Querem flexibilidade, lidam bem com a rotatividade, procuram oportunidades de crescimento e ambicionam ocupar cargos de liderança. Valorizam a ética e a sustentabilidade das empresas e defendem que o foco destas deve ultrapassar o lucro. Procuram o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e admiram líderes que sejam inspiradores, apaixonados e que tenham um pensamento estratégico. São os millennials em Portugal. Conheça as suas expectativas sobre o mercado de trabalho, no estudo “Millennials@Work”, desenvolvido recentemente pelo BCSD, pela Deloitte Portugal e pela Sonae
POR
MÁRIA POMBO

Representando uma importante parcela da actual força de trabalho, os millennials são, como é do conhecimento geral, uma geração disruptiva, principalmente quando comparada com as gerações anteriores. Optimistas, livres e despreocupados são alguns dos adjectivos pelos quais são normalmente conhecidos os membros da geração Y, cujas ambições passam por viajar, constituir família e, no fundo, ter tempo.

As suas características têm vindo a ser estudadas ao longo dos tempos, mas a verdade é que a maioria das organizações ainda não se adaptou às necessidades e, acima de tudo, expectativas destes nativos digitais que procuram equilíbrio, reconhecimento e um propósito para a vida.

Desenvolvido em parceria pelo BCSD, pela Deloitte Portugal e pela Sonae, e apresentado recentemente, o estudo “Millennials@Work: expectativas sobre as empresas e lideranças em Portugal” procura saber, precisamente, o que espera e ambiciona esta geração que nasceu entre os anos 1983 e 1998, no nosso país. O estudo foi realizado entre Fevereiro e Março do presente ano e contou com a participação de 1950 pessoas pertencentes a este segmento populacional, com habilitações literárias ao nível da licenciatura e/ou mestrado, e empregadas há mais de seis meses.

A directora de Talent Management & Development da Sonae afirma que “estudos como o que agora é apresentado são para nós um contributo importante para conhecer os interesses e expectativas dos millennials, sinalizar o que os diferencia e aproxima dos outros segmentos de colaboradores e, com essa informação, renovarmos as nossas práticas de gestão de pessoas”. Neste sentido, Maria Antónia Cadilhe acredita que “é esta dinâmica que nos permite desafiar diariamente o modo como gerimos o nosso talento, através da incorporação de mudanças que proporcionam, a quem aceita o desafio de integrar as nossas equipas, diversas experiências que respondem às suas expectativas e objectivos”.


Millennials não querem um trabalho das 9h às 18h

“Não queremos um emprego para a vida”. Esta é a primeira conclusão do estudo “Millennials@Work” e revela que esta geração ambiciona ter diversas oportunidades e experiências profissionais. Apenas 29% dos inquiridos pretendem trabalhar na mesma empresa durante mais de cinco anos, sendo que metade tenciona sair até ao fim desse período e cerca de um quinto (21%) não tem uma opinião formada sobre este tema. As PME são as organizações que menos atraem os jovens, motivando-os, mais que as restantes, a mudar de empregador no curto prazo. A nível internacional, e comparando com o Millennial Survey da Delloite (que apresenta resultados relativos a 2016 e sobre o qual o VER escreveu), os resultados não são muito diferentes: 66% dos jovens adultos pretendem sair nos próximos cinco anos das organizações onde trabalham, e apenas 27% tencionam ficar durante mais tempo.

Para Sérgio do Monte Lee, “as organizações não podem ficar indiferentes à vontade dos millennials de desejarem ter múltiplas experiências e desafios, sob o risco de verem os seus talentos partir”. O partner da Deloitte Portugal sublinha ainda que “a mobilidade e a rotatividade são uma realidade com a qual as organizações têm de viver e que devem abraçar, repensando a forma como percepcionam as carreiras para uma lógica de maior abrangência e pluralidade”.

[quote_center]Se é verdade que muitos millennials não pretendem enriquecer nem ter o seu próprio negócio, 81% aspiram tornar-se líderes durante a sua carreira[/quote_center]

Contrariamente a outras gerações, os millennials não pretendem alcançar o sucesso, ser ricos e famosos, ter o seu próprio negócio, trabalhar para organizações de cariz social nem ter uma presença muito popular nas redes sociais. Ao invés, esta é uma geração que pretende alcançar o equilíbrio entre a vida pessoal e laboral, ter uma vida financeiramente desafogada, casar, constituir família e viajar. Dentro do factor worklife balance, 75% dos inquiridos valorizam o tempo de lazer, 65% dão importância ao reconhecimento e respeito, e 55% apreciam a flexibilidade de horários e o trabalho remoto, considerando que têm um impacto positivo na sua produtividade.

Neste sentido, se pretendem cativar estes jovens, as organizações devem criar as condições de equilíbrio que eles valorizam. A flexibilidade – tanto de horário como de local de trabalho – é importante e tende, de acordo com os resultados do estudo, a ser mais praticada nas grandes empresas. A nível internacional, os resultados são semelhantes aos nacionais, sendo que, ‘lá fora’, os millennials dão uma maior importância à utilização de dispositivos móveis para fins profissionais, dando, no entanto, menos relevância ao trabalho à distância.

[quote_center]As PME são as organizações que menos atraem os jovens, motivando-os, mais que as restantes, a mudar de empregador no curto prazo[/quote_center]

O reconhecimento e as oportunidades de crescimento são dois grandes factores de satisfação e revelam ser a terceira expectativa manifestada por esta geração. Os jovens que se assumem mais leais às suas organizações são, então, aqueles que se sentem mais satisfeitos com as oportunidades de aplicação de competências e de aprendizagens, com a variedade de experiências que podem ter e com o reconhecimento que recebem.

Para a geração Y, o foco das empresas deve ir para além do lucro

De acordo com os inquiridos, e à semelhança do que se conclui a nível internacional, o tempo que estes dedicam ao desenvolvimento de competências, à discussão de novas ideias e a programas de coaching e mentoring poderá ter um impacto muito positivo para o seu trabalho. Adicionalmente, os autores do estudo concluem que, embora o salário não seja um factor essencial no momento da escolha, o mesmo acaba por ser um incentivo, aos jovens, para permanecerem durante mais tempo na mesma organização.

E se é verdade que muitos não pretendem enriquecer nem ter o seu próprio negócio, 81% aspiram tornar-se líderes durante a sua carreira, sendo a liderança valorizada essencialmente pelos millennials que trabalham nas grandes organizações. Contudo, a maioria considera que as suas competências a este nível não estão a ser suficientemente desenvolvidas, apontando uma falta de oportunidades nesse sentido. Para esta geração, um líder deve ser inspirador (96%), pensador estratégico (96%), apaixonado (94%) e ter competências interpessoais (93%).

Os valores pessoais e morais são um factor de grande peso para os membros da geração Y, no momento em que decidem trabalhar numa organização. E se os mais seniores (que têm entre 26 e 34 anos) dão uma maior importância ao vínculo emocional que têm com a empresa, para os mais novos (que têm entre 19 e 25 anos) são os objectivos de carreira que mais influenciam a sua decisão. O impacto nos clientes e os objectivos da organização são factores que também influenciam a escolha destes jovens, sem que se verifique uma grande diferença entre os mais novos e os mais velhos.

[quote_center]75% dos millennial valorizam o tempo de lazer, 65% dão importância ao reconhecimento e respeito, e 55% apreciam a flexibilidade de horários e o trabalho remoto[/quote_center]

O facto de defenderem que o foco das empresas deve ir para além do lucro é um dos maiores factores de disrupção entre os membros desta geração e os das gerações anteriores. Na perspectiva da maioria dos jovens (82%), as empresas, no geral, estão centradas em cumprir os seus próprios objectivos, não fazendo o suficiente pela sociedade. Para cerca de metade dos inquiridos (53%), estas não têm ambições para além dos rendimentos, sendo que são apenas 26% os que consideram que os seus líderes “estão empenhados em melhorar a sociedade”. Contudo, 53% afirmam que as organizações onde trabalham têm um bom desempenho ético.

De acordo com os inquiridos, a satisfação dos colaboradores e dos clientes, a qualidade dos produtos e serviços, a melhoria contínua e o impacto dos produtos e serviços são os indicadores que, indo para além do lucro, as organizações devem considerar importantes.

Estando alinhada com a ideia de melhorar a sociedade, a sustentabilidade das organizações também é bastante valorizada pela geração Y. Assim, e contrariando a ideia anterior – de que as empresas, no geral, não fazem o suficiente pela sociedade -, 84% dos jovens consideram que a organização onde trabalham tem um forte sentido de missão, 75% conseguem explicar de que modo a sua empresa a consegue cumprir e 72% afirmam que o seu actual empregador “tem uma missão para além do sucesso financeiro”.


Millennials preferem empresas mais éticas e sustentáveis

Conhecidas as expectativas e ambições dos millennials, é tempo de as organizações fazerem as devidas adaptações, caso queiram cativar e reter colaboradores pertencentes a esta geração. Deste modo, o documento revela que é importante investir na motivação dos trabalhadores, oferecendo-lhes oportunidades de desenvolvimento e crescimento, investindo em condições de trabalho adequadas às novas necessidades e oferecendo pacotes salariais competitivos face ao mercado.

Se esta é uma geração que procura novas experiências e que prima pela rotatividade, as organizações devem promover a fácil integração dos colaboradores e garantir a solidez da equipa, mesmo com a entrada e saída de trabalhadores. Ou isso ou dar aos millennials condições que correspondam às suas necessidades e expectativas, com vista a aumentar a sua vontade de permanecer durante mais tempo na mesma organização.

[quote_center]Os valores pessoais e morais são um factor de grande peso para os membros da geração Y[/quote_center]

É que a rotatividade dá origem a uma nova realidade, que é o aumento de carreiras ‘boomerang’ – em que os indivíduos saem das organizações durante um período de tempo e regressam mais tarde, com novos conhecimentos e maiores competências. Neste sentido, e se não conseguirem dar aos jovens as condições para ficar, as empresas devem então acompanhar o processo de saída dos trabalhadores, manter o contacto com estes, estando atentas ao seu percurso, e optimizar o processo de recrutamento e readmissão de colaboradores, para que estes tenham, por fim, motivos para regressar.

Se estes são trabalhadores que procuram o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, e que pretendem ver o seu trabalho reconhecido, as organizações devem promover a flexibilidade a vários níveis (em termos de horários e de local, mas também através de jornadas contínuas ou trabalho em tempo reduzido), bem como o trabalho em equipa, a discussão de ideias e a diversidade de ambientes de trabalho. Explorar novas formas de trabalho e liderança e garantir que o horário flexível não põe em risco o cumprimento das funções dos trabalhadores são, no fundo, dois dos principais desafios que se colocam às organizações. Complementarmente, mais do que um salário atractivo, estas devem incentivar a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores, oferecendo-lhes benefícios à medida das suas necessidades.

De modo a cumprir o requisito do desenvolvimento de competências e crescimento profissional, as organizações devem dar aos jovens a possibilidade de formação contínua e mobilidade interna. Criar programas de coaching, de modo a aproximar os mais novos dos mais velhos, e promover uma cultura de feedback são algumas das estratégias que as empresas podem adoptar. Complementarmente, podem dar mais autonomia aos millennials, para que estes possam aplicar conhecimentos e desenvolver talentos, desafiando-os até, e em algumas situações, a desempenhar funções de liderança. Estas são algumas formas de reter os jovens Y nas empresas, tendo em conta que aumentam os seus níveis de motivação e empenho.

Uma cultura orientada para o propósito (não financeiro) é uma das ideias mais marcantes da geração millennial. Deste modo, as empresas que pretendem acolher trabalhadores entre os 19 e os 34 anos devem definir e comunicar objectivos que ultrapassam o lucro, desenvolvendo acções que o demonstrem. Os líderes das organizações ocupam aqui um papel fundamental, na medida em que devem liderar pelo exemplo, sendo o espelho dos valores defendidos pela organização e inspirando os seus colaboradores.

Em conjunto com o propósito, o estudo “Millennials@Work” indica que, se a geração Y é exigente quanto aos comportamentos éticos das organizações, estas devem reforçar as suas estratégias de sustentabilidade, envolvendo os trabalhadores nas acções desenvolvidas a este respeito e garantindo que todos compreendem o significado e o impacto do seu trabalho, junto dos stakeholders e da sociedade em geral. Esta é outra estratégia que motiva os jovens da geração Y a escolher as organizações onde querem trabalhar, e também a permanecer nas mesmas.

Se os millennials são uma parcela importante da actual (e futura) força de trabalho, e se estes estão a transformar o paradigma de gestão de trabalhadores, cabe às empresas dar respostas aos desafios que se colocam, nomeadamente no que respeita ao tempo de permanência dos colaboradores, mas também em termos de readmissão e retenção de talentos “antigos”. As expectativas desta geração são elevadas e “obrigam” as empresas a criar valor (mais do que lucro) e a dar oportunidades de crescimento e de bem-estar (que ultrapassam em muito os salários elevados).

Manter os jovens empenhados e motivados é um desafio e, com base nas conclusões do estudo “Millennials@Work”, cada organização deve fazer as adaptações necessárias para o conseguir, permitindo assim que sejam cada vez menos os jovens que pretendem mudar de empregador ao fim de cinco anos.

Em jeito de conclusão, e de acordo com Sofia Santos, “os millennials encaram as organizações como catalisadores de mudança na sociedade, mas consideram que os seus líderes não estão empenhados em usar o seu poder para a melhorar”. A secretária geral do BCSD Portugal explica ainda que “os millennials esperam que as empresas do futuro consigam ir além do lucro e que assumam um compromisso evidente com o seu propósito na sociedade, que são premissas defendidas desde sempre pelo BCSD”.

Jornalista