Existem 1,8 mil milhões de jovens no planeta, os quais representam a mais extensa geração da história da humanidade e que têm o direito de ver realizado o seu enorme potencial. Mas e pela primeira vez em várias décadas, a possibilidade de virem a ter uma vida melhor do que a dos seus pais, poderá ser-lhes negada. Num estudo inédito, e que representa 70% da população jovem mundial, foram avaliados os níveis de bem-estar daqueles que já são apelidados como a geração “nem-nem” Representando um quarto da população mundial, os jovens constituem uma fonte inexplorada de inovação, energia e entusiasmo em termos de esforços globais para se atingir e promover o desenvolvimento, a prosperidade e a segurança para todos. Esta é a principal conclusão do primeiro Índice Global de Bem-estar Jovem, publicado pela International Youth Foundation (IYF) e pelo Center of Strategic and International Studies (CSIS), com o apoio financeiro da Hilton Worldwide e respondendo a um desafio lançado, em 2012, pela Clinton Global Initiative. Lançado no início do mês, é o primeiro estudo que reúne um conjunto de informações e dados estatísticos de 30 países, abrangendo todas as categorias de rendimentos e representando cerca de 70% da população jovem a nível mundial. O Índice avalia o bem-estar em seis áreas por excelência: participação cívica, oportunidades económicas, educação, saúde, informação e tecnologias da comunicação e, por último, segurança. No seguimento dos dados mais recentes divulgados pelo INE, a 14 de Abril último, em finais de 2013 existiam, em Portugal, 400 mil “nem-nem”, ou seja, jovens entre os 15 e os 30 anos que não estão na escola e também não encontram lugar no mercado de trabalho. Este índice internacional partilha preocupações similares no que respeita à vida dos jovens em Portugal, na medida em que apesar de constituírem a maior geração da história da humanidade, são também aqueles que maiores desafios enfrentam no mundo globalizado da actualidade. Considerados já como a “geração perdida” ou como a geração NEET (o acrónimo em inglês para nem empregados, nem na escola, nem em formação), apelidada em português como “nem-nem”, os jovens entre os 10 e os 24 anos (a faixa etária escolhida para o universo deste estudo) representados neste estudo estão em risco de inverter o que nas últimas décadas tem sido norma: aspirarem a uma vida melhor do que a dos seus pais. De acordo com Bill Reese, presidente e CEO da International Youth Foundation, “cerca de metade da população mundial de jovens está desempregada ou em situação de subemprego, cerca de sete por cento é ainda iletrada e mais de 40% dos novos infectados pelo vírus HIV/SIDA pertence a esta faixa etária”. Adicionalmente, e como acrescenta Chris Nasseta, presidente e CEO da Hilton Worldwide, “estes jovens não têm, na sua esmagadora maioria, as competências – de vida ou de trabalho – necessárias para ocupar o lugar na sociedade que deveria ser seu por direito”. “Se os 75 milhões [de jovens desempregados] estivessem no mercado laboral e a contribuir, o seu impacto económico seria esmagador”, acrescenta Nasseta. Dos 30 países analisados (Portugal não faz parte do estudo), apenas 15% destes jovens vivem em locais com níveis elevados de bem-estar. Ou seja, a esmagadora maioria – 85% – vive em países que demonstram níveis médios baixos ou baixos de bem-estar. Nos 40 indicadores analisados e, em termos gerais, o domínio da saúde é o que apresenta, em média, os resultados mais elevados, sendo que os mais baixos estão relacionados com o domínio das oportunidades económicas. No ranking geral, os jovens australianos posicionam-se em primeiro lugar, seguidos dos suecos, dos sul-coreanos, dos britânicos e dos alemães, com os jovens norte-americanos a ocuparem a 6ª posição. Segue-se o Japão, a Espanha, a Arábia Saudita e a Tailândia. Os cinco países com piores classificações incluem a Índia, seguida de quatro países africanos: o Quénia, a Tanzânia, o Uganda e a Nigéria. Todavia, todos os países, mesmo os que melhor posicionados ficaram, têm muito trabalho a fazer no que respeita a melhorias em diversas áreas. Os autores do estudo alertam também para uma leitura cuidada e respectiva interpretação dos resultados alcançados: por exemplo, e no caso dos Estados Unidos, o qual na tabela geral se “porta” bem com o 6º lugar alcançado, o país desce vertiginosamente no ranking no que respeita ao nível de participação cívica, subindo, por exemplo no item que analisa a segurança. Por seu turno, países onde os jovens se sentem menos seguros, como a Colômbia, a Índia, a África do Sul ou Tanzânia, estão positivamente posicionados no que respeita à participação cívica dos jovens. Por outro lado, alertam também os responsáveis, é muito comum que os jovens de diferentes países não tenham as suas perspectivas em linha com as realidades sugeridas pelos dados estatísticos e outro tipo de informações considerados para o índice em causa. Os jovens norte-americanos, por exemplo, têm uma ideia significativamente negativa no que respeita às suas oportunidades económicas, sendo que esta é a dimensão em que o país se posiciona em primeiro lugar. Nas palavras de Bill Reese, o principal objectivo deste índice inaugural é servir como um “guia orientador que ajude os governos, as agências de ajuda estrangeira, as empresas e as organizações de filantropia a decidirem quais as áreas que carecem de maior necessidade para o investimento dos seus recursos e onde este terá mais hipóteses de gerar resultados mais positivos”. Para o presidente da IYF, a ideia é também a de que este estudo obrigue a um olhar mais abrangente no que respeita aos desafios enfrentados pelos jovens de hoje, e que seja gerado um verdadeiro debate sobre o desemprego jovem, o qual inspire mais actos do que palavras por parte dos decisores mundiais.
Mundo jovem, futuro hipotecado Como exemplifica o Índice, o mundo está já a beneficiar de um grupo crescente de jovens que sabem ultrapassar barreiras e a alcançar feitos significativos não só para as suas comunidades, como para o mundo inteiro. William Kamwamba, do Malawi, demonstrou que é possível “prender o vento” , gerando energia limpa e combatendo as alterações climáticas; do seu dormitório universitário, o norte-americano Mark Zuckerberg mudou a face das redes sociais e a forma como se comunica, e a adolescente paquistanesa, Malala Yousafzai, pisa agora os palcos globais lutando pelos direitos humanos e, em especial, pela educação para as raparigas. São apenas três exemplos, mas muitos mais existem de jovens que com criatividade, tenacidade e coragem demonstram que é possível mudar o mundo para melhor. Mas a verdade é que à esmagadora maioria dos jovens não é dada sequer uma oportunidade de o fazer. Nos países em que os níveis de bem-estar são mais baixos (os que albergam os 85% de jovens analisados para este Índice) e que constituem também o lar dos mais pobres do mundo, os desafios enfrentados pelos jovens são, obviamente, muito mais pronunciados e muito mais difíceis de ultrapassar. Nos países de baixos rendimentos, e entre os mais pobres dos países de rendimentos médios, são muitas vezes os jovens que suportam agregados inteiros e que cada vez mais são forçados a desbravar o seu próprio caminho para a sobrevivência. E, nestas circunstâncias, as jovens mulheres e as raparigas representam uma desvantagem significativa, o que só contribui para agravar os constrangimentos de crescimento e para abrandar a transição demográfica para uma estrutura populacional que seja propícia ao desenvolvimento. Contudo, e de acordo com os responsáveis do Índice, a fotografia não é completamente cinzenta, em especial se forem feitos investimentos inteligentes nesta camada populacional. Por exemplo, são vários os estudos que comprovam que, por cada ano adicional que uma rapariga consegue terminar no ensino secundário, os seus rendimentos poderão crescer entre 15 a 20% ao longo da vida. Outros estudos evidenciam também que um terço do crescimento “milagroso” da Ásia oriental é atribuído ao dividendo demográfico que resultou de uma estrutura populacional jovem e favorável, de investimentos em capital humano e de instituições económicas e sociais eficazes, sem esquecer uma boa governança. A Coreia do Sul (que se posicionou num honroso 3ª lugar no índice em causa), por exemplo, gozou de um crescimento na casa dos sete por cento anuais, ao longo de 30 anos, que se materializou nos seguintes progressos: entre 1960 e 1990, a fertilidade diminuiu, a força laboral aumentou e os investimentos realizados em educação, formação e infra-estruturas foram acompanhados por políticas económicas bem fundamentadas que catalisaram a produtividade da região em causa. Embora nem sempre de forma pacífica, foram várias as gerações de jovens que, historicamente, “forçaram” movimentos de reformas politicas e económicas. Com uma “voz cada vez maior” amplificada pelos media, pelo acesso à internet e com um maior envolvimento cívico, não seria surpreendente que esta geração se transformasse numa força de tolerância e de coesão social capaz de construir e replicar instituições cada vez mais democráticas – todas elas cruciais para que o crescimento e o desenvolvimento se enraízem verdadeiramente a nível global.
Pistas para os decisores globais Os resultados para a participação cívica no Índice em causa são os mais incongruentes de todos os domínios analisados, especialmente quando comparados com a performance dos países em outras dimensões. Em particular, os países africanos, e alguns asiáticos, obtiveram boas “classificações” no que respeita a actividades de voluntariado e à expressão dos jovens em termos políticos. Enquanto os países europeus classificados nas posições cimeiras do ranking, em conjunto com os Estados Unidos e com algumas nações do Médio Oriente e do norte de África (MENA – no acrónimo em inglês) se posicionam positivamente em termos de democracia, não têm, por outro lado, políticas especificamente orientadas para a juventude, o que resulta, por parte desta, num sentimento de escassa valorização por parte dos seus governos e sociedades. Oportunidades económicas Mesmo em países que alcançaram bons níveis gerais de bem-estar, é sabido que os jovens, na sua maioria, estão a enfrentar uma fraqueza inerente às suas oportunidades económicas. O que não é surpresa para ninguém visto que, a nível global, os jovens foram os que mais sofreram com a recessão global e continuam a enfrentar uma crise de emprego que, comparativamente aos seus pares adultos, os atinge três a quatro vezes mais. Relativamente aos demais domínios analisados, todos os 30 países do Índice obtiveram, neste item em particular, a mais baixa das classificações. Por outro lado, este é também o domínio onde existe um maior afastamento entre o primeiro classificado – os Estados Unidos – e o segundo, o Japão. Todavia e apesar da sua posição cimeira, com base num PIB robusto, no clima económico actual, numa boa inclusão financeira e de uma taxa de desemprego relativamente baixa, os jovens norte-americanos não perspectivam um bom futuro económico para si mesmos. As classificações dos demais países neste domínio são, contudo, consistentes com aquelas que atingem no ranking geral, com algumas notáveis excepções. A Espanha, por exemplo, tem uma má pontuação devido à sua significativa crise no emprego jovem, em conjunto com as taxas elevadas de jovens que não estão a estudar, nem a trabalhar, nem em formação (NEET). Inversamente, o Uganda, que obtém classificações pobres nos demais domínios, porta-se razoavelmente bem no que respeita às suas oportunidades económicas, fruto de elevados níveis de empreendedorismo jovem e de boas perspectivas face ao futuro. Educação Saúde Tecnologias de Informação e Comunicação As classificações dos 30 países no que a este domínio diz respeito são as mais dispersas de todo o índice, sendo significativamente influenciadas pela divisão dos mesmos em predominantemente rurais ou urbanos. A Coreia do Sul é líder nesta área e o Uganda ocupa o último lugar na lista, sendo que este domínio em particular tem uma correlação elevada com o estado geral de bem-estar dos jovens, apesar de algumas excepções. No que respeita à disponibilidade das TIC, o acesso e os custos a ela inerentes estão dependentes das infra-estruturas existentes e, por isso, substancialmente correlacionados com os níveis de desenvolvimento e rendimento dos países em causa. O Vietname, por exemplo, (um país de rendimento médio) fica muito atrás nesta área comparativamente à sua posição geral no índice. Os jovens russos, pelo contrário, que vivem num país considerado de elevado rendimento, obtêm aqui uma classificação bem mais elevada do que a alcançada no ranking geral. Segurança Apesar da média geral neste domínio ser a 2ª mais elevada do índice (depois dos cuidados de saúde), nove dos 30 países analisados “cabem” no nível mais baixo de performance, o que significa que a segurança consiste num desafio demasiado sério para muitos dos países em causa. Para além dos países que integram uma “performance de topo” neste indicador, todos eles de elevado rendimento, a verdade é que a segurança dos jovens não está devidamente assegurada nem correlacionada apenas com questões de rendimento. Existem divergências significativas que incluem, por exemplo, “más notas” para os países latinos, como o Brasil, o México ou a Colômbia, que registam, entre os seus jovens, taxas elevadas de crimes, violência e um fraco sentimento de segurança. A Arábia Saudita é outro dos países que fica mal na fotografia, principalmente comparativamente à sua posição em outros domínios, a qual se deve à escassa protecção que confere em termos de direitos humanos, tráfico e medidas de paz globais. Já em África, os resultados reflectem uma paz e segurança relativas na Tanzânia e no Gana, duas das mais pacíficas e estáveis sociedades, e respeitadoras dos direitos, da África subsaariana, e onde se registam níveis baixos de violência. |
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Editora Executiva