POR MÁRIA POMBO
As emoções são algo muito pessoal. Porém, há muito que deixaram de ser abordadas apenas em esfera privada, passando, de forma crescente, a ser úteis aos líderes governamentais. Através destas, e em conjunto com o PIB e outras ferramentas mais quantificáveis e objectivas (sobre as quais o VER escreveu recentemente), é possível medir a qualidade de vida dos cidadãos, nomeadamente por via da percepção que estes têm acerca da felicidade, segurança, educação, saúde, etc.
Muitas métricas permitem “apenas” estimar a qualidade de vida dos cidadãos, mas para que se conheça verdadeiramente uma comunidade ou sociedade é essencial questionar os habitantes acerca dos seus sentimentos e pedir-lhes que sejam os próprios a identificar os aspectos positivos e negativos da sua vida. É esse o principal trabalho que a Gallup tem vindo a desenvolver. Na mais recente edição do Estudo Global sobre as Emoções, a agência norte-americana revela em que países os cidadãos têm mais experiências positivas, apresentando também aqueles em que os cidadãos vivem episódios mais negativos.
Neste sentido, mais de 154 mil adultos de mais de 145 nações foram convidados, ao longo do ano passado, a responder a dez questões (colocadas relativamente ao dia anterior a terem respondido ao inquérito): do lado das experiências positivas, os respondentes foram questionados sobre se descansaram, se foram tratados com respeito, se sorriram, se se sentiram alegres, se aprenderam ou se fizeram algo interessante; por seu turno, em termos de experiências negativas, as perguntas foram sobre se sentiram dor física, preocupação, tristeza, stress ou raiva.
Este estudo pode ser interpretado como um todo, mas também pode ser lido como se de duas análises distintas se tratasse, já que os países com as percentagens mais baixas de emoções positivas não são necessariamente aqueles que apresentam os valores mais elevados de sentimentos negativos, sendo que o contrário também se verifica.
De acordo com a análise, 73% dos cidadãos sentiram bastante felicidade, sorriram, descansaram e foram tratados com respeito no dia anterior ao inquérito, sendo que apenas 46% afirmaram que aprenderam ou fizeram algo interessante. No geral, em 2017, 69% dos inquiridos tiveram boas experiências e, embora não existam grandes oscilações, esta é a percentagem mais baixa desde 2013.
Com a percentagem mais elevada de “sim(s)” às dez questões colocadas, a República Centro Africana (62%), o Peru e a Serra Leoa (ambos com 59%) são os países cuja população revela ser “mais emocional”, já que cerca de seis em cada dez dos seus habitantes revelam ter tido experiências positivas ou negativas no dia anterior ao inquérito. No pólo oposto, e assumindo-se como aqueles que menos expressam os seus sentimentos ou que têm menos experiências positivas ou negativas, estão os habitantes do Iémen, da Bielorrússia e do Azerbaijão, onde menos de quatro em cada dez cidadãos responderam que “sim” às questões colocadas.
Uma viagem entre o Paraguai e a República Centro Africana
À semelhança do que tem vindo a acontecer em edições anteriores, a América Latina é a região onde os cidadãos mais revelam ter experiências positivas, sendo que o Top 12 desta lista contém apenas quatro países (Canadá, Islândia, Indonésia e Uzbequistão) que pertencem a outras regiões. O Paraguai (85%), a Colômbia, El Salvador e Guatemala (todos eles com 82%) são os líderes das experiências positivas. Este resultado reflecte, todavia, um “optimismo cultural” e não propriamente níveis elevados de qualidade de vida.
No pólo oposto, o Afeganistão (48%), o Iémen (49%), a Tunísia (50%) e a Turquia (53%) são os países que revelam ter as menores percentagens de experiências positivas. Entre eles existe em comum o facto de estarem actualmente em conflito ou terem sido alvo de ataques nos últimos anos, sendo a segurança (ou a falta dela) um dos maiores problemas que os seus cidadãos enfrentam.
No que respeita a emoções negativas e a nível global, o estudo dá conta que 38% dos cidadãos sentem (ou sentiram recentemente) preocupação, que 37% sentem stress e que 31% são alvo de dor física. Menos frequentes são emoções como a tristeza (23%) e a irritação (20%). A preocupação e o stress aumentaram dois pontos percentuais, e a tristeza e a dor física um ponto percentual cada uma face à edição anterior, sendo que a raiva permanece inalterada.
Neste capítulo, Taiwan e Quirguistão (ambos com 16%), o Cazaquistão (17%) e a Estónia (18%) são as nações onde os respondentes sentiram menos emoções negativas. Tal como se verifica na América Latina, estes resultados não significam obrigatoriamente que os cidadãos tenham uma boa qualidade de vida ou que revelem poucas experiências negativas, sendo antes o0020reflexo da sua herança cultural e do modo como são “educados” a exprimir os seus sentimentos.
No pólo oposto, a República Centro Africana (61%), o Iraque (59%), o Sudão do Sul (55%) e o Chade (54%) são os países que apresentam as percentagens mais elevadas e, por esse motivo, aqueles que “oferecem” aos seus cidadãos as piores experiências. As constantes guerras entre grupos armados e a agitação política e social são os principais problemas em muitos destes países e justificam os valores elevados no que respeita a emoções negativas sentidas (e vividas) pelos seus habitantes.
Adicionalmente, metade dos inquiridos iraquianos assumem ter sentido raiva no dia anterior ao inquérito, sendo que a Grécia tem a população mais stressada (com 66%) da análise.
África Subsaariana e os seus infindáveis conflitos
A República Centro Africana merece destaque, nesta análise, pelos piores motivos. Para além de, em muitas das suas províncias, não ter sido autorizada a realização de inquéritos à população (o que, só por si, denota uma grande privação da liberdade de expressão da população), este é um país que bate diversos recordes do que respeita a emoções e experiências negativas. Os autores do documento revelam que a percentagem ali apurada (61%) não é apenas a mais elevada desta edição, sendo também a mais alta alguma vez registada desde 2006 (ano em que o estudo começou a ser feito).
De acordo com a análise, 76% dos seus cidadãos sentiram dor física e 74% sentiram preocupação no dia anterior ao inquérito, sendo estes valores recordistas em termos de experiências negativas sentidas pelos países, na última década. Complementarmente, 60% sentiram tristeza, e quase metade dos seus habitantes sentiu stress (48%) ou raiva (45%). E tudo isto se explica com o facto de ser um país marcado por elevadas taxas de violência desde 2013 e que assistiu, em 2017, ao surgimento de novos grupos armados. Como explica o estudo, o conflito já destruiu inúmeros centros de saúde, deixando muitos cidadãos sem acesso aos tratamentos e aos medicamentos necessários à sua sobrevivência e expondo-os ainda mais a doenças mortais como a malária.
À excepção do Iraque e do Egipto, o Top 12 das piores experiências é composto por nações que fazem parte da África Subsaariana. Em 28 nações pertencentes a esta região, a percentagem de más experiências aumentou mais de 10 pontos percentuais, desde 2010, e em apenas um país (a ilha Maurícia) se verifica uma tendência decrescente.
De acordo com o documento, e devido ao facto de esta ser uma região muito heterogénea, não existe apenas uma razão que consiga explicar o aumento de experiências negativas, mas a verdade é que, em muitos dos países onde esta tendência se verifica, os conflitos dos últimos anos e a instabilidade política e social têm dificultado o acesso a cuidados básicos de saúde, pondo em risco a sobrevivência de muitos cidadãos e aumentando o medo e a insegurança das populações.
Em muitas nações desta região (de que são exemplo, não só a República Centro Africana, como também o Sudão do Sul, o Chade, a Serra Leoa, a Nigéria e a Libéria), a maioria dos respondentes afirmou sentir dor física durante muito tempo (e não apenas no dia anterior), sendo semelhante a percentagem que afirma sentir medo durante um longo período de tempo. E os países onde esta situação se verifica são os mesmos onde existem fortes denúncias em termos de problemas de saúde e dificuldade de acesso aos tratamentos e cuidados necessários, e onde a população enfrenta problemas tão graves como a malária e a desnutrição. Por fim, o estudo revela que a pobreza crónica, o clima seco e a dependência da agricultura fazem desta uma região particularmente vulnerável às alterações climáticas, já que estas obrigam a muitos cortes de água, pondo em risco a vida de milhões de pessoas que fazem da agricultura o seu modo de subsistência.
Este é um estudo bastante subjectivo e que pede aos respondentes para dizerem como se sentem e se tiveram experiências positivas ou negativas no dia anterior. No entanto, e a par de questões macroeconómicas, permite ter uma ideia clara de quais são os países em que se vive de um modo mais feliz e quais são aqueles em que, por diversos factores, a população é mais infeliz e tem mais experiências negativas. E estes dados podem ser bastante úteis porque permitem aos líderes governamentais criar medidas e estratégias que tornem os seus habitantes mais felizes. Se tiverem vontade para isso, é claro.
Jornalista