Dão tudo de si aos seus alunos, ajudam-nos a ultrapassar os obstáculos da aprendizagem e da própria vida, e transformam o seu futuro. E é por isso que merecem ser reconhecidos e premiados. O Global Teacher Prize, instituído pela Varkey Foundation, já anunciou os vencedores da edição de este ano. O prémio de um milhão de dólares foi entregue a Andria Zafirakou, do Reino Unido, e o VER partilha não só o projecto vencedor, como os de outros finalistas
POR HELENA OLIVEIRA

“O nosso objectivo é mudar a forma como o mundo olha para os professores”. É assim que a Varkey Foundation, a organização não lucrativa que desde 2015 atribui um prémio anual no valor de um milhão de dólares ao “melhor professor do mundo” apresenta a sua missão. Estabelecida para melhorar os padrões de ensino para crianças desprivilegiadas em todo o mundo, esta ONG promove, a nível mundial e em 173 países, um concurso para professores excepcionais que tenham contribuído, de forma singular, para a sua profissão. O prémio serve para sublinhar a importância dos educadores e o facto de os seus feitos merecerem ser reconhecidos e celebrados, não só no que respeita aos estudantes que ensinam, mas também ao valor acrescentado que oferecem às comunidades onde estes estão inseridos.

Porque atrás de um adulto excepcional, pode estar um professor igualmente excepcional, e numa edição em que colocamos os olhos no futuro dos jovens que ditarão o próprio futuro, o VER partilha a história da vencedora deste ano de 2018 – Andria Zafirakou – do Reino Unido e dá ainda a conhecer o perfil e os projectos de alguns dos 10 professores que se sentaram na cadeira de finalistas este ano e cujos resultados foram conhecidos a 18 de Março último. De recordar que Portugal implementou este ano uma edição do mesmo prémio, no valor de 30 mil euros e sobre a qual um dos membros do júri escreveu para o VER.

Mas vejamos os projectos premiados daquele que também é conhecido como o “Nobel da Educação”.

Andria Zafirakou – Reino Unido: “A arte transcende as barreiras da língua”

Situada em Brent, uma área no interior de Londres conhecida como um dos locais com maior diversidade cultural do Reino Unido e também como uma das suas zonas mais desprivilegiadas, a Alperton Community School alberga um conjunto de alunos que, entre si, falam cerca de 35 línguas diferentes. Provenientes de contextos de pobreza significativa, a maior parte dos estudantes da Alperton partilha a sua casa com várias famílias e a exposição aos gangues que fervilham no local é comum. E é por isso que Andria Zafirakou – a vencedora do prémio de um milhão de dólares na edição de este ano do Global Teacher Prize – não deixa o seu papel de professora no interior dos portões da escola onde ensina, antes o leva para além dos mesmos. Professora de artes e têxteis, e membro da equipa de liderança sénior destacada para ganhar a confiança dos alunos e dos seus pais de forma a compreender o contexto de desfavorecimento onde estes vivem, Andria redesenhou, do zero e com a ajuda de vários seus colegas professores, a oferta curricular de todas as disciplinas ensinadas em Alperton, com o objectivo de existir uma maior identificação entre as matérias ensinadas e as necessidades dos alunos. Expostos continuamente à violência dos gangues que todos os dias tentam “angariar” alunos para as suas fileiras, não é de estranhar que as crianças e jovens que chegam à escola possuam competências limitadas e sofram de um isolamento não só face aos funcionários do estabelecimento de ensino, como também entre si.

Através da arte, e nas suas aulas, Andria tem sido capaz de desenvolver várias competências dos seus alunos – o facto de ela própria ter aprendido pelo menos o básico das 35 línguas diferentes faladas na escola tem ajudado e muito – e, em particular, a conseguir que os seus outrora marginalizados estudantes tenham ganho a sua confiança, bem como a dos seus pais.  Andria introduziu também nas suas aulas a figura de um “artista residente” que, para além de ajudar os estudantes ao nível técnico, serve também para os escutar sobre os desafios que enfrentam nas suas vidas, e responsabilizá-los pelo que acontece no interior do contexto escolar, mas também familiar. Para além disso, depois das aulas, e munida de um walkie-talkie, Andria assegura que os alunos entram em segurança nos autocarros locais, afastando os “recrutadores” dos gangues locais. Na medida em que a violência destes grupos é um dos maiores problemas na área, Andria trabalha em estreita parceria com a polícia para identificar possíveis problemas e proteger os alunos dos recrutadores. Na escola, as suas capacidades inovadoras têm chegado a vários colegas, disciplinas e contextos. Por exemplo, ajudou uma professora de música a lançar um coro musical com alunos provenientes da Somália e criou um horário alternativo de desporto só para raparigas – para não ofender as comunidades mais conservadores – que já valeu à escola – e à equipa feminina – a conquista da McKenzie Cup, em cricket.

Graças à sua intervenção, e em colaboração com outros professores, é claro, a Alperton Community School faz parte dos 5% de escolas com maior recuperação de rendimento escolar do Reino Unido. E, em 2017, depois de ter aliado situações da vida real ao ensino da matemática, a escola foi a vencedora da competição nacional TES Maths, que junta estabelecimentos de ensino de toda a região num concurso para os melhores alunos da mais odiada das disciplinas, com cinco medalhas de ouro, 29 de prata e 37 de bronze trazidas para “casa”.

Nurten Akkuş – Turquia: “Papá, conta-me uma história”

Num município da Turquia marcado por pobres condições socioeconómicas e péssimas condições educativas, a professora de ensino pré-escolar Nurten Akkuş encontrou o seu primeiro “jardim-escola” ou, mais, precisamente uma “lama-escola”. Antes do início do ano escolar, Nurten, fiel à sua máxima de que “nada é impossível”, meteu mãos à obra e limpou, pintou, construiu um parque infantil e ainda arranjou espaços próprios para desporto, hobbies e actividades recreativas. E se no início os seus alunos mal conseguiam apresentar-se a um estranho, actualmente são já “profissionais” das letras e dos números. A sua taxa de aprendizagem e de aquisição de competências subiu de 20% para 90%, os seus problemas de comportamento diminuíram significativamente, a participação em eventos sociais aumentou em 95% e 100% das suas famílias afirmam-se muito satisfeitas com os seus progressos. E, apesar de este estabelecimento de ensino pré-escolar se encontrar numa zona amplamente pobre e degradada, conta já também com vários prémios nacionais.

Para aumentar o nível reduzido de participação da família na educação dos seus filhos, Nurten criou um projecto pioneiro intitulado “Papá, conta-me uma história”. O projecto teve resultados tão bons que foi já implementado em várias escolas turcas. Como resultado de terem os seus pais nas salas de aula, a motivação e envolvimento das crianças com o projecto educativo aumentou de forma excepcional, ao ponto de ter sido escolhido como “estudo de caso” em algumas universidades. Nurten Akkuş foi escolhida pela Sabanci Foundation como “fazedora da mudança na Turquia”, tem participado em projectos com a UNICEF e com várias outras organizações, vencendo o prémio “Professora do Ano na Turquia” através de votação pública em 2015 e 2016. Em 2017, foi também considerada como “uma das mulheres turcas com menos de 30 anos a deixar uma marca no futuro”.

Diego Mahfouz Faria Lima – Brasil: “Toda a gente na comunidade escolar é um educador e, por isso mesmo, aprende e ensina”

Quando Diogo chegou à Escola Municipal Darcy Ribeiro, no Brasil, a mesma era conhecida como a mais violenta da área e com as maiores taxas de abandono escolar. Os pais tinham medo de lá matricular os filhos, o turnover de professores e funcionários era elevadíssimo e a mesma era considerada como uma espécie de paraíso de drogas. Os professores não tinham qualquer motivação para ensinar e punir em vez de recompensar era a palavra de ordem. Diogo Faria Lima entrou para liderar a escola e conseguiu transformá-la através do envolvimento significativo de estudantes, pais, professores funcionários e toda a comunidade. Começando pela forma como estudantes e respectivas famílias viam a própria escola, Diego procurou ajuda a para a recuperar totalmente, apesar do seu orçamento reduzido. Começou por convencer negócios locais e outras escolas a doar materiais e persuadiu pais, funcionários e alunos a ajudarem na sua reconstrução, pintura e manutenção dos edifícios. A mudança foi tornada pública quando, no início de um novo ano escolar, todos os empregados da escola deram as boas-vindas aos estudantes com posters e café. Entre os vários projectos que implementou, um deles foi um cartão de estudante com um sistema electrónico para rastrear a assiduidade, o que diminuiu significativamente o absentismo. Por outro lado, a abertura da biblioteca escolar a toda a comunidade, que atraiu donativos de toda a cidade, aumentou também os níveis de literacia dos estudantes. O mesmo aconteceu com a reforma dos conteúdos curriculares e com a aposta na formação de professores.

A escola tem agora laços fortes com toda a comunidade. Os estudantes sentem que têm voz e que são ouvidos e a maioria dos pais começou a assistir às reuniões escolares, muito graças a outros projectos de mediação de conflitos e violência, bem como programas dedicados à redução do absentismo e do abandono escolar.

Koen Timmers – Bélgica: educação gratuita via Skype para refugiados

Depois de um telefonema emotivo com um trabalhador do campo de refugiados de Kakuma em 2015, Koen Timmers resolveu criar uma campanha de crowdfunding, a qual lhe permitiu enviar o seu computador portátil e mais 20, painéis solares e infra-estrutura de Internet para o campo da segunda zona mais pobre do Quénia. Os recursos de aprendizagem existentes agora em Kakuma são utilizados por 100 educadores globais, e pelo próprio Koen, para oferecer educação gratuita aos refugiados africanos via Skype. Mais de 20 mil estudantes globais, de cerca de 40 países, estão envolvidos no denominado Projecto Kakuma, ensinando os refugiados numa base diária.

Com o objectivo de “criar” cidadãos globais, Koen lançou outros três projectos para estudantes ao longo de 2017, do qual fazem parte 250 escolas em 66 países. Ao longo de um período de quatro semanas, o enfoque foi em alguns dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). No Projecto Água, estiveram envolvidas 10 escolas em 10 países; para o denominado Diferenças Humanas, 50 escolas em 37 países e para a Acção Climática, 250 escolas em 66 países. Os estudantes tiveram de fazer pesquisa, sessões de brainstorming, debates, apresentações e a partilha das suas descobertas em vídeos semanais.

Os projectos em causa não só ajudaram a alterar a mentalidade dos estudantes – conferindo-lhes novas perspectivas e ensinamentos – como ofereceram uma plataforma para troca de ideias e descoberta de novas abordagens. Dado o seu enorme impacto, os projectos chamaram a atenção de vários decisores políticos, bem como dos media. A título de exemplo, o projecto dedicado às alterações climáticas já recebeu o apoio do Dalai Lama, de Jane Goodall, da Greenpeace, da Unesco, da National Geographic e do canal Discovery.

Jesus Insilada – Filipinas: educar através da cultura

Jesus é um orgulhoso membro da comunidade indígena Panay Bukidnon, nas Filipinas.De origens muito pobres, é o primeiro de uma família de agricultores a obter qualificações profissionais, sendo agora professor e líder de uma escola onde 90% dos alunos pertencem a comunidades indígenas. Através do seu trabalho activista, Jesus tem vindo a promover a educação dos povos indígenas, encorajando a uma maior participação e aumentando significativamente o número de matrículas no ensino secundário, utilizando a sua própria história de esperança e perseverança para inspirar os seus pares a ultrapassar as dificuldades e a atingir o seu potencial.

A abordagem à educação que pratica é conhecida como “educação baseada na cultura”, configurada na sua escola através das matérias curriculares que ensina. O seu sonho é o de que a educação no seu país se torne verdadeiramente inclusiva e “sensível à cultura”. A partir desta abordagem, os estudantes envolvem-se significativamente através de danças tradicionais, músicas, lendas, jogos locais e artesanato, que conferem contexto aos seus estudos. De acordo com os resultados de testes nacionais, pelo menos 87% dos seus alunos atingiram as qualificações pretendidas de acordo com os ciclos de ensino onde estão inseridos.

Jesus Insilada já recebeu vários prémios nacionais e internacionais pelos seus métodos educativos e pela sua promoção e apoio à cultura indígena.

Sitsofe Enyonam Anku – Gana: O mestre da matemática

O Professor Sitsophe Anku é um especialista e professor de matemática reconhecido internacionalmente. O seu segredo reside em promover a mais odiada das disciplinas de forma a ultrapassar o medo que esta gera nos estudantes, ajudando-os a apreciar as suas aplicações na vida real. A sua crença é de que a matemática é fundamental para estudar e perceber todas as disciplinas – e que toda a gente é capaz de a compreender.

Anku estabeleceu, em sua própria casa, a Academia de Matemática Meagasa para ajudar alunos entre os 6 e os 18 anos a compreender a matemática. É igualmente fundador da organização não lucrativa “Sociedade de Matemática do Gana”, sendo que os seus métodos de ensino ajudaram já inúmeros estudantes a encontrar prazer no estudo da disciplina. Tanto assim é que muitos dos seus alunos, muitos dos quais odiavam a disciplina, seguiram cursos universitários como engenharia, ciências e outros onde a matemática é obrigatória.

As suas metodologias de ensino são actualmente utilizadas não só em muitas escolas do Gana, como em outras partes do mundo, sendo que Anku é igualmente promotor de vários campos e clubes dedicados ao ensino da matemática um pouco por todo o Gana. Os seus métodos ajudam os alunos a expressarem-se de forma confiante, a comunicar as suas ideias e a justificá-las matematicamente, ajudando-os igualmente a trabalhar em equipa e a respeitar as opiniões de todos. O seu livro “Matemática em todo o lado”, e uma tour nacional, financiada pela Ghana Broadcasting Corporation, levou a matemática “prática” a milhares de pessoas. O seu trabalho tem sido publicado internacionalmente e amplamente divulgado pelos media.

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