Não são promissoras as expectativas demonstradas pelos CEOs mundiais no que respeita ao crescimento económico. Pelo contrário. Se em 2018 apenas 5% dos líderes empresariais inquiridos pela PwC manifestavam preocupação face à incerteza do clima económico, em 2020 a percentagem ascende aos 53%. Para além das preocupações com a economia, os CEOs elegem igualmente as consequências perigosas de uma Internet não regulada, a necessidade urgente de requalificação das suas forças de trabalho e, gradualmente, começam a considerar os riscos, mas também as oportunidades, da crise climática global
POR HELENA OLIVEIRA
Pela primeira vez, mais de metade dos 1581 CEOs, de 80 regiões, que responderam ao 23º CEO Survey publicado esta semana pela PricewaterhouseCoopers (PwC), acredita que o crescimento económico global irá declinar.
De acordo com um porta-voz da consultora, “ao entrarmos numa nova década, os CEOs estão a demonstrar níveis recordistas de pessimismo face à economia global, com 53% a prever uma queda no ritmo de crescimento económico em 2020”. Este valor é significativamente mais alto do que em 2019 (19%) e 10 vezes mais elevado face a 2018, ano em que apenas 5% dos executivos entrevistados manifestaram esta mesma preocupação. Em 2018, 57% dos CEOs esperavam um crescimento do PIB global para o ano seguinte. Por seu turno, o número de CEOs que projecta um aumento do crescimento económico caiu de 42% em 2019 para apenas 22% em 2020.
O 23rd Annual Global CEO Survey, apresentado na passada segunda-feira em Davos, tem como palavra-chave a “incerteza”, tanto a nível global como no que respeita aos níveis de confiança dos executivos de topo entrevistados face às suas próprias empresas: apenas 27% dos CEOs mostram-se “muito confiantes” com as perspectivas de crescimento das suas receitas em 2020, o que representa um novo “nível baixo” desde 2009. De acordo com o relatório, este resultado é determinante porque a alteração nos níveis de confiança dos CEOs tem vindo a ser um indicador credível para a saúde da economia no ano seguinte. Conduzido em Setembro e Outubro de 2019, o inquérito centra-se em quatro grandes categorias – crescimento, regulação tecnológica, requalificação e alterações climáticas.
Crescimento económico global irá abrandar em 2020
De acordo com as previsões realizadas pelo Fundo Monetário Internacional em Outubro de 2019, “a economia global encontra-se num abrandamento sincronizado, com uma queda do crescimento em 2019 para os 3%, o ritmo mais lento desde a crise financeira global”. Contudo, e como se pode ler no inquérito da PwC, os indicadores económicos em muitos mercados permanecem positivos. O desemprego nos países da OCDE atingiu um novo mínimo de 5,1% em 2019, a confiança dos consumidores globais mantém-se elevada e os mercados financeiros apresentam um grande dinamismo. Mas é verdade que o crescimento abrandou em todo o mundo e, como reporta o Fórum Económico Mundial, os ganhos sobredimensionados da produtividade prometidos pela Quarta Revolução Industrial – a colecção de tecnologias que estão a reconfigurar a forma como as pessoas vivem e trabalham -, estão ainda por realizar. As questões demográficas estão igualmente a pesar nos mercados laborais em todo o mundo na medida em que o número de reformados suplanta, significativamente, o número dos que estão a entrar no mercado de trabalho.
“Dada a incerteza persistente no que respeita às tensões comerciais, às questões geopolíticas e à ausência de acordo face à forma como se deve lidar com as alterações climáticas, a quebra da confiança face ao crescimento económico não é surpreendente, mesmo que a escala na mudança de sentimento o seja”, afirmou Bob Moritz, presidente do conselho de administração da PwC International Network, por ocasião do lançamento do relatório.
Em todas as regiões sem excepção, o sentimento prevalecente é o mesmo: o crescimento económico global irá abrandar em 2020. A percentagem de CEOs que cita este declínio é superior a 50% em todas as regiões, com excepção da Ásia-Pacífico e da Europa Central e de Leste, e com a América do Norte a bater os recordes de pessimismo com 63% dos respondentes a preverem uma queda na taxa de crescimento global. Há apenas dois anos, a mesma percentagem de executivos norte-americanos (63%) afirmou exactamente o contrário, prevendo uma melhoria dos ventos económicos.
Como já mencionado, este sentimento estende-se à visão que os CEOs têm das suas próprias organizações. Na verdade, a confiança demonstrada por estes para os próximos 12 meses decaiu para níveis não vistos desde 2009, altura em que a economia estava a começar a recuperar da crise financeira global. Esta perspectiva contida é uma extensão do sentimento demonstrado no relatório do ano passado, altura em que os CEOs olhavam já com preocupação para as tensões comerciais e geopolíticas, as quais estão longe de estar resolvidas, mas antes exacerbadas.
No que respeita às ameaças mais citadas, o clima geral de incerteza continua a imperar. Apesar do excesso de regulação figurar como a principal ameaça global, a preocupação dos CEOs no que respeita ao incerto crescimento económico subiu da posição 12 para a 3ª, com os conflitos comerciais, as ciber-ameaças e a incerteza política a fechar o top 5.
Para além destas cinco ameaças, desafios persistentes como a disponibilidade de competências adequadas, a incerteza geopolítica e a velocidade da mudança tecnológica continuam a tirar o sono aos respondentes. Ainda no top das principais preocupações, os CEOs mantêm a sua reticência face ao proteccionismo e ao populismo. As alterações climáticas e os danos ambientais merecem também uma nota. Apesar de se manterem fora do top 10 das ameaças, a quota de CEOs que os considera como de “extrema preocupação” subiu de 19% para 24%.
Ciberespaço: regulação e legislação governamental
Em qualquer outra grande revolução industrial, uma tecnologia inteiramente nova surgiu para transformar radicalmente a sociedade e, mais especificamente, a natureza do trabalho. Na primeira, foi a máquina a vapor, na segunda a produção em massa e, na terceira, as ferramentas digitais, em particular os semicondutores e o computador pessoal, “movidos” pela Internet. Agora, e em plena Quarta Revolução Industrial, as tecnologias impulsionadas pelo big data – a Inteligência Artificial (IA), a robótica e a Internet das Coisas – estão a unir as esferas física e digital.
Contudo, e como aconteceu nas anteriores revoluções industriais, são vários os perigos que espreitam as promessas destas tecnologias transformadoras. A implementação destas inovações por parte do sector privado está a ultrapassar o desenvolvimento de sistemas regulatórios e de standards que mitigariam os seus riscos. As organizações interessadas na cibersegurança global e na governança da Internet estão fragmentadas e não existe nenhuma estrutura global que possa controlar os ataques à tecnologia digital. E, em muitas áreas, o domínio digital é crescente e duplamente encarado como uma vantagem competitiva económica e como um imperativo de segurança nacional. Assim, o debate é se os governos devem adaptar as estruturas já existentes aos standards emergentes ou se deverão estabelecer novos limites em termos de privacidade de dados, moderação de conteúdos e dimensão e alcance das plataformas dominantes (Facebook, Google, Amazon, Apple). A fricção entre estes dois imperativos semeia desconfianças e divisões, resultando na fragmentação crescente da sociedade.
Para o relatório deste ano, a PwC pediu aos inquiridos que pensassem no futuro (2022 e anos seguintes) e que seleccionassem, a partir de uma série de declarações opostas, se consideravam que os governos deveriam intervir na regulação do sector tecnológico. Quase sete em cada 10 CEOs vêem os governos a introduzir legislação em duas áreas por excelência: na regulação de conteúdos na Internet (mesmo nos media sociais) e no “rompimento” do poder das empresas de tecnologia dominantes. Interessante é o facto de a maioria prever que os governos irão forçar o sector privado a compensar financeiramente os indivíduos cujos dados pessoais são recolhidos.
Na América do Norte e na Europa Ocidental, as plataformas de conteúdos como o Facebook, o Twitter e o YouTube há muito que são auto-reguladas. Mas as inadequações desta abordagem tornaram-se evidentes. A Comissão Europeia está já a trabalhar em orientações concebidas para avaliar de que forma é que a UE está a supervisionar as empresas tecnológicas e, quando terminada, será a primeira legislação a regular os discursos de ódio, vários outros conteúdos ilegais, em conjunto com a publicidade política em grande escala.
A nível global, as respostas dos CEOs apresentam algumas diferenças sobre se a legislação governamental em questões como a privacidade irá exacerbar a fragmentação da Internet. E, sem surpresas, são os CEOs norte-americanos aqueles que mais enfaticamente respondem que sim (66% versus 50% a nível global). Como é sabido, as empresas dos Estados Unidos foram pioneiras nas plataformas digitais globais e exerceram uma influência desmesurada sobre a sua cultura gratuita e aberta nos primeiros anos. Consequentemente, são elas as que serão mais directa e negativamente afectadas pelos esforços para regular a Internet nos grandes mercados de consumidores. Parece claro, no entanto, que muitas sociedades deixarão de tolerar a auto-regulação. E os CEOs precisarão, de forma crescente, de colaborar com um conjunto diverso de governos para desenhar soluções apropriadas que disponibilizem tecnologia e dados de uma forma segura, ou seja, que proteja os consumidores e respeite os seus valores.
À medida que a Quarta Revolução Industrial se vai desenrolando e que confiamos na IA para tomar mais decisões com consequências nos humanos (como por exemplo as decisões que envolvem contratações e admissões, tratamentos médicos, acesso a assistência financeira e a serviços sociais, etc.), este exercício de equilíbrio torna-se cada vez mais importante.
O imperativo da requalificação
Em 2013, dois jovens investigadores da Universidade de Oxford publicaram um paper que previa que cerca de metade dos empregos os Estados Unidos estaria “em risco de computorização”, o que deu início a um grande e duradouro debate que persiste até hoje. Na medida em que a questão tem forçosamente figurar na agenda dos CEOs, a própria PwC analisou cerca de 200 mil empregos em 29 países e confirmou que 30% destes estarão potencialmente sujeitos à automação em meados dos anos de 2030, e que os trabalhadores com níveis de educação mais reduzidos serão os primeiros a ser atingidos.
O trabalho “braçal” será, sem dúvida, substituído por um outro tipo de trabalho que exige uma combinação de competências técnicas, digitais e “soft”. As taxas de desemprego continuam a cair nos países da OCDE, mas a oferta de pessoas com competências STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), em conjunto com características “puramente humanas” (como a criatividade, a empatia ou a colaboração), crescentemente apreciadas no mercado laboral da actualidade, não estão a acompanhar a procura.
Esta escassez de competências em todo o mundo está ainda a ser exacerbada pelas barreiras à mobilidade de talento que estão a ser erguidas em todo o planeta. Na verdade, o inquérito deste ano assistiu a um aumento pronunciado (de 45% para 52%), comparativamente há cinco anos, na percentagem de CEOs que responderam “não” à questão “está a cooperação entre os governos e empresas a levar a um movimento maior de trabalho qualificado entre os mercados?”. Adicionalmente, os empregadores e os empregados estão igualmente a confrontar-se com um dilema demográfico profundo: uma força laboral a envelhecer rapidamente em muitos mercados, o que significa que a fonte de recrutamento de novos talentos está a secar.
A Quarta Revolução Industrial introduziu novos modelos de negócio e novas formas de trabalhar que exigem competências cruciais, de nível técnico, digital e de “soft skills”, sendo que a oferta das mesmas é muito curta. E, na verdade, a disponibilização destas competências tem constituído, desde há uma década, uma das principais “preocupações extremas” por parte do CEOs inquiridos, ameaçando a inovação e impulsionando custos elevados com as pessoas. E tanto os empregadores como os trabalhadores têm de investir na requalificação ou arriscar a irrelevância.
No relatório do ano passado, a maioria dos CEOs concordava que uma requalificação significativa consistia na melhor forma para fechar um potencial fosso de competências nas suas organizações. Mas e mesmo assim, os resultados deste ano revelam que menos um em cada cinco líderes (18%) acredita que a sua organização fez progressos significativos no estabelecimento de programas de requalificação.
Adicionalmente, existe uma desconexão surpreendente entre o que os empregadores percepcionam e o que os empregados expressam sobre o seu emprego futuro. De acordo com um outro estudo realizado pela PwC com 22 mil empregados em todo o mundo, mais de metade (53%) acredita que a automação irá alterar substancialmente o seu trabalho ou torná-lo obsoleto nos próximos 10 anos. E mais de três quartos de adultos (77%) afirmam que desejariam aprender novas competências ou requalificarem-se completamente para aumentar a sua empregabilidade futura. Todavia, apenas um terço (33%) sente que lhes foram dadas oportunidades para desenvolver competências digitais fora dos seus deveres normais.
No entanto, os efeitos são claros. As organizações que mais progressos fizeram em termos de requalificação estão a obter melhores resultados nos seus negócios, incluindo uma cultura empresarial mais forte, uma produtividade mais elevada, maior crescimento do negócio, melhoria na aquisição e retenção de talentos, maiores níveis de inovação e fossos de competências mais reduzidos. E existe uma correlação real entre o progresso na requalificação e o optimismo e confiança dos CEOs. Aqueles cujas organizações estão mais avançadas no processo de requalificação revelam-se bem mais optimistas face ao crescimento económico global – 34% versus 15% dos CEOs que só agora deram início a este esforço. Na mesma linha, os CEOs “avançados” expressam também uma maior confiança no crescimento das suas receitas para os próximos 12 meses – 38% estão “muito confiantes” versus 20% dos “iniciados”.
Todavia e como sabemos, não serão os líderes empresariais que, sozinhos, poderão resolver o problema do talento global e da crise de competências que o mundo enfrenta. Serão necessários esforços concertados entre educadores, governos locais, regionais e nacionais, inovadores tecnológicos e comunidade empresarial para assegurar que o mundo se mantém produtivamente comprometido com o trabalho com significado.
Alterações climáticas: riscos e potenciais oportunidades
O relatório de 2020 da PwC demonstra que os CEOs expressam uma apreciação crescente, se bem que ainda limitada, sobre o lado positivo de agirem para reduzirem a sua pegada de carbono. Comparativamente há uma década, e quando confrontados com a mesma questão, os executivos na actualidade têm duas vezes mais de probabilidades de “concordarem fortemente” que investir em iniciativas climáticas aumenta a sua vantagem reputacional entre stakeholders cruciais, incluindo os empregados (30% concordam fortemente em 2020 comparativamente a 16% em 2010) e lhes confere maiores oportunidades para novos produtos e serviços (25% em 2020 versus 13% em 2010). E quase o triplo dos mesmos (14% em 2020 face a 5% em 2010) concorda que irá beneficiar de fundos governamentais ou incentivos financeiros para investimentos “verdes”. Entre as várias regiões auscultadas, a China sobressai como a que maiores oportunidades antevê decorrentes destas iniciativas: em 2010, apenas 2% dos seus CEOs viam uma oportunidade na crise das alterações climática para o desenvolvimento de novos produtos e serviços, sendo que hoje a percentagem aumentou para 47%.
O caso da China é paradigmático na medida em que é o maior mercado para produtos verdes e, em simultâneo, o país que mais polui, pelo menos no que respeita ao carbono. O país queima metade do carvão utilizado globalmente em cada ano, sendo que a suas emissões anuais são responsáveis por 30% do total mundial. Mas, e ao mesmo tempo, é o mercado líder para painéis solares, turbinas eólicas e veículos eléctricos, e fabrica cerca de dois terços das células solares instaladas em todo o mundo.
Por seu turno, alguns CEOs de nações que estiveram na linha da frente para travar as alterações climáticas há dez anos – França, Reino Unido, Canadá – sentem-se agora menos entusiasmados com a possibilidade de novas oportunidades para produtos e serviços. Uma década depois, e muitas conferências e compromissos nacionais mais tarde, o seu optimismo desvaneceu-se.
Já nos Estados Unidos, onde os CEOs se apresentam como os mais cépticos face às oportunidades que as alterações climáticas poderão trazer para as grandes economias, o panorama mantém-se. Com gigantescas reservas de gás natural e petróleo, os Estados Unidos ocupam uma posição líder na produção de combustíveis fósseis, o que contribui para atenuar a urgência de mudança para tecnologias energéticas “verdes”.
No geral, os CEOs da Europa Ocidental e da Ásia-Pacífico são aqueles que mais avançados se encontram na avaliação dos riscos das iniciativas de alterações climáticas, o que não é surpreendente devido ao facto de muitos dos governos que se comprometeram para atingir a neutralidade carbónica até 2050 pertencerem a estas regiões.
Uma das frustrações em lidar com as alterações climáticas é o horizonte de longo prazo que existe antes de quaisquer resultados ambientais se tornarem evidentes. E é verdade que aqueles que se encontram em posição para estabelecer e implementar políticas de mitigação poderão não ver os resultados durante os seus mandatos, ao mesmo tempo que os mais jovens – os consumidores e trabalhadores do futuro – estão a tornar-se cada vez mais impacientes e a exigir acção por parte dos stakeholders.
Editora Executiva