito pouco investimento dos governos europeus em actividades que potenciem o conhecimento do cinema. Foi nesse sentido que a ministra da Cultura francesa fez um apelo em 2013, em Cannes, para que os países europeus privilegiem esta actividade artística. E para que transmitam aos jovens como fazer um filme na prática, para os ajudar a ver e a perceber o que é o cinema.

Que caminho na cultura e na educação artística está a Associação Os Filhos de Lumière a trilhar, a partir de uma atitude que defende que “o cinema nos pode conduzir não só a descoberta do outro como à descoberta de nós próprios” (por oposição às imagens visuais do cinema comercial e da televisão)?

Através dos diferentes programas pedagógicos em que está envolvida neste momento, e ao fim de dezasseis anos de trabalho constante nesta área, a Associação Os Filhos de Lumiére parece estar a trilhar um caminho essencial.

O programa Internacional Cinema, cem anos de Juventude que esta associação integra desde 2006 (coordenado pela Cinemateca Francesa e com a colaboração artística de Alain Bergala, um importante pedagogo e autor de cinema), onde a relação entre o ver, o fazer e o pensar sobre os filmes está no coração desta pedagogia, tem sido uma base fundamental para o desenvolvimento dos programas europeus, Moving Cinema e CinEd.

Estes dois programas (associados ao primeiro) têm permitido criar importantíssimos recursos pedagógicos que dão realmente uma segurança e sustentabilidade para o desenvolvimento deste trabalho. A formação de professores a quem são transmitidas formas de trabalhar esses recursos e pistas pedagógicas faz parte essencial deste percurso.

Os resultados e comentários das crianças e dos jovens ao chegar ao fim de um destes percursos revela-nos, sem qualquer dúvida, esse encontro consigo, com os outros, com a sua comunidade e com o mundo.

Jornalista