POR HELENA OLIVEIRA
O tema tem vindo a ser estudado e analisado por um conjunto de entidades diferentes numa tentativa de antecipação face ao que o mundo laboral nos reserva em 2030. Afinal, apenas 12 anos nos separam dessa data que parece ter sido escolhida, em vários domínios, como o ponto de viragem para um novo futuro.
Por isso não é de estranhar que as grandes consultoras e outras entidades estejam, todas elas, a dedicar muito do seu tempo a tentar antecipar as tendências mais prováveis que obrigarão os trabalhadores a aprofundar ou a aprender novas competências para manterem o seu lugar no tabuleiro laboral e as empresas a adaptarem-se às novas regras do jogo.
O McKinsey Global Institute (MGI) tem vindo a fazer uma pesquisa contínua sobre o impacto futuro da tecnologia na economia, nos negócios e na sociedade. No seu mais recente contributo para o tema, que assegura que a procura por competências tecnológicas, sociais e emocionais, a par de capacidades cognitivas mais “elevadas”, irá crescer substancialmente até 2030, analisa de que forma trabalhadores e organizações se irão adaptar a estas mudanças. O estudo integrou cerca de 3 mil líderes de negócios dos Estados Unidos e de cinco países europeus – França, Alemanha, Itália, Espanha e o Reino Unido e examina as implicações destas alterações. O VER partilha as suas principais conclusões, cruzando-as igualmente com um estudo publicado esta semana, pela Gallup, cujo enfoque no mesmo tema – o futuro do trabalho – se centra particularmente nas necessidades psicológicas dos trabalhadores face às novas exigências laborais. Os trabalhadores entrevistados para este estudo são do Reino Unido, Alemanha, França e Espanha.
Vejamos as principais conclusões.
Com a crescente interacção entre pessoas e máquinas cada vez mais inteligentes, estima-se que nos próximos 10 a 15 anos sejam vários os benefícios visíveis em termos de produtividade, crescimento do PIB, aumento da performance organizacional e uma nova prosperidade. Todavia e como já é sobejamente debatido, esta “mistura” entre homem e máquina obrigará, igualmente, a uma mudança significativa nas competências dos trabalhadores.
[quote_center]A necessidade de competências sociais e emocionais será uma exigência cada vez mais pronunciada por parte das organizações[/quote_center]
Assim e de acordo com os modelos preditivos realizados pelo MGI, as mudanças em termos de competências resultantes da automação e da Inteligência Artificial (IA) terão uma aceleração substancial até 2030. Recordando que a procura por competências tecnológicas tem estado a aumentar desde 2002, nos próximos anos será ainda, e sem surpresas, muito mais significativa. De uma forma similar, também a necessidade de competências sociais e emocionais sofrerá uma exigência cada vez mais pronunciada por parte das organizações, ao contrário do que irá acontecer com tarefas que exijam capacidades cognitivas básicas ou trabalho físico e/ou manual.
Por seu turno, todas as competências tecnológicas, tanto básicas como avançadas, serão activamente procuradas por todos os empregadores. As tecnologias avançadas exigem pessoas que compreendam como estas funcionam, como podem [com elas] inovar e que as saibam desenvolver e adaptar. A pesquisa do MGI sugere que até 2030 o tempo despendido na utilização de competências tecnológicas avançadas crescerá 50% nos Estados Unidos e 41% na Europa. Todavia, é muito possível que esta indispensabilidade chegue aos 90% no período em causa, apesar dos que as dominarem não serem mais do que uma minoria. Por outro lado, o desenvolvimento de competências digitais básicas sofrerá igualmente uma procura enorme na nova era da automação. Entre as 25 competências analisadas pelo MGI, as competências digitais básicas constituem a 2ª categoria de maior crescimento, com um aumento expectável de 69% nos Estados Unidos e de 65% na Europa.
E o que “sentem” os trabalhadores face a estas novas exigências? De acordo com a Gallup, e ao contrário do que muitos analistas e visionários prevêem, a probabilidade de uma nova “classe inútil” de trabalhadores cujas competências se tornarão completamente obsoletas devido à automação e á IA – uma ideia defendida no best-seller Homo Deus da autoria do historiador israelita Yuval Noah Harari – não passa pela cabeça pelos empregados entrevistados nos quatro países europeus já elencados. Na verdade, são poucos os que estão preocupados com a possível eliminação dos seus postos de trabalho: 17% dos franceses consideram ser “muito possível” ou “possível” que a sua função possa ser eliminada ao longo dos próximos cinco como resultado de uma nova tecnologia, o mesmo acontecendo com 13% dos britânicos, 8% dos espanhóis e 7% dos alemães. E, tal como indica o relatório do MGI, o que os trabalhadores mais esperam é que as mudanças tecnológicas aumentem a sua produtividade e a procura pelas suas qualificações nos próximos anos, apesar de os resultados diferirem de país para país.
O que é que as máquinas não conseguirão dominar?
O MGI garante igualmente que a necessidade de competências sociais e emocionais “aperfeiçoadas” serão indispensáveis na nova era digital e que acompanharão a das tecnologias avançadas no local de trabalho. Ou seja, serão os “sentimentos” humanos que as máquinas não conseguirão mimetizar que serão os mais procurados. Em conjunto e entre 2016 e 2030, a procura por competências emocionais e sociais crescerá em todas as indústrias, nomeadamente 26% nos Estados Unidos e 22% na Europa. Mas enquanto algumas destas competências são inatas, como a empatia, por exemplo, outras, como a comunicação avançada, poderão ser ensinadas e/ou aprimoradas. Por outro lado, a procura pelo espírito de empreendedorismo e para a tomada de iniciativa figuram como a categoria que mais rápido crescimento irá gerar, com um aumento de 33% nos Estados Unidos e de 32% na Europa. A necessidade de melhor liderança e de se “saber” gerir os outros tornar-se-ão ainda mais importantes do que já o são na actualidade.
[quote_center]O que os trabalhadores mais esperam é que as mudanças tecnológicas aumentem a sua produtividade[/quote_center]
Já a Gallup sublinha que enquanto a maioria dos trabalhadores nos quatro países estudados não teme as consequências dos avanços tecnológicos nas suas vidas profissionais, muitos antecipam mudanças significativas na forma como irão realizar o seu trabalho. E, para manter o seu valor junto dos empregadores, terão de despender mais tempo naquilo que as máquinas terão mais dificuldade em atingir, ou seja, a já mencionada tomada de iniciativa, a resolução criativa de problemas, a colaboração eficaz e a rotação pelos vários departamentos da organização para maximizar os seus contributos. Por seu turno, as organizações terão de ajustar os seus sistemas de gestão de forma a permitir uma maior autonomia e flexibilidade aos seus colaboradores, ao mesmo tempo que terão de manter o seu nível de respirabilidade e produtividade elevados.
Uma das conclusões que parece comum aos que estudam e antecipam o trabalho no futuro é o facto – irónico, para a Gallup – de e numa era de automação, serem as empresas que mais retirarem benefícios dos seus recursos humanos aquelas que maior vantagem competitiva ganharão. Ou seja, quanto mais humanas, melhor. E como frisa a Gallup, tal fenómeno explica o boom na denominada “People Analytics” (PA), a mais recente tendência na gestão de pessoas, e que pode ser traduzida pelos esforços que as empresas estão a empreender para configurar as forças de trabalho que melhor irão ao encontro das necessidades futuras.
Voltando ao estudo da MGI, e quanto às competências cognitivas “elevadas”, a procura será igualmente forte. Criatividade, pensamento crítico, tomada de decisão e processamento de informação complexa acusarão um crescimento contínuo até 2030, na ordem dos 19% nos Estados Unidos e de 14% na Europa. Como seria também de esperar, as actividades laborais que exigem apenas aptidões cognitivas básicas, como a literacia e a aritmética, irão declinar à medida que a automação avançar, o que não é de todo uma surpresa. O mesmo acontecerá com as competências básicas de introdução e processamento de dados, as quais serão particularmente afectadas pela automação, com um declínio esperado de 19% nos Estados Unidos e de 23% na Europa até 2030, o qual será visível em todos os sectores.
As capacidades manuais e físicas sofrerão também uma quebra, apesar de se manterem como a categoria mais alargada de competências da força de trabalho, quando avaliadas em termos de tempo nelas despendido. Sendo certo que o seu declínio já ocorre há 10 ou 15 anos – e que irá continuar com a automação e com estimativas para sofrer uma quebra na procura de 11% nos Estados Unidos e de 16% na Europa – a mistura de competências físicas e manuais exigidas nas diferentes ocupações irá mudar dependendo de quão uma determinada actividade poderá ser automatizada. Por exemplo, operar veículos ou armazenar e embalar produtos constituem actividades que são mais facilmente automatizáveis do que a assistência a pacientes num hospital. Estima-se que o seu declínio no tempo de trabalho despendido pelos empregados seja de 31% em 2016 para 25% em 2030, tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental.
O estudo do MGI demonstra também que são as funções que actualmente estão mais automatizadas que sofrem e sofrerão de uma maior desadequação de competências, de que são exemplo a análise de dados, as TI, o web design e, também a pesquisa e desenvolvimento.
Adaptação organizacional e “grandes gestores” mais necessários do que nunca
De acordo com o MGI, e para potenciar ao máximo as novas tecnologias, as empresas irão precisar de “reequipar” as suas estruturas corporativas, bem como as suas abordagens relativamente ao trabalho. Esta mudança irá exigir um redesenhar dos processos de negócio e um novo enfoque no talento que têm – e no talento de que irão precisar.
[quote_center]Criatividade, pensamento crítico, tomada de decisão e processamento de informação complexa acusarão uma procura contínua até 2030[/quote_center]
Cerca de 77% dos respondentes ao inquérito do MGI não esperam nenhuma mudança significativa na dimensão das suas forças laborais, nem na Europa nem nos Estado Unidos, devido à automação ou às tecnologias de IA. Pelo contrário, mais de 17% dos inquiridos goza da expectativa de as aumentar em ambos os lados do Atlântico. Contudo, e como já enunciado, a composição das funções e das competências sofrerá mudanças, e algumas tarefas sofrerão um declínio enquanto outras acusarão uma expansão.
O MGI antecipa alterações substanciais em cinco áreas por excelência: na mentalidade organizacional, na configuração da própria empresa, na alocação das actividades laborais, na composição da força de trabalho e na adaptação dos executivos e demais recursos humanos à nova era digital.
Já a Gallup chama a atenção para um conjunto diferente de mudanças. Em primeiro lugar, para a ascensão dos trabalhadores independentes da denominada “gig economy” como reflexo de mudanças mais amplas na natureza do trabalho [sem tradução literal para o português – a não ser uma espécie de economia dos “biscates”, a qual, na nossa língua, assume um carácter pejorativo, apesar de errado – a “economia gig” pode ser definida como o contrário do “trabalho para a vida” ou do trabalho “certinho”, que nos assegura um ordenado ao fim do mês e que é uma das grandes tendências laborais do futuro]. E mesmo os trabalhadores que estão formalmente empregados têm maiores probabilidades de ganharem uma maior autonomia face ao passado, muitos deles gozando de um portefólio diversificado de projectos e responsabilidades, contrariando a adesão a uma função devidamente estandardizada.
[quote_center]A principal chave para o sucesso futuro das empresas residirá na oferta contínua de opções de aprendizagem e no abraçar de uma cultura de aprendizagem para a vida[/quote_center]
Desta forma, as estruturas organizacionais terão de se adaptar para reflectir estas mudanças, com as tradicionais hierarquias a darem lugar aos modelos baseados em equipas, mais verticais, e que permitem uma maior flexibilidade na adequação dos talentos dos empregados às necessidades dos negócios.
Com estas tendências a pender para uma maior autonomia e para uma forma de trabalho mais “horizontal”, as competências “para gerir pessoas” tornar-se-ão mais importantes do que nunca. Os gestores serão responsáveis por equipas que se desdobram em projectos, departamentos e países. E terão de ter a capacidade para influenciar uma boa performance ajudando a assegurar que os empregados estão a desempenhar funções que se coadunam com os seus talentos, ao mesmo tempo que têm de alinhar os objectivos organizacionais com as fontes de motivação pessoal dos trabalhadores, como por exemplo o reconhecimento entre pares. Ou, e em suma, na sua tarefa de posicionar os seus empregados para o sucesso, o papel do gestor passará a ser mais de “coach” do que de “boss”.
Para o McKinsey Global Institute, a principal chave para o sucesso futuro das empresas residirá na oferta contínua de opções de aprendizagem e no instilar de uma cultura de aprendizagem para a vida em toda a organização. Na pesquisa efectuada, esta mudança cultural foi eleita pelas empresas como a mais necessária para desenvolver a força de trabalho do futuro.
Em consonância com a Gallup, também o MGI alerta para uma alteração nas estruturas organizacionais. Mais de um em cada cinco respondentes afirma que a introdução de formas de trabalho mais ágeis será uma mudança organizacional de elevada prioridade, com uma proporção similar a descrever a colaboração interfuncional como uma chave por excelência para abrir caminho para o futuro. Ao contrário das hierarquias tradicionais, as quais são particularmente desenhadas para a estabilidade, as organizações ágeis acrescentam à estabilidade um grande dinamismo, sendo constituídas por uma rede de equipas, as quais aprendem de forma rápida e estão habituadas a ciclos de decisões céleres.
A alteração da alocação de actividades é outra das tendências assinalada no estudo do MGI. Ou seja, esta alteração irá permitir que as empresas façam uma utilização mais eficaz dos diferentes níveis de qualificações existentes no seu ecossistema laboral. No estudo, 40% das empresas inquiridas descreveram-se a si mesmas, e com a ajuda da automação e da IA, como adoptantes entusiastas da possibilidade de funções que são actualmente executadas por trabalhadores de competências elevadas poderem ser “transferidas” para os empregados com capacidades mais baixas. Esta tendência não só irá libertar os que gozam de mais talento aumentando a eficácia da organização, como poderá criar um conjunto novo de “trabalhadores com competências médias”.
Também em concordância com o estudo da Gallup, muito mais trabalho será executado por freelancers e outros trabalhadores independentes, uma mudança que irá estimular a “gig economy” e a economia da partilha. No inquérito realizado pelo MGI, uma maior e mais diversificada utilização de vários tipos de freelancers e de trabalhadores temporários é eleita como uma das principais mudanças organizacionais, com 61% dos respondentes a afirmarem que esperam contratar mais trabalhadores temporários.
Por último, o inquérito realizado também demonstra que 19% dos respondentes afirmaram que os executivos de topo com quem trabalham carecem de compreensão e conhecimento suficientes das novas tecnologias para poderem levar a bom porto a liderança de uma empresa que irá adoptar progressivamente a automação e a inteligência artificial. Adicionalmente, também os Recursos Humanos precisarão de mudar à medida que a tecnologia for alterando significativamente a forma como as organizações funcionam, em conjunto com a dimensão e a natureza da força laboral. Uma quase maioria dos líderes de negócios (88%) afirmou acreditar que as funções dos Recursos Humanos terão de se adaptar a esta nova era pelo menos de forma moderada.
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