Vivemos num tempo em que dispomos de todas as competências para combater a pobreza. Se não o fizermos, não será por falta de capacidade, mas por ausência de disponibilidade, indiferença ou falta de caráter. Uma pobreza com nome toca-nos de perto, envolve-nos, compromete-nos. E é esse o caminho que nos propomos trilhar, em particular junto das empresas e dos seus colaboradores, onde a pobreza escondida é difícil de encontrar
POR JOÃO PEDRO TAVARES
A tomada de consciência de que uma pobreza sem nome e sem rosto é uma pobreza maior ainda e que a mesma reside em mim e na indiferença dos muitos que lhe passam ao lado há muito que me tem vindo a assaltar.
Sem nome e sem rosto porque é incógnita, vem embrulhada em números, em estatísticas, em indicadores de evolução ou agravamento. Sem nome e sem rosto porque me cruzo com ela diariamente e não levanto a cabeça, não a olho nos olhos. Não percebo que, para lá daqueles olhos numa cara de sofrimento ou de súplica, se encerra uma alma, uma história de vida, frustrações, desencontros, perdas, lutos, fraquezas, desânimos. Ou ainda, doença, falta de autoestima, solidão. Passamos ao lado da pobreza a correr, sem parar, com pressa e, na maioria das vezes, sem que a mesma nos detenha o andar. Na verdade, optamos por lidar com a pobreza de forma distante e sem a tocar, pois olhamo-la como responsabilidade de alguém, mas não nossa, pessoal.
De facto, vivemos rodeados por focos de pobreza que se cruzam connosco, na rua, nas empresas, nos vizinhos. Há certamente algo que nos diz respeito e que está ao nosso alcance fazer.
Foram recentemente publicados vários estudos sobre esta temática, de enorme abrangência e rigor, complementares na abordagem, mas convergentes nas conclusões. A sociedade, na sua origem e antes de ativados os apoios sociais, tem uma percentagem elevada de pobreza potencial. E, depois de aplicados os apoios sociais, essa percentagem desce drasticamente, mas resulta ainda num número significativo de famílias, que mesmo com os seus membros a trabalhar, continuam em situação de pobreza.
Assim, cabe-nos, enquanto ACEGE, líderes empresariais e empresas, lidar de frente com estas situações e procurar identificar formas de mobilizar ajuda, apoio, caminhos mais amplos mas, sobretudo, criar condições para que estas famílias tenham formas para, de per si, saírem das situações de potencial pobreza em que se encontram. Reconhecemos que, para além de pobres, temos sobretudo famílias pobres e muitas das circunstâncias que as conduzem à pobreza potencial estão mapeadas. Importa sinalizar os colaboradores que se encontram em situação de potencial pobreza e identificar formas de apoio mas, sobretudo, de lhes devolver a dignidade merecida, a partir da própria família.
Neste contexto a ACEGE decidiu lançar, em conjunto com vários parceiros, o programa SEMÁFORO [ao qual a presente newsletter é totalmente dedicada] como ferramenta de apoio para sinalizar as situações de maior fragilidade nas empresas, a partir de uma avaliação feita pelos próprios trabalhadores no que respeita às suas condições financeiras e de acesso a rendimentos, a uma habitação condigna, à educação, aos cuidados de saúde ou de higiene, a uma alimentação saudável, aos transportes, sem esquecer a inserção comunitária da família. Numa fase posterior, o objetivo do programa SEMÁFORO é mobilizar os meios necessários que capacitem a família para transformar a sua situação.
É um caminho longo o que temos pela frente, mobilizando novos agentes, criando caminhos de proximidade e consciencializando os líderes empresariais a assumirem a responsabilidade de transformação e mudança como tantas vezes o têm feito. Sendo empreendedores e habituados que estão a convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum poderão vir a dar um contributo significativo, em conjunto com outras entidades (como o Estado, as ONG ou outras instituições).
As soluções iniciais e mais imediatas passarão por apoios monetários – por exemplo, por um aumento de salário – em conjunto com a criação de melhores condições de acesso ao trabalho, a serviços ou a cuidados mais específicos.
Mas, e numa cultura de encontro, mobilizando os meios e recursos mais adequados, sabemos que o caminho mais profícuo é o que se faz em conjunto, em rede, em complementaridade. O coletivo tem sempre mais alcance que o individual e isolado. O tempo – o médio e longo prazo – é também superior ao espaço e à tática do imediatismo. Ou, de outra forma, o caminho, mesmo que longo, é mais profícuo do que a solução, muitas vezes temporária e de remedeio. A busca de soluções rápidas não nos conduz, na maioria das vezes, a um caminho que busca um bem que seja maior, mais abrangente e mais duradouro.
Vivemos num tempo em que dispomos de todas as competências para combater a pobreza. Se não o fizermos, não será por falta de capacidade, mas por pouca disponibilidade, indiferença ou falta de caráter. Uma pobreza com nome toca-nos de perto, envolve-nos, compromete-nos. É esse o caminho.
Presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores