O “capitalismo e a pandemia destruíram o balanço trabalho-lazer” e o regresso será para um escritório mais vigiado. Mas há uma certeza bem maior: desde onde trabalhamos até como o nosso trabalho é medido, o trabalho no escritório será permanentemente diferente após a pandemia
POR PEDRO FONSECA (TICtank.pt)

Os investigadores José Maria Barrero, do Instituto Tecnológico Autónomo do México, e Nicholas Bloom e Steven J. Davis (das universidades de Stanford e Chicago, respectivamente) analisaram os impactos económicos e sociais do teletrabalho, em vagas mensais desde Maio de 2020, obtendo mais de 30 mil respostas de americanos em idade laboral.

O resultado está descrito em “Why Working from Home Will Stick“, de que se reproduz o resumo:

“A Covid-19 conduziu a uma experiência social em massa de trabalhar em casa (“working from home” ou WFH). Inquirimos mais de 30 mil americanos em várias vagas para investigar se o WFH vai durar e por quê. Os nossos dados dizem que 20% dos dias de trabalho completo serão fornecidos a partir de casa após o fim da pandemia, em comparação com apenas 5% antes. Desenvolvemos evidências sobre cinco razões para esta grande mudança: experiências WFH melhores do que o esperado, novos investimentos em capital físico e humano que permitem o WFH, um estigma muito reduzido associado ao WFH, preocupações persistentes sobre multidões e riscos de contágio e um surto impulsionado pela pandemia em inovações tecnológicas que suportam o WFH.

Também usámos os nossos dados de investigação para projectar três consequências: primeiro, os funcionários terão grandes benefícios com mais trabalho remoto, especialmente aqueles com rendimentos mais elevados. Em segundo lugar, a mudança para o WFH reduzirá directamente os gastos nos grandes centros das cidades em pelo menos 5 a 10% em relação à situação pré-pandémica. Em terceiro, os nossos dados sobre os planos dos empregadores e a produtividade relativa do WFH implicam um aumento de 5% na produtividade na economia pós-pandemia, devido aos arranjos no trabalho re-optimizados. Apenas um quinto desse ganho de produtividade apresentará medidas de produtividade não-convencional, porque não capturam a poupança de tempo com menos deslocações”.

Uma das questões não abordadas no artigo é o “direito a desligar“. Vários estudos indicam que o teletrabalho “resultou em mais horas de trabalho para milhões de pessoas”, mais de um terço de inquiridos em Inglaterra disseram que a sua saúde mental tinha piorado durante o trabalho remoto na pandemia, os governos estão a ser chamados a intervir com legislação mais adequada, enquanto “algumas empresas já implementaram medidas, como a ‘proibição de email’ fora do horário normal de trabalho”.

Espaços e tempo
Embora os desafios do teletrabalho pareçam novos, forçados pela pandemia, o escritor de ficção científica já os tinha antecipado em 1974:

Agora, a pandemia acelerou todas estas transformações que tendem a mudar o que se entendia historicamente como trabalho – e não é apenas no espaço de escritórios que terá de ser re-inventado, como sucede na zona da City em Londres que os vai reformular para habitação.

Algumas empresas estão a adoptar modelos flexíveis, entendendo que nem todos os funcionários podem trabalhar a partir de casa, mas que várias tarefas podem ser adaptadas a cada “empregado, semana e projecto” – e nem os jornalistas escapam a essa tendência de re-avaliação do espaço e do trabalho.

Em Portugal, essa possibilidade ainda está muito presente nas classes com rendimentos mais elevados mas pode tender a ser alterada nos próximos anos, usando uma “nova abordagem estratégica para o futuro do trabalho“, em que colaboradores e fornecedores são vistos como “empregados”. [Parlamento tem o tema em apreciação.]

Esta disrupção com novos “modelos híbridos” é difícil para algumas organizações – e para o stress dos CEOs, com alguns a desejar o regresso ao antigamente – mas alterou o paradigma em diversos países. Para os trabalhadores NEET (de “Not in Employment, Education or Training“), seleccionados por algoritmosfartos da “gig economy“, dos “lay-offs” e dos esquemas assalariados, o modelo de freelance ou de “part time” nalgumas tarefas parece o indicado.

Os trabalhadores, principalmente jovens, não parecem arrepender-se do novo teletrabalho ou de pedir “contratem-me e paguem o que quiserem, apenas me dêem um trabalho interessante“. Até porque muitos pensam que, em cinco anos, as suas funções laborais vão estar obsoletas.

O futuro do trabalho será uma “carreira de Ponzi“, um “esquema em pirâmide, em que cada pessoa venderá a sua pessoa favorita a outra pessoa”, em troca de algo (uma parte do vencimento, por exemplo)? Ninguém sabe.

O “capitalismo e a pandemia destruíram o balanço trabalho-lazer” e o regresso será para um escritório mais vigiado mas há uma certeza bem maior: “desde onde trabalhamos até como o nosso trabalho é medido, o trabalho no escritório será permanentemente diferente após a pandemia“.

[act.: Work from Home & Productivity: Evidence from Personnel & Analytics Data on IT Professionals: Using personnel and analytics data from over 10,000 skilled professionals at a large Asian IT services company, we compare productivity before and during the work from home [WFH] period of the Covid-19 pandemic. Total hours worked increased by roughly 30%, including a rise of 18% in working after normal business hours. Average output did not significantly change. Therefore, productivity fell by about 20%. Time spent on coordination activities and meetings increased, but uninterrupted work hours shrank considerably. Employees also spent less time networking, and received less coaching and 1:1 meetings with supervisors. These findings suggest that communication and coordination costs increased substantially during WFH, and constituted an important source of the decline in productivity. Employees with children living at home increased hours worked more than those without children at home, and suffered a bigger decline in productivity than those without children.

The future of work is not threatening your employees: Nice career you got there…would be a shame if, you know, something happened to it

Workplace Wellbeing Is a Scam: As conditions at work deteriorate, the number of ‘employee wellbeing schemes’ is on the rise – but no amount of self-care can substitute for a living wage, manageable hours and secure employment.]

Pedro Fonseca é editor do TICtank.pt