Carter Cast sofreu uma má avaliação no início da sua carreira que o marcou profundamente, mas que o ajudou também a chegar a CEO da Walmart. E resolveu escrever uma espécie de guia dedicado a todos aqueles que, sem terem noção disso, podem vir a sabotar as suas carreiras. A sua questão de partida, e à qual levou quase 20 anos a responder, prende-se exactamente com os motivos devido aos quais algumas carreiras florescem, outras estagnam e outras ainda implodem, identificando cinco arquétipos que personificam erros e estados de espírito comuns a muitas pessoas e que podem ser os causadores do fracasso na carreira. Saiba se o seu “estilo de trabalho” corresponde a alguns destes arquétipos e aprenda a evitar situações que podem provocar danos irreversíveis na sua vida profissional
POR HELENA OLIVEIRA

São várias as pesquisas que demonstram que, em algum ponto das suas vidas profissionais, as carreiras de metade a dois terços dos gestores ou líderes empresariais irão descarrilar.

Este descarrilar ocorre quando um gestor ou um executivo – anteriormente considerado como detentor de um enorme potencial – é despedido, despromovido ou “colocado na prateleira” por não ter conseguido atingir os níveis ideais de performance. De acordo com especialistas em liderança, este é o resultado de “uma ausência de adaptação ou correspondência entre os valores individuais e de desenvolvimento e os valores e necessidades organizacionais. Ao contrário do que se possa pensar e na maioria das vezes, não avançar ou “cair da carreira abaixo”pouco tem a ver com incompetência ou falta de experiência, sendo ao invés o resultado de questões interpessoais que impedem ou dificultam a capacidade para gerir.

Há cerca de 25 anos, Carter Cast era um jovem e extremamente ambicioso executivo, que levava na mala todas as certezas do mundo em como a sua carreira na PepsiCo iria ser brilhante e de progressão rápida. Até ao dia em que foi chamado ao gabinete do seu superior hierárquico que simplesmente lhe disse que ele “não era passível de ser promovido” porque era “obstinado”, “resistente” e “insubordinado”. Como afirmou em entrevista à Knowledge@Wharton, este “incidente” acabaria por lhe transformar a vida e, entre inúmeras vitórias profissionais – Cast chegou a CEO da gigantesca Walmart – acabaria por escrever um livro “para ajudar outras pessoas a não lhes acontecer o mesmo”.

Depois de um ano e meio “na prateleira”, Cast traçou um caminho de sucesso em várias empresas, nomeadamente na PepsiCo como gestor de marketing e a trabalhar para a divisão internacional de serviços alimentares da empresa, tendo sido responsável pelo lançamentode várias marcas icónicas. Depois de deixar a PepsiCo, juntou-se à Electronic Arts como vice-presidente de marketing e comunicação, tendo sido um dos responsáveis pelo lançamento de produtos como o inesquecível jogo The Sims. De seguida mudou-se para a Blue Nile, que se viria a tornar líder de mercado na venda de diamantes e jóias na internet, tendo então chegado a CEO da Walmart, a terceira maior empresa retalhista do mundo.

Actualmente professor de Inovação e Empreendedorismo na Kellogg School of Management e partner no Pritzker Group Venture Capital, Cast lançou o bem-sucedido livro “The Right and Wrong Stuff – How Brilliant Careers Are Made and Unmade“, uma espécie de guia dedicado a todos aqueles que, sem terem noção disso, podem vir a sabotar as suas carreiras. A sua questão de partida, e à qual levou quase 20 anos a responder, prende-se exactamente com os motivos devido aos quais algumas carreiras florescem, outras estagnam e outras ainda implodem, identificando cinco arquétipos – vários de tradução impossível para português – que personificam erros e estados de espírito comuns a muitas pessoas e que podem ser os causadores do fracasso na carreira.

“O descarrilar afecta frequentemente pessoas talentosas que não têm consciência das suas fraquezas” – o autor fala num “ângulo morto” – ou que “são suficientemente arrogantes” – tal como o próprio já foi – para acreditarem que também elas precisam de feedback, mesmo que negativo, para melhor desenvolverem as suas competências. E geralmente é mesmo a arrogância que se assume como principal problema e não a ausência de competências, garante Cast.

A pesquisa que fez para o livro incluiu um inquérito a 100 gestores que “descarrilaram”, de onde sobressaíram duas razões por excelência que, de acordo com o autor, explicam os motivos devido aos quais as carreiras desta centena de pessoas fracassaram. Cast cita o pai da gestão, Peter Drucker, para ilustrar um desses motivos – “a maioria dos indivíduos pensa saber em que é que é bom, mas geralmente está errada” – e socorre-se também de três investigadores por excelência nesta temática, Robert Hogan, Joyce Hogan, e Robert Kaiser, que asseguram que “o descarrilar da carreira tem quase sempre a ver com problemas de relacionamento”.

Claro que existem vezes em que as pessoas falham nos seus objectivos de carreira devido a circunstância pessoais, como não se submeterem a horários mais alargados ou serem deslocalizadas, por exemplo, mas não são as questões pessoais que fizeram despertar o interesse de Cast para escrever o seu livro. E assegura desde já que uma das suas maiores descobertas reside no facto de que “aquilo que não sabemos sobre nós próprios é o que tem maior potencial para nos magoar”.

Claro que as empresas também têm a sua quota-parte de responsabilidade no desenvolvimento ou estagnação das carreiras dos seus gestores. A seu ver, a gestão não é completamente honesta sobre as competências e capacidades da sua força de trabalho – ou da sua ausência – e por isso mesmo não estimula um verdadeiro desenvolvimento. Ou seja, Cast mostra-se muito céptico face ao mantra que parece estar na moda em muitas organizações e que visa “acentuar o positivo” e mediante o qual os superiores hierárquicos distribuem elogios por tudo e por nada, sugerem aos trabalhadores que celebrem pequenas vitórias e se concentram, na altura da avaliação de performance, particularmente nos seus pontos fortes.

Na sua opinião, as empresas são mesmo cúmplices do declínio dos seus empregados, na medida em que ignoram maus comportamentos desde que os resultados de curto prazo sejam apresentados, evitam ao máximo ter conversas difíceis mas necessárias relativamente à performance ou porque promovem demasiado depressa pessoas talentosas, mas que deveriam ser primeiro expostas a outro tipo de experiências antes de ocuparem um cargo de maior responsabilidade. Ou como resume “as empresas geralmente não exigem a quem está em cargos de topo que desenvolvam os seus subordinados”.

Sem estas “conversas difíceis”, afirma Cast, as pessoas acabam por sofrer consequências indesejáveis porque ficam sem ter consciência das suas fraquezas ou vulnerabilidades em vez de seguirem um plano que as pudesse resolver ou mitigar.

Como afirma à Knowledge@Wharton, a principal conclusão que retirou do seu estudo diz respeito ao facto de serem as pessoas que fazem uma auto-avaliação errada de si mesmas, e que não têm uma elevada auto consciência do que fazem bem ou mal, que mais facilmente acabam por descarrilar ao longo da carreira. E se não são as empresas a apontar os pontos fracos ou as vulnerabilidades, seguindo uma estratégia de desenvolvimento onde apenas se concentram nos pontos fortes do trabalhador, mais cedo ou mais tarde, necessidades não previamente abordadas poderão limitar o progresso na carreira de pessoas talentosas.

E, acrescenta, é geralmente nas alturas de transição que as pessoas são atingidas por esta “dura realidade”, indo-se abaixo e comprometendo todo o progresso da sua carreira. Seja a transição para um novo chefe, para uma nova função ou até para um outro trabalho, na medida em que lhes falta também flexibilidade, uma mente aberta e uma adaptabilidade cada vez mais necessária.

Tomando em linha de conta toda a investigação em liderança que fez para escrever o seu livro, Cast afirma que as características dos gestores que sabotam a sua própria carreira são perfeitamente claras. E independentemente de variáveis como o género, a etnia, a cultura, a idade, bem como o tipo e dimensão da empresa, o professor da Kellogg identificou cinco razões que explicam o porquê dessa “sabotagem”, expressando-as através de arquétipos – ou seja, caracterizações que demonstram, num microcosmo, como e por que razão é que este descarrilar inesperado pode acontecer. A opção para a utilização de arquétipos foi, de acordo com o autor, para “humanizar um tópico desconfortável”. E se a primeira reacção do leitor for a de que “nenhuma destas ‘personagens’ é como eu”, é melhor pensar duas vezes. No website de Carter cast é possível fazer uma auto-avaliação e descobrir qual o arquétipo que melhor define o seu modo de encarar o trabalho e a carreira.

É um Capitão Fantasma ou um Voador a solo?

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Tal como já anteriormente enunciado, as denominações dadas pelo autor aos cinco arquétipos identificados não são de tradução fácil. Todavia, o que interessa são as características que os definem e nas quais muito possivelmente, e em alguns casos, nos poderemos rever.

  • O Capitão Fantasma

Ou “bolas de destruição humanas que se destroem a si mesmas”. Estas são aquelas pessoas que o magoam com os seus cotovelos pontiagudos enquanto andam em busca do Santo Graal na empresa. Sofrem de questões interpessoais porque ficam cegas devido ao seu gigantesco ego e porque a sua capacidade para escutar os outros é nula, o que resulta em relacionamentos pobres com os colegas. Os Capitães Fantásticos, que seguem o lema “eu e meu” podem ascender na organização no início das suas carreiras mas, e porque afastam os outros, quando são colocados em posições mais complexas e abrangentes que exigem o apoio alheio, geralmente acontece-lhes o que aconteceu a Ícaro: queimam as asas. E sofrem de arrogância, ambição desmesurada, postura defensiva, insensibilidade e perda de compostura.

  • O Voador Solitário

Ou “contribuidores individuais fortes que são muito bons a executar as suas tarefas”. Este tipo de gestores “vai buscar o bacon, corta-o e enrola-o, afirma Carter Cast no seu website dedicado ao livro. São auto-suficientes, pró-activos, autónomos, multi-talentosos e funcionam como pilhas que nunca se gastam até atingirem os seus objectivos. Todavia, quando são promovidos para posições de chefia sentem uma enorme dificuldade em formar e liderar equipas, e ou retornam à sua habitual micro-gestão ou tentam fazer o trabalho sozinhos. Consequentemente, as suas equipas tornam-se insatisfeitas e, eventualmente, podem até fazer um “golpe de estado”. Estes voadores solitários sofrem de ausência de capacidades para contratar (porque vêm os candidatos à sua imagem), não sabem comunicar eficazmente com a equipa, não resolvem conflitos, não desenvolvem os seus subordinados e não asseguram recursos para a sua equipa.

  • O Versão 1.0

Ou “inflexíveis e ultrapassados”. Estas pessoas, extremamente confortáveis com as suas rotinas, são substancialmente cépticas face à mudança. Resistem a aprender novas competências que os ajudariam a adaptar-se ao ambiente em acelerada mudança da gestão. Resistem a utilizar novas tecnologias que os poderiam ajudar a concretizar as suas tarefas melhor e mais rapidamente. E no caso de surgir uma nova equipa de gestão que venha “abanar” o estado normal das coisas, formam uma espécie de guarda contra a mudança. Podem autodenominarem-se de “tradicionalistas”, mas são na verdade, excessivamente cautelosos. Adicionalmente, não gostam que lhes seja exigida uma nova tarefa, tornam-se desmesuradamente dependentes de um chefe ou de um mentor, têm medo e resistem à mudança, não são curiosos e tornam-se demasiado confortáveis com o que têm, não fazendo esforço algum para crescerem.

  • O One Trick Pony (mágico de um truque só)

Ou “são bons a fazer aquilo em que somente são bons”. Porque confiam demasiado em algo que sabem fazer bem – uma espécie de “assinatura de competência” – acabam, ao longo do tempo e sem se aperceberem, por serem unidimensionais e não promovíveis. Enquanto o Versão 1.0 resiste à mudança, o One Trick Pony nem sequer percebe que é necessário mudar, na medida em que se sente sobre-especializado e se tornou um “supra sumo” a fazer determinada tarefa para a empresa. A sua mobilidade ascendente pára porque sempre fez a mesma e a mesma coisa, não tendo por isso um conjunto diversificado de experiências de trabalho que lhe confiram uma perspectiva estratégica mais alargada. Não percebem como os outros departamentos funcionam e não compreendem as actividades que conferem valor à empresa no que respeita ao seu próprio negócio. E sentem que a sua crença de que “vivemos na era da especialização” os conduz à única abordagem correcta, até perceberem que as suas carreiras se tornaram limitadas devido à sua estreiteza mental. Sofrem ainda de atenção excessiva aos detalhes, não conseguindo ver a “fotografia no seu todo”, não procuram tarefas mais abrangentes, não compreendem as actividades que conferem valor à empresa, sentem-se esmagados pela complexidade do negócio e têm falta de competências em pelo menos uma área crucial da empresa.

  • O Whirling Dervish (dervixe rodopiante)

Ou “o que se compromete com tudo e não faz nada”. Correm pela empresa como se tivessem o cabelo a arder, sempre atrasados para uma reunião qualquer e resmungando para si mesmos sobre a carga excessiva de trabalho que têm nos ombros. Não têm competências de planeamento nem organizacionais. São, muitas vezes, pessoas criativas com uma montanha de ideias a jorrar do cérebro como se fossem géisers, – mas com uma enorme dificuldade em converter as ideias que têm em acções. Porque são conhecidos por se comprometerem com muito e não terem grandes resultados, nem o superior hierárquico nem os colegas contam com eles para terminar tarefas já atribuídas. Na maioria dos casos, as pessoas evitam trabalhar com eles. Sofrem de mau planeamento e organização e não têm competências para gerir tarefas. Sentem uma enorme dificuldade em conferir prioridade ao trabalho que têm em mãos e gostam de agradar nunca dizendo que “não”. Subestimam o tempo e o esforço necessários para completar uma tarefa.

Fonte: http://cartercast.com/

Para fazer a sua auto-avaliação e saber se a sua carreira está em perigo, clique aqui.

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Como (re)tomar as rédeas da sua progressão na carreira

Mesmo que se identifique com algum destes arquétipos, a boa notícia é que nunca é tarde para corrigirmos o que não está bem e passarmos a ser melhores profissionais que podem e devem ser promovidos. E uma das ideias veiculada por Cast é exactamente a de que ninguém pode ser bom em tudo, visto que a perfeição não existe. Todavia, é importante que nos concentremos a ser excelentes em algumas das nossas melhores características, sendo que o autor elege três pontos fortes em particular que, de acordo com a sua experiência, já ajudaram muitas pessoas a distinguir-se entre os demais e a progredir verdadeiramente na carreira.

O primeiro está relacionado com o facto de estas pessoas agirem de acordo com a sua própria iniciativa, Ou seja, são “alunos” que perseguem uma variedade de métodos de aprendizagem que possam promover o seu desenvolvimento pessoal e profissional contínuo ao mesmo tempo que procuram tarefas desafiantes que possam acelerar o desenvolvimento das suas competências e permitir tornar reais oportunidades de avanço na carreira.

São também pessoas que possuem um nível elevado de inteligência emocional, o que lhes permite construir relacionamentos positivos com os que os rodeiam. E, ao agirem desta forma, evitam os problemas interpessoais de que sofre o Capitão Fantasma. Vêem-se como líderes (seja porque são responsáveis por uma equipa ou apenas responsáveis por si mesmos) que, e independentemente do título ou cargo que apresentam, têm a capacidade de criar mudança positiva na organização que os acolhe. Adicionalmente, adoptam uma atitude positiva relativamente ao seu trabalho, mesmo que o ambiente na empresa seja duro, sabendo que a sua energia e entusiasmo podem contagiar os outros. Estes trabalhadores de alta performance são igualmente capazes de construir relacionamentos fortes e ganhar o apoio dos outros porque têm uma inteligência emocional forte. São dotados de uma compreensão social forte – ou seja, sabem sempre como se comportar – devido à capacidade de serem auto-reflexivos, á que se junta uma adequada auto-consciencialização e auto-regulação.

Complementarmente, possuem uma perseverança fora de série e são movidos pelos resultados. Tentam compreender bem as normas de excelência no que respeita às tarefas que lhes são confiadas e tentam posicionar-se em situações pelas quais sabem que vão ser responsabilizados, respondendo de forma positiva mesmo quando as coisas não correm como o esperado. Têm também uma forte resiliência emocional e a coragem de recuperar rapidamente de um fracasso, considerando-o como uma experiência de aprendizagem e não como uma acusação pessoal.

Estabelecem também objectivos flexíveis, concentram-se no tipo de trabalho que oferece o melhor retorno do investimento e assumem a responsabilidade pelos resultados de grupo. E, ao agirem desta forma, evitam tornar-se desconcentrados como os dervixes rodopiantes.

Cast dá ainda outras sugestões para que seja possível controlar o desenvolvimento da carreira.

Conhecer os pontos fracos e batalhar para que estes se transformem em pontos fortes é imprescindível, bem como pedir feedback para os poder identificar. Uma outra forma é aumentar a visibilidade junto da gestão de topo. Como nem sempre é possível distinguirmo-nos de forma a que os líderes seniores saibam da nossa existência, podemos sempre voluntariarmo-nos para diferentes iniciativas, seja para trabalho de caridade, eventos da empresa ou para o recrutamento em universidades. A ideia é que sejamos vistos “em acção”.

Tornar-se um especialista numa área de importância crescente na empresa é também um bom truque para ganhar pontos na carreira. A empresa poderá estar a lutar com uma tecnologia disruptiva, como a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas ou a computação em nuvem e ter alguém que, proactivamente, se disponha a investigar mais sobre o assunto pode ser uma enorme mais-valia.

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