Esta foi a principal conclusão de um seminário, realizado na AESE, sobre corrupção e gestão danosa, e que juntou especialistas de várias áreas, desde a ética à investigação forense, com o objectivo não só de contextualizar as principais causas do fenómeno, como também de o prevenir, para não ser necessário mais tarde ter de o remediar. Uma particular chamada de atenção também para a iniciativa PRME, que tem como missão promover a responsabilidade no ensino das áreas de liderança e gestão, uma aposta recente, mas em forte expansão, da Escola de Direcção e Negócios portuguesa
POR HELENA OLIVEIRA

Numa organização conjunta entre a AESE e a consultora KPMG, a Escola de Direcção e Negócios foi palco de um seminário sobre corrupção e gestão danosa, com enfoque para práticas anticorrupção – de prevenção, de detecção e reacção – mas também para os novos modelos e ferramentas que visam combater este fenómeno, cada vez mais generalizado e com dimensões verdadeiramente astronómicas.

A iniciativa enquadra-se no âmbito da Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP, que está a apostar fortemente na integração do ensino da ética e da responsabilidade social das empresas nos seus programas para executivos, sendo a primeira instituição educativa em Portugal que apresenta um relatório no qual expõe as actividades desenvolvidas no âmbito da assinatura dos Principles for Responsible Management Education (PRME) (v. Caixa).

O seminário que, estima-se, será realizado todos os anos, alternando Lisboa e Barcelona como as cidades que o acolhem, contou com a presença de especialistas de várias áreas, entre os quais se destacam o especialista mundial em Ética nos Negócios, Antonio Argandoña, Professor do IESE, Pedro Cunha, Forensic Director da KPMG Portugal e Miguel Trindade Rocha, Assessor do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. A sessão de abertura esteve, por seu turno, a cargo de Antonino Vaccaro, Professor do IESE Business School e de Raul Diniz, Professor na AESE e o responsável pela cátedra de Ética já mencionada.

“O mundo dos negócios pode aceitar e perpetuar a corrupção ou, pelo contrário, preveni-la eficientemente”, afirmou Raul Diniz, sublinhando a importância da temática em causa e das ferramentas inovadoras que já existem para “a prevenir e combater dentro da empresa e entre empresas”.

Adicionalmente, o Professor alertou para a legislação europeia que está a obrigar a algumas alterações no modo de funcionamento das empresas”, colocando uma tónica na extrema importância de “os dirigentes terem a noção clara do que deve ser feito”.

Com os devidos agradecimentos aos contributos dados pelo Center for Business Society do IESE e pela KPMG para a realização do seminário em causa, Raul Diniz afirmou ainda que “a corrupção é um problema humano, social, político, económico e ético” e que, apesar de também se ter globalizado, não é inevitável. “Além de mecanismos sociais para a prevenir, depende do sentido de justiça dos poderosos”, concluiu.

No seguimento deste sentido de justiça, ou da falta do mesmo, neste caso, dos poderosos, Antonino Vaccaro relembrou alguns “rostos”, famosos pelos motivos errados, da corrupção: Jeff Skilling, o CEO da Enron que abalou o mundo empresarial com um dos maiores escândalos de fraude corporativa da história, em 2001, e condenado a 24 anos de prisão ou do mais recente caso “Madoff”, considerado como a maior fraude atribuída a uma só pessoa e o primeiro esquema Ponzi verdadeiramente global e que valeu ao perpetrador uma sentença de 150 anos de prisão.

Todavia, os exemplos de condenação por fraude parecem não intimidar os prevaricadores, apesar de as empresas parecerem estar mais dispostas a revelar publicamente actos ilícitos de que foram vítimas. De acordo com dados do Economist Intelligence Unit, citados pelo professor do IESE Business School, 25% das empresas admitem ter sido vítimas de apropriação indevida dos seus bens, 23% reconhecem ter sofrido de roubo de informação delicada, 20% de vendas fraudulentas e 19% de actos de corrupção ou suborno variado. O que, de acordo com Antonino Vaccaro, o facto de as pessoas terem uma maior percepção relativamente á corrupção – e, neste caso em particular, das próprias empresas – é um factor de extrema importância. Recordando igualmente casos mediáticos que envolveram grandes empresas, de que são exemplo a Siemens e a IBM, a verdade é que, especificamente para estes dois gigantes, o reconhecimento de um problema e a sua prevenção futura, com mecanismos muito mais exigentes, acabou por ter um saldo positivo, permitindo-lhes a recuperação da reputação outrora enlameada. Daí também a pertinência dos temas discutidos no seguimento desta intervenção.

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O cesto, a(s) maçã(s) podre(s) e a cultura do “sempre fizemos assim”
Nem todos se podem gabar de ter uma experiência de quase 50 anos a “interpretar” empresas e ambientes de negócio, num mundo em constante mutação e com novos e multiplicados problemas. Por isso, não admira que Antonio Argandoña assegure que a corrupção é “um problema de cultura organizacional” e (quase) ponto final. Com a metáfora da maçã podre e afirmando que a corrupção pode igualmente ser um caso de racionalização de comportamentos, se esta estiver enraizada na cultura da empresa – no cesto, portanto – e for bem “alimentada” pela gestão de topo, não estando esta verdadeiramente comprometida em combatê-la, então não existe forma de a evitar, afirma o Professor do IESE Business School. “Se existe a noção de que é necessário pagar subornos para a empresa funcionar, se o discurso incluir as frases feitas estilo ‘sempre o fizemos’ ou ‘esta é a forma normal de fazermos negócios nesta empresa’ e se a gestão de topo é cúmplice deste esquema, diz Argandoña, o problema acaba por ser transversal a toda a empresa. “Isto é o que o meu patrão espera de mim” será a atitude desculpabilizadora normal para que a corrupção se instale em todos os níveis da empresa. O apelar a “lealdades superiores”, seja ao superior hierárquico seja à própria empresa é, igualmente, uma forma de cumplicidade organizacional.

Todavia, outros contextos contribuem para a normalização de práticas fraudulentas nas empresas. Seja a tomada de uma decisão sob forte pressão e ausência de informação, seja o facto de os “lucros alterarem a visão das coisas”, ou as práticas que se tornam em rotina – “as outras empresas também o fazem? Sim, fazem-no. Então nesse caso e apesar de nós sermos honestos, também o fazemos” – são alguns dos exemplos. Outros casos, que incluem a negação da responsabilidade – “não fomos nós que criámos o problema” ou a negação de vítimas – “ninguém ficou prejudicado”, constituem, para o especialista em ética empresarial, os eufemismos eleitos para “legitimar” actos de corrupção ou de fraude.

Sendo assim, o que se pode fazer para alterar culturas organizacionais que sempre funcionaram desta forma e que a consideram absolutamente normal?

Para Antonio Argandoña, há que criar estruturas e procedimentos que previnam estes comportamentos, como um controlo extra das práticas de corrupção que não tem de significar, necessariamente, uma ausência de confiança na empresa e nos seus colaboradores. Aliás, apostar em gestores e colaboradores honestos e incorruptíveis é uma das formas de sucesso para prevenir a corrupção. Por outro lado, a criação de uma cultura que nega a corrupção ou a fraude e que tem a coragem de afirmar “estamos dispostos a perder este contrato, se tal significar hipotecar os nossos valores éticos”, significa uma busca pela excelência e, por consequência, a criação de uma cultura de não corrupção, que deverá ser partilhada com os demais stakeholders por forma a gerar um ambiente de negócios “limpo”.

Antonio Argandoña fez ainda referência às “novidades” que estão em curso no que respeita este fenómeno. Por um lado, mais processos judiciais, pelo menos nos Estados Unidos, podem ajudar a prevenir casos de fraude ou gestão danosa, apesar de, na opinião do Professor, as medidas meramente legais não serem suficientes.

Por outro lado, começam a existir sinais de uma internacionalização das acções de combate à corrupção, seja no que respeita às reformas que estão a ser feitas e que juntam organismos internacionais nesta luta comum, como é o caso dos planos de acção da OCDE, das Nações Unidas e de outras agências internacionais, ou programas de integridade que passam por fazer um controlo diário, por exemplo, a fábricas a operar no Vietname ou em Angola, como exemplificou o especialista, alertando igualmente para a necessidade de monitorizações independentes. Mais uma vez, Argandoña sublinhou que “não é possível combater a corrupção a não ser que a empresa colabore”, devendo existir envolvimento de toda a sociedade, a par de um trabalho conjunto feito em colaboração com outras organizações não-governamentais.

Por outro lado, as empresas devem ter integrados nas suas políticas controlos internos, programas de ética e de compliance, uma comunicação aberta e uma abordagem de resolução de problemas. Detectar, investigar, responder e divulgar são verbos que têm de ser transformados em acção no interior das empresas. E no que respeita ao papel dos governos? Em primeiro lugar, possuir uma estratégia de benchmarking, com a identificação de boas práticas que possam ser copiadas é um bom passo, afirma o Professor. Depois, muito útil seria se a adopção de princípios corporativos éticos fosse tornada obrigatória, em conjunto com o alargamento do próprio conceito de corrupção. Ideal seria também que houvesse coragem para as empresas listarem os seus problemas de corrupção nos seus relatórios, algo que e obviamente, nenhuma organização se atreve a fazê-lo. Incluir o envolvimento de outros stakeholders, como os media, por exemplo, constitui igualmente uma boa forma de se prevenir práticas de corrupção.

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Os conselhos do especialista
Antonio Argandoña terminou a sua explanação com alguns conselhos para a comunidade empresarial.

“Tomar uma decisão estratégica de combate à corrupção” é obrigatório, diz. As empresas podem começar por elaborar um estudo interno, que apele à reflexão, e envolver uma participação – interna e externa – nos problemas identificados, em conjunto com uma análise de riscos e ligá-la à missão, visão e valores que a empresa professa. Emitir uma declaração de compromisso ao mais alto nível é igualmente aconselhável, bem como definir responsabilidades. Saber quem é o “líder” é fundamental nestes casos.

Por outro lado e como já foi anteriormente mencionado, incluir, na gestão da empresa, recursos específicos e alocados a este combate: pessoal especializado como compliance officers ou ethical officers, definir um orçamento específico para a temática, insistir nas auditorias internas e externas, entre outros. Também o departamento de comunicação deverá ter o cuidado de divulgar, internamente, o programa específico escolhido pela empresa para o combate a este tipo de práticas, devendo este ser simultaneamente preventivo e correctivo, e incluir todos os departamentos da empresa. Ou seja, a integração real de uma política de combate à corrupção na estratégia da empresa deverá ter em atenção as circunstâncias específicas da mesma e dos diferentes departamentos que a compõem, ao mesmo tempo e obviamente, que seja consistente com a legislação em vigor.

Como notas finais, o especialista em ética empresarial tornou a sublinhar o que, a seu ver, é impreterível fazer para proteger a empresa de corrupção ou de actos de gestão danosa: nunca lutar sozinho, elegendo antes uma acção colectiva e concertada, envolvendo o maior número de parcerias com o governo, organismos internacionais, organizações não governamentais e com outras empresas e, sempre que necessário, pedir ajuda, apoio e aconselhamento.

NOTA: Para aceder ao resumo das demais intervenções no seminário sobre Corrupção e Gestão Danosa, clique aqui.

“No passado, as Escolas de Negócios estiveram demasiadamente preocupadas em ser as melhores do mundo, mas agora precisamos de aspirar a ser as melhores para o mundo”A citação é de Ana Machado, Professora de Factor Humano na Organização e Ética na AESE que, numa breve entrevista, fala da missão e propósitos da iniciativa Principles For Responsible Management Education (PRME) e dos motivos que levaram a Escola de Direcção e Negócios onde lecciona a subscrevê-los e a implementá-los.

A AESE é a primeira instituição educativa em Portugal que apresenta um relatório no qual expõe as actividades desenvolvidas no âmbito da assinatura dos Principles for Responsible Management Education (PRME). Qual a missão desta iniciativa e o que levou a AESE a subscrever os seus princípios?

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A iniciativa dos PRME tem por missão inspirar e promover a responsabilidade no ensino e na investigação nas áreas da liderança e gestão, o que se traduz em trabalhar por uma economia global inclusiva e sustentável. Tendo por primeiros destinatários os participantes nos Cursos e Programas oferecidos pelas Escolas de Negócios, esta iniciativa tem como meta envolver todos os potenciais intervenientes na criação sustentável de valor – social, ambiental e económico.

A AESE, que tem por missão a formação específica em direcção e gestão de empresas segundo uma perspectiva cristã do Homem e da Sociedade, identifica-se naturalmente com os Princípios propostos, inspirados no Global Compact, uma iniciativa das Nações Unidas cujo objetivo consiste em fazer respeitar os 10 Princípios Universais dos Direitos Humanos, do Trabalho, do Ambiente e Anti-Corrupção.

Em 2007, a AESE foi a primeira Escola de Negócios em Portugal a unir-se ao Global Compact e, em 2011, considerou que tinha chegado o momento de participar activamente na promoção dos PRME, tanto mais que a criação da Cátedra de Ética nos possibilita uma dedicação mais intensa a estas áreas, cruciais para o desenvolvimento equilibrado da economia e da sociedade no seu todo.

Que ações destacam relativamente ao compromisso que estabeleceram?
Destacaria o próprio compromisso: ou seja, a AESE pretende colaborar decididamente na difusão prática destes Princípios, interna e externamente, porque acreditamos que irão contribuir para o desenvolvimento de uma nova geração de líderes capazes de gerir os complexos desafios enfrentados pelas empresas e pela sociedade actual. E porque nos comprometemos, fomos também a primeira Escola de Negócios em Portugal a apresentar o relatório SIP (Sharing Information on Progress), que é pedido às entidades signatárias dos Princípios, e no qual se expõem as actividades desenvolvidas neste âmbito.

E que novas actividades têm previstas para o segundo semestre do ano?
Em Setembro encerraremos o Ciclo de Responsabilidade Social e Sustentabilidade, e em Novembro realizaremos um Seminário que contará com a presença de Jonas Heartle, Head do PRME Secretariat /UN Global Compact Office, e que esperamos que seja um catalisador para a adopção destes Princípios por parte de múltiplas instituições educativas, incluindo universidades corporativas e outras Escolas ligadas a grupos empresariais.

Além disso, no próximo ano lectivo e em conjunto com um grupo de Universidades e Escolas de Negócios dos vários continentes, iremos lançar um projecto-piloto de ensino preparado pelo PRME Working Group on Anti-Corruption in Curriculum Change.

A AESE oferece, desde há relativamente pouco tempo, uma cátedra em Ética. Dado que a ética nos negócios constituía já parte integrante da vossa oferta curricular, o que vos levou a inaugurar esta cátedra em particular e quais os seus objectivos e ofertas distintivas?
De certa forma, podemos dizer que esta Cátedra é um sonho que agora se tornou realidade, contando com o apoio decisivo da EDP. Com ela propomo-nos investigar e transmitir, de um modo mais consistente e sistemático, um conhecimento ético passível de ser efectivamente integrado nas decisões estratégicas e operacionais, na actividade de direcção e gestão e no desenvolvimento das organizações, em geral; um conhecimento que permita aos dirigentes conduzir a própria organização tendo em vista, por um lado, a optimização do seu desenvolvimento pessoal, do dos seus colaboradores e dos restantes stakeholders bem como, por outro lado, a optimização da resposta às suas justas preocupações económicas e ecológicas.

Consideram que a Ética e a Responsabilidade Social das Empresas deveriam fazer parte dos currículos obrigatórios das escolas de negócios e das universidades que leccionem gestão e economia?
Somos claramente favoráveis a essa orientação. Tal como se refere nas conclusões do 3º PRME Global Forum, realizado neste mês no Rio de Janeiro, no passado as Escolas de Negócios estiveram demasiadamente preocupadas em ser as melhores do mundo, mas agora precisamos de aspirar a ser as melhores para o mundo.

Editora Executiva