POR MÁRIA POMBO
O aumento do populismo, o surgimento de movimentos de extrema-direita e a vontade de fechar fronteiras, expressa pelos dirigentes de vários países, têm feito crescer, junto das populações, o sentimento de proteccionismo e nacionalismo. E a verdade é que assistimos também à ideia de que cada vez menos pessoas apoiam a globalização e reconhecem que a abertura das fronteiras e a colaboração entre países são essenciais à inovação e ao progresso.
Porém, um novo estudo, apresentado recentemente em Davos, dá conta de que a realidade não é esta, com uma esmagadora maioria dos inquiridos a acreditar que a livre circulação e a cooperação entre países é “muito importante”. Os resultados da análise podem ser vistos como um apoio, por parte da população, à multiculturalidade e à colaboração entre nações, e revelam que a imigração é vista como algo positivo e benéfico para a maioria dos inquiridos.
O estudo, denominado Globalization 4.0 – The Human Experience, foi realizado pela SAP e pela Qualtrics e contou com a participação de mais de 10 mil pessoas de 29 países que responderam online a diversas perguntas relacionadas essencialmente com trabalho, globalização, tecnologia e economia. Uma das particularidades deste estudo foi o facto de ter estado aberto a toda a população maior de 18 anos e não ter sido dirigido a um grupo ou segmento populacional em particular, como é comum acontecer, sendo por isso um bom reflexo do que o cidadão comum pensa e sente relativamente ao mundo.
O inquérito teve como base seis grandes questões:
- Como podemos salvar o planeta sem arruinar o crescimento económico?
- Como podemos ter certeza de que a tecnologia torna a vida melhor e não pior?
- Uma pessoa pode ser um patriota e um cidadão global em simultâneo?
- Como é que deve ser o trabalho no futuro?
- Como podemos criar uma economia mais justa?
- O que é que podemos fazer para que os países trabalhem melhor em conjunto?
Partindo destas grandes temáticas, os autores do estudo integraram subtópicos relacionados, o que permitiu aos inquiridos darem respostas mais directas face aos que lhes era perguntado, nomeadamente sobre o que pensam sobre os seus governantes, o que sentem relativamente aos movimentos migratórios, quem pensam que tem a responsabilidade de salvar o planeta, como olham para os “grandes” da tecnologia e como imaginam que será o seu trabalho daqui a cinco anos.
Se os números globais transmitem a ideia de que os participantes na análise são a favor da globalização, a análise ao nível regional revela que uns são mais a favor que outros. De acordo com o estudo, 76% dos participantes, a nível mundial, afirmam acreditar que é “extremamente importante” ou “muito importante” que os países trabalhem juntos em prol de um objectivo comum. Todavia esse sentimento é mais forte no sul da Ásia e na África Subsaariana (88%) do que na Europa Ocidental (61%) e na América do Norte (70%).
Questionados sobre se o seu país tem a responsabilidade de ajudar outros países, quase três quartos responderam que sim e em todas as regiões as percentagens encontram-se acima dos 60%. Com 94% de “sins”, os sul-asiáticos lideram esta tabela, sendo que, com apenas 61%, os norte-americanos são os que menos concordam com esta afirmação. Fazendo a análise por países, verificamos que os inquiridos da Índia (95%), da Indonésia (94%) do Paquistão (94%), do Bangladeche (87%) e da China (80%) são os que mais sentem que o seu país tem a obrigação de ajudar outros, com os respondentes da Alemanha (54%), dos Estados Unidos (57%) e da Argentina (58%) a assumirem-se como aqueles que menos sentem esse apelo.
Todavia quando a questão é a cooperação internacional ou quão importante é que os países trabalhem conjuntamente face a um objectivo comum, o retrato muda um pouco de figura, com a França, a Alemanha, o Reino Unido e o Japão a não assumirem como muito importante esta cooperação e os franceses a serem os únicos a ficar abaixo dos 50% na resposta.
Complementarmente, em termos de benefícios pessoais provenientes de líderes de diferentes países a trabalharem em conjunto, são os mesmos países a revelar que não esperam qualquer benefício para si próprios.
A questão “Uma pessoa pode ser um patriota e um cidadão global em simultâneo?” conduz, inevitavelmente, ao debate sobre a imigração, que – à excepção do que é apurado na Europa – é vista, no geral, como benéfica pelos respondentes.
Assim, para uma maioria ligeira (57%), os imigrantes são “maioritariamente bons”, opinião esta que é partilhada apenas por 40% dos habitantes da Europa Oriental e da Ásia Central e por 46% dos cidadãos que vivem na Europa Ocidental, sendo estas as únicas regiões que estão abaixo dos 50% neste indicador. Uma vez mais, o sul da Ásia é a região com a maior percentagem de respostas positivas, com 73% dos seus habitantes a considerarem a imigração como algo benéfico.
Analisando os países, a Arábia Saudita (79%), a Índia e o Egipto (ambos com 78%) são aqueles que têm uma visão mais positiva sobre este aspecto, sendo a Itália (30%), a Rússia (32%), a Polónia (33%), a França e a Turquia (ambas com 39%) os países que menos olham para esta questão com bons olhos.
Cidadãos querem mais educação e progresso social
Questionados sobre se os países deveriam ter uma relação de competição ou de colaboração, os inquiridos não tiveram dúvidas e a larga maioria escolheu a colaboração, sendo partilhada por 80% a ideia de que todas as nações podem melhorar em simultâneo.
Um dado curioso está relacionado com o facto de a maioria dos inquiridos acreditar no “poder” da cooperação internacional mas não ser tão optimista em relação ao progresso social do seu próprio país. Os autores do estudo explicam que este resultado se deve a questões como a falta de mobilidade social, sentida essencialmente na Europa Ocidental, onde apenas 20% dos respondentes sentem que é “comum” ou “muito comum” alguém nascer pobre e tornar-se rico por via do trabalho. E até nos Estados Unidos – considerado outrora como o país das grandes oportunidades e onde o ideal de american dream se encontrava bastante enraizado – esta ideia é partilhada por apenas 33% dos participantes na análise.
À semelhança do que se verifica em outros aspectos do inquérito, o sul da Ásia é a região mais optimista no que respeita à mobilidade social, já que 64% dos inquiridos revelam ser “comum” ou “muito comum” um cidadão nascer numa família modesta e, através do seu trabalho, transformar-se numa pessoa com dinheiro.
No que respeita à construção de uma economia mais justa, foram formuladas várias questões em torno do acesso a educação e da criação, por parte dos governos, de boas oportunidades para os cidadãos, sendo visível que uma grande percentagem dos inquiridos se sente insatisfeita com estes aspectos.
A educação é, na perspectiva da maioria dos inquiridos, um aspecto que, na era da globalização, foi deixado para segundo plano pelos governos. De acordo com as respostas, apenas 16% do universo total de inquiridos consideram que “quase todas as pessoas” têm acesso a uma educação de qualidade, sendo que 33% admitem que “muitos cidadãos” usufruem deste direito.
Com apenas 22% de inquiridos a considerarem que “muitos” ou “quase todos” os seus habitantes têm acesso a uma boa educação, a região da América Latina e Caraíbas é a que revela um maior cepticismo relativamente a este aspecto, seguindo-se da África Subsaariana (35%), e da Europa de Leste e Ásia Central (45%). No pólo oposto, a Ásia Oriental e Pacífico é a que reúne a maior percentagem (59%) de inquiridos para quem a larga maioria dos cidadãos tem acesso a uma educação de qualidade, seguindo-se do Sul de Ásia (58%). Na Europa Ocidental, onde se poderia inferir que a percentagem fosse muito maior, apenas 40% consideram que a maioria da população usufrui deste direito.
Uma outra ideia bastante presente no estudo é a de que os governos devem criar mais oportunidades para todos, sendo estes considerados a chave para que os benefícios da globalização possam chegar a todos os cidadãos. À pergunta “no que respeita a leis e regulamentos para garantir que as oportunidades estão disponíveis para todos os segmentos populacionais, diria que o governo do seu país está a fazer muito, muito pouco ou apenas o suficiente?”, apenas 19% responderam “muito”, sendo que 26% responderam “suficiente” e 55% responderam “muito pouco”. No geral e em 29 países inquiridos, 22 consideram que os seus governos têm uma má performance nesta área.
A África Subsaariana é – por motivos sobejamente conhecidos – a região mais descontente do planeta, com 77% a acusarem os seus governantes de pouco se preocuparem com a população, seguindo-se a Europa de Leste e Ásia Central (67%) e a América Latina e Caraíbas (64%). No pólo oposto, e com 43%, os sul-asiáticos são os que mais garantem que os seus líderes se preocupam e tomam boas medidas em prol dos cidadãos, sendo seguidos pelos países do Médio Oriente e Norte de África (33%). A prova de que os europeus se sentem cada vez mais descontentes com os seus governantes é o facto de 62% dos seus inquiridos afirmarem que a política dos seus governos não confere as mesmas oportunidades a todos os segmentos da sociedade.
Analisando os países, é possível verificar que a Roménia (com 82%) e a Nigéria (com 80%) são os países que mais acusam os seus governantes de fazerem “muito pouco” para garantir oportunidades à população, sendo que, com apenas 16%, a Arábia Saudita é a nação menos insatisfeita.
Muitos ainda duvidam dos benefícios da tecnologia
No que respeita à tecnologia, mais respondentes (48%) a nível global acreditam que esta é mais benéfica e apenas 14% consideram que é prejudicial, existindo uma percentagem considerável (39%) que afirma que a mesma tem quantidades iguais de benefícios e malefícios.
Relativamente à ideia de que as empresas tecnológicas são altruístas e estão mais interessadas em transformar o mundo num lugar melhor do que meramente em obter lucro, a média global é de 51% e as respostas diferiram consideravelmente entre regiões. Com 66%, os cidadãos da África Subsaariana são aqueles que mais concordam com as boas intenções dos “donos” da tecnologia, seguindo-se dos habitantes do Sul da Ásia (64%) e da Ásia de Leste e Pacífico (63%). No pólo oposto, encontra-se a Europa Ocidental (com 39%), a América do Norte e a região da Europa Oriental e Ásia Central (ambos com 40%).
Ainda sobre os avanços tecnológicos, os autores do documento revelam que a maioria dos inquiridos não espera que o seu trabalho seja, no futuro, realizado por robots. A maioria (61%) considera que é “grande” ou “enorme” a probabilidade de desempenhar a mesma função daqui a cinco anos, sendo que apenas 23% consideram que a maioria ou a quase totalidade do seu trabalho poderia ser desempenhada por uma máquina. Em termos regionais, os sul-asiáticos são aqueles que mais acreditam nesta probabilidade – 30% revelam que quase todo o seu trabalho poderia ser feito por um robot – e os habitantes da Ásia Oriental e Pacífico são os que se assumem mais reticentes relativamente a este aspecto (com apenas 4%).
Com o enfoque na temática ambiental e entrando na discussão em torno das alterações climáticas, outro aspecto que foi questionado foi como é que se consegue melhorar a economia sem destruir o planeta.
A este respeito, uma maioria ligeira (56%) acredita “muito” no que os cientistas dizem sobre o ambiente e apenas 11% revelam não acreditar de todo ou acreditar muito pouco. De acordo com a análise, 75% dos sul-asiáticos confiam bastante no que os especialistas afirmam, e 17% dos norte-americanos confiam pouco ou nada – como aliás já era previsível, tendo em conta os esforços que Trump tem feito neste sentido. Adicionalmente, e sem que se notem diferenças consideráveis entre regiões, mais de três quartos dos inquiridos concordam com a aplicação de sanções às empresas mais poluentes.
Esta análise consiste num bom reflexos daquilo que o cidadão comum pensa e sente relativamente ao modo como os governos actuam e como o progresso tem sido, ou não, alcançado. Relembrando que “o acto de ouvir é fundamental na liderança”, Bill McDermott, CEO da SAP, explica que “se tivermos a coragem de perguntar, as pessoas sabem sempre que problemas precisam de ser resolvidos”. Complementarmente, o fundador e presidente executivo do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab, sublinha que “este estudo permite concluir que o grande desejo do público, a nível global, é que os líderes encontrem novas maneiras de trabalhar em conjunto, encontrando estratégias que os ajudem a superar os grandes desafios da humanidade”.
Jornalista