POR MÁRIA POMBO
Reunindo mais de 11 mil pessoas, entre cidadãos “comuns”, artistas, líderes empresariais e representantes de organizações sem fins lucrativos, o Global Citizen Festival 2017 teve lugar recentemente, na Alemanha, na mesma cidade e na mesma altura em que se realizou a cimeira do G20. A procura de estratégias e o lançamento de programas que ajudam a melhorar a vida das comunidades mais desfavorecidas, a nível mundial, alcançando assim alguns dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), foram alguns dos principais objectivos deste certame.
Este evento foi promovido pela Global Citizen, uma plataforma que promove o debate acerca de diversos desafios globais da actualidade, procurando estimular o compromisso da comunidade internacional e a mudança social. Através das suas variadas iniciativas a nível mundial, os seus promotores acreditam que é possível acabar com a pobreza extrema até 2030.
A necessidade de ajuda externa, as questões relacionadas com a pobreza, a alimentação e a fome, a (in)justiça da comunidade Yazidi e o apoio aos refugiados foram os temas mais debatidos no evento, e em prol dos quais foram feitos os maiores apelos à acção da comunidade internacional. O embaixador da Boa Vontade da ONU e a sobrevivente de genocídio da comunidade Yazidi, Nadia Murad, pediram à comunidade internacional que investigue e processe o genocídio e os crimes de guerra cometidos pelo ISIS contra aquele povo, e que melhore as condições de acesso à educação e saúde mental dos refugiados.
Relativamente à ajuda externa, os representantes dos quatro principais partidos políticos alemães – incluindo o líder do Partido Social Democrata, Martin Schulz – comprometeram-se a manter o orçamento da Assistência Oficial ao Desenvolvimento da ONU de 0,7% do Produto Interno Bruto. Adicionalmente, e no que respeita à fome e às questões relacionadas com a alimentação e pobreza, foi feito um apelo, por parte de David Beasley. director executivo do Programa Alimentar Mundial (PAM), da ONU, para que os líderes mundiais ajudem os milhões de cidadãos que vivem sem acesso a comida.
Complementarmente, a igualdade de género e o papel da mulher na sociedade, a promoção da educação a nível mundial (e principalmente junto das raparigas e das comunidades mais esquecidas do planeta), e a prevenção de variadas doenças contagiosas (como a poliomielite) foram temas também abordados. Relativamente a estes últimos, a comunidade internacional começa a demonstrar trabalho feito no terreno, nomeadamente através da angariação de vários milhares de dólares (em países como a Bélgica, a Noruega, a Argentina, a Holanda, a Austrália e o Canadá) que serão, nos próximos anos, utilizados para melhorar a vida das populações, em diversos países e através de alguns movimentos (de que são exemplo o “She Decides” e o “Malala Fund”, que lutam pelos direitos das mulheres e raparigas pretendem e levar a educação a todas elas).
Se a pobreza, a fome e a iliteracia são alguns dos mais graves problemas que a humanidade enfrenta (tendo sido bastante debatidos em todo o evento) é também para alcançar a erradicação dos mesmos que diversas pessoas e organizações se unem, procurando estratégias e mecanismos que consigam, de modo efectivo e permanente, melhorar a qualidade de vida dos habitantes de variados países em desenvolvimento, alcançando e promovendo, na mesma medida, os ODS.
Aliar a tecnologia à capacidade de fazer o bem
Entre as várias iniciativas apresentadas no evento, a “100 milhões de refeições” pretende promover a angariação de fundos suficientes para alimentar o maior número de pessoas que vivem em situação de pobreza extrema e sem comida. Para além de tratar o problema da fome, nos próximos 12 meses, este projecto, que resulta de uma parceria entre o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Mastercard, pretende inverter a espiral da pobreza, de modo permanente e através de programas de assistência alimentar e desenvolvimento de resiliência.
Se o PAM é uma agência de excelência em termos de ajuda humanitária contra a fome, a sua acção de assistência alimentar junto de comunidades desfavorecidas tem um impacto muito maior com o apoio da Mastercard, em termos de conhecimentos de tecnologia e sistemas de pagamentos, os quais permitem fazer chegar, de forma “electrónica”, dinheiro a mais pessoas e de uma forma mais eficiente e permanente. De acordo com David Beasley, director executivo do PAM, “o trabalho desenvolvido pela Mastercard para acabar com a fome constitui um exemplo inspirador de como o sector privado desempenha um papel vital para o bem comum”.
Através deste programa, exactamente intitulado “Digital Food”, as duas entidades já conseguiram providenciar alimentos para 75 mil vítimas das mais recentes cheias do Sri Lanka, tendo igualmente apoiado, em Abril de 2015, os sobreviventes do terramoto do Nepal. Adicionalmente, e numa campanha que decorre desde 2015, em 11 países da Europa Central e Oriental, a Mastercard realiza um donativo por cada utilização de cartão, angariando fundos para levar alimentos aos alunos de diversas escolas do Ruanda e do Mali.
Para além das campanhas que têm vindo a ser promovidas no âmbito do referido programa, a iniciativa “Alimentos digitais” foi criada, em 2012, para apoiar refugiados sírios no Líbano e na Jordânia. Em alternativa à tradicional distribuição de alimentos, o PAM e a Mastercard criaram um sistema de cartões pré-pagos, com os quais os cidadãos mais carenciados podem pagar os alimentos nos mercados locais, escolhendo-os livremente. Para além de economizar tempo e dinheiro, esta iniciativa promove a circulação de moeda e a dinâmica das economias locais, desenvolvendo-as.
Pelos motivos apresentados, o PAM e a Mastercard revelam estar empenhados em apoiar as comunidades mais vulneráveis, não apenas com alimentos mas também com mecanismos que permitam o seu desenvolvimento económico e social, focando-se em quatro dos 17 ODS: a erradicação da pobreza, a erradicação da fome, a promoção de educação de qualidade a todas as pessoas e a promoção da igualdade de género.
Para que todas as pessoas, em qualquer parte, tenham uma boa refeição
Paralelamente a todo o trabalho desenvolvido com a Mastercard, o PAM apresentou, em Janeiro deste ano e com a colaboração da UNICEF e do Project Everyone, aqueles que considera serem os cinco passos para que a meta “Zero Fome” seja alcançada.
“Deixar para trás o menos importante” é o primeiro passo. De acordo com o PAM, para se alcançar todo o potencial de uma economia globalizada, “os governantes devem expandir as iniciativas de protecção social pelos mais vulneráveis”. Este passo permite, assim, não apenas “fazer o bem”, como também estimular a economia, através da criação de emprego para os mais carenciados, nas comunidades locais.
“Abrir caminho entre a agricultura e o comércio”. Este passo está associado à criação de mecanismos que permitam que todas as pessoas, em todos os lugares do planeta, tenham acesso a comida de qualidade (do ponto de vista nutricional) e a um preço acessível. Para que isso seja possível, é necessário inovar e investir nas cadeias de valor, e melhorar as infra-estruturas rurais e os locais de armazenamento de produtos.
“Reduzir o desperdício de comida”. Este é um dos passos talvez mais importantes e de que mais se fala quando se aborda o tema da fome. Das cerca de quatro mil milhões de toneladas de comida que são produzidas anualmente, um terço acaba no lixo, custando perto de 750 mil milhões de dólares, por ano. Nos países desenvolvidos, é no próprio prato que se tende a desperdiçar mais comida (que sobra em cada refeição e não é reaproveitada). Contudo, nas nações em desenvolvimento, a mesma é perdida ao longo dos processos de produção e armazenamento, devido a más condições e à dificuldade que os agricultores têm de levar os seus produtos aos mercados locais. Inovar e oferecer melhores condições, e sensibilizar a população geral para este problema é, portanto, urgente.
“Estimular a plantação de cereais variados” é o quarto passo referido pelo PAM. E a variedade é a palavra-chave deste ponto. Arroz, trigo, milho e soja são os cereais mais produzidos mundialmente, e cada um deles oferece diversos nutrientes essenciais ao desenvolvimento saudável das comunidades. Se os quatro forem produzidos e devidamente armazenados, de forma alternada, os cidadãos poderão ter acesso a todos eles e beneficiar das suas propriedades. Para alcançar este objectivo, é necessário educar os agricultores a cultivá-los, ao mesmo tempo que se é importante educar as comunidades acerca da importância de fazer uma dieta variada e equilibrada.
“Dar prioridade à nutrição, a começar pelos primeiros mil dias das crianças” é o último passo referido. A nutrição é essencial ao desenvolvimento e crescimento saudáveis das crianças, principalmente nos primeiros dois anos de vida, prevenindo também o aparecimento de variadas doenças. Para isso, é necessário que as mães e os filhos tenham acesso a alimentos nutritivos e adequados a cada idade.
Poderia ser fácil deitar a toalha ao chão e pensar que a fome é e será sempre um problema da humanidade. Contudo, existem pessoas e organizações que escolhem continuar a lutar por um planeta onde todos os seus habitantes têm acesso, pelo menos, aos bens e serviços essenciais, e têm direito a uma boa refeição. Os projectos acima apresentados são o reflexo dessa crença e dessa vontade de lutar pelos direitos de todos os cidadãos.
Jornalista