São os líderes que transformam as organizações ou são estas que os transformam a si mesmos? A resposta pode estar correcta em ambos os casos, constituindo o respeito pelos outros e a aposta no desenvolvimento dos colaboradores um denominador comum desta metamorfose. No painel dedicado a esta temática, o professor da Nova SBE, Ricardo Zózimo, trocou uma aula pelo poder enriquecedor da música, o CEO da Bluepharma, Paulo Barradas, contou a história da aposta na produção nacional de genéricos “para melhorar a vida dos portugueses” e a líder da Savills, Patrícia Liz, empreendedora por excelência, convidou a plateia a “não ter medo do que não é óbvio”. A fechar o painel esteve Manuel Tovar, um dos fundadores da The Loop Inc., que acredita no poder de uma economia mais sustentável e dirigida a todos. Visões distintas, mas com o mesmo propósito: o de servir o bem comum
POR ALEXANDRE ABRANTES NEVES
“O ideal cristão transpõe-se para as práticas da gestão de uma forma muito simples: através da música”
RICARDO ZÓZIMO – Nova SBE
Quem canta seus males espanta. Mudava-se o provérbio e não haveria expressão melhor para caracterizar a intervenção de Ricardo Zózimo sobre a encíclica Fratelli Tutti na abertura do segundo dia do VII Congresso Nacional da ACEGE. Como afirma o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, ao longo de oito capítulos que incluem 287 “notas”, o Papa disserta sobre várias temáticas. Intitulada “Sobre a fraternidade
e a amizade social”, Francisco escreve sobre a sociedade e as práticas que criamos para o bem comum; sobre a política e como esta tem de incentivar a solidariedade e, por último, sobre a religião, não tivesse esta encíclica sido escrita após um encontro com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb. Ao longo da mesma, o Papa utiliza a palavra “economia” 58 vezes, deixando bem clara a centralidade do tema na vida de qualquer católico.
Só que e para Ricardo Zózimo, o ideal cristão transpõe-se para as práticas da gestão de uma forma muito simples: através da música. Na nota 277, o Papa afirma: “Todavia, como cristãos, não podemos esconder que se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados e enviados. Se a música do Evangelho cessar de repercutir nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade de todo o homem e mulher”.
E foi com este mote que Ricardo Zózimo lançou um desafio à plateia: “Se tivessem de escolher uma música que definisse a identidade da vossa empresa qual seria?”. Depois de várias gargalhadas e troca de ideias a ecoarem pelo auditório, o orador sugeriu várias músicas que podem servir como orientação para a gestão cristã de uma organização.
Em primeiro lugar, o tema “Como Lluvia Suave” dos Gen Verde, o amor é representado como a chuva suave que nos permite conectar e encontrar a saída de “(…) un mar de dolor /
Hay solo desesperación / Sumida por el grito mudo / De la indiferencia” (em português, “um mar de dor / onde há só desespero / submerso pelo grito mudo / da indiferença”).
O professor da Nova SBE elegeu igualmente os temas de Gospel (nomeadamente, a versão gospel de “Happy” de Pharrel Williams que apresentou) que simbolizam também o que deve ser o ideal cristão dentro de uma empresa: tanto o seu ritmo como a sua mensagem emanam a vitalidade de quem é fraterno, de quem quer amar e sabe estar presente junto do seu Próximo.
Dos Estados Unidos para Portugal, chega-nos Mariza, com o seu tema Melhor de Mim, a par da homenagem a Carlos do Carmo, realizada pela Rádio Comercial no aniversário do músico há sete anos, ambas mostrando como a música “vibra nas nossas entranhas” e pode aliar a emoção do presente com a comoção da memória e do passado.
E como o ser humano não atinge vitórias sozinho, a música pode igualmente ser local de encontro e de união. O Hino Nacional – nomeadamente a versão cantada na Alameda D. Afonso Henriques pela Selecção Nacional e adeptos após a vitória no Campeonato Europeu de Futebol em 2016 – é, para Ricardo Zózimo, exemplo de como a fraternidade dá frutos – de tal forma, que “até é pecado carregar no Pause”.
Desta vez, Ricardo Zózimo não dissertou sobre uma das suas áreas de estudo favoritas – os processos chave associados à criação de um impacto positivo na sociedade através da gestão de negócios lucrativos. Afirmou, sim, que todos os gestores podem ser um “Fernando Santos” nas suas empresas: basta atraírem os seus trabalhadores através da música, criarem a playlist da sua organização e não deixarem de acreditar que a podem transformar através de uma liderança baseada em Cristo. Bem a propósito, foi com o tema ‘Don’t Stop Believin’ de Journey que encerrou a sua original apresentação.
“Demonstrar interesse pelos outros e criar uma comunidade é o factor chave para se construir harmonia no trabalho que, muitas vezes, resolve os problemas de uma forma quase milagrosa”
PAULO BARRADAS – Bluepharma
“Há momentos em que precisamos de fazer tudo para não sermos indiferentes”. Foi o que sentiu Paulo Barradas, CEO da Bluepharma quando, há 40 anos, olhava para o povo português e tinha a noção de que este era o que mais trabalhava para pagar medicamentos, arranjar casa ou educar os filhos. E a factura só ficava mais pesada com um Estado que não pagava a horas.
Por isso, na sua cabeça só ecoava uma pergunta: “como posso melhorar a vida dos portugueses?”. A resposta foi, nas suas palavras, simples: era necessário lutar contra a desindustrialização portuguesa para gerar valor que pudesse ser redistribuído.
Da sua pequena farmácia em Pedrógão Grande, percebeu que tinha de inverter o ciclo de empobrecimento português na área dos medicamentos, visto que há décadas que as importações dos mesmos eram muito superiores às exportações. Por isso, foi sem hesitar que pegou na antiga fábrica da Bayer em Coimbra e apostou na produção de medicamentos genéricos, acessíveis para todos e com a ressalva de serem produzidos em território nacional.
Para Paulo Barradas, a comunicação na Bluepharma é uma das suas principais armas: demonstrar interesse pelos outros e criar uma comunidade é o factor chave para construir uma harmonia no trabalho que, muitas vezes, resolve os problemas de uma forma quase milagrosa”.
Nas últimas décadas, o desenvolvimento da indústria farmacêutica genérica em Portugal permitiu uma democratização no acesso ao medicamento: com uma redução de gastos mensais na ordem dos 10%, os utentes que recorrem a medicamentos genéricos não têm, e de acordo com vários estudos de entidades europeias e nacionais, uma quebra (pelo menos significativa) na sua qualidade de vida.
Todavia e para o CEO da Bluepharma desde 2001, os 50% da quota de mercado de que a empresa goza neste momento, não o impediram de procurar e consumar outras iniciativas. E, como conta, na procura por uma casa de férias em Portugal acabou por se entregar a mais um projecto que professa uma “economia para as pessoas”. Em 2014, abriu em Monforte (terra natal da sua mãe) o Torre de Palma – Wine Hotel, que, em pouco mais de oito anos, emprega 45 pessoas e já ganhou um lugar entre as iniciativas de maior sucesso do interior alentejano.
Na tentativa de encontrar um refúgio, Paulo Barradas, o homem e não o gestor, rendeu-se à sua vocação: aproveitar todas as oportunidades para servir.
Uns dias melhor, outros pior – mas colocando sempre a dignidade das pessoas em primeiro lugar.
“É preciso não ter medo do que não é óbvio”
PATRÍCIA LIZ – Savills
É, desde 2018, CEO da Savills Portugal, uma imobiliária especializada em escritórios e em outros tipos de propriedades comerciais, mas o trajecto que percorreu ao longo de toda a sua vida profissional foi não só sinuoso, como de verdadeira coragem e gosto pelo risco.
Patrícia Liz iniciou a sua carreira com apenas 19 anos e passou por vários cargos e organizações até ter decidido, aos 26, criar a sua própria empresa de consultoria em soluções de arquitectura para escritórios e entrega de projectos “chave-na-mão” aos 26. Não demorou muito até conseguir que o marido, Paulo Silva, abraçasse igualmente o seu espírito empreendedor, mesmo sem valências específicas da área, na medida em que este tinha dedicado a vida inteira à economia e às instituições financeiras e, em 2000, nasceria a Cosmopolita, uma consultora imobiliária. Poucos anos mais tarde, decidiram fundir as duas empresas e deram início à gestão a quatro mãos.
Em 2011, foram convidados a associar-se a uma empresa espanhola, mas a crise no imobiliário veio pôr à prova a resistência de Patrícia e a sua visão do que é uma gestão cristã: os demais sócios da empresa decidiram que o despedimento de colaboradores seria a forma mais fácil de cortar custos, opção que Patrícia e o marido recusaram prontamente.
Assim, transformaram a sua força de casal no maior motor da empresa e puseram mãos à obra para reduzir custos sem recorrerem a despedimentos: mudaram de instalações, reduziram as despesas fixas e adaptaram as necessidades mais prementes.
A partir daí, os olhos com que passaram a gerir a empresa aproximaram-se dos olhos de Deus, focando-se “no que nem sempre é óbvio”. A compra da empresa espanhola pela multinacional britânica Savills (que, em Portugal, passou de 43 para 122 trabalhadores entre 2018 e 2022) trouxe-lhes uma entre novas certezas: uma avaliação curricular vale pouco quando se sente a vontade de transformar. Um dos exemplos desta força transformadora que Patrícia Liz partilhou com a plateia foi a contratação de um vendedor de fatos a quem e sem qualquer experiência na área, foi dada a oportunidade para crescer dentro da empresa ao longo de 15 anos (chegando a ocupar o cargo de director do departamento de investimento). E quando novos desafios o chamaram, foi Patrícia Liz em conjunto com marido que o motivaram a sair e a aceitar percorrer este novo caminho.
O mesmo aconteceu com uma recente candidata à Savills que, depois de ter sido despedida de uma forma fria e desumana do seu anterior local de trabalho, foi entrevistada pela líder da Savills. Mais do que uma simples proposta de emprego, Patrícia Liz acabaria por lhe transmitir a força que lhe faltava para arriscar. Por isso, a candidata recusou a oferta da Savills e enveredou por algo que também não era óbvio para si mesma: a área da educação.
Para Patrícia Liz, a realidade que transforma a empresa, o tema que deu o mote ao painel que integrou no congresso da ACEGE, não vem dos méritos nem dos sucessos objectivos: alcança-se com a serenidade de quem simplesmente aceita o que vai surgindo no caminho, por mais complexo ou inusitado que seja. E é isso que pede a Deus todos os dias: não ter medo do que não é óbvio.
“Há que implementar novas políticas e procedimentos que potenciem a economia sustentável”
MANUEL TOVAR, The Loop Co
Foi igualmente com a “música da tecnológica portuguesa The Loop Co.” que Manuel Tovar, um dos seus fundadores, encerrou o painel sobre o poder transformador das empresas.
Através da adopção de modelos de negócio com base na Economia Circular, Manuel Tovar acredita plenamente que a aposta no propósito social e ambiental das empresas é rentável e que estamos a assistir ao nascimento de uma nova economia na qual o lucro não é o único critério ou fim a atingir.
E é essa a experiência e o propósito da The Loop, que começou “ainda nos tempos de escola”, quando um grupo de amigos decidiu criar a Book in Loop, uma plataforma de reutilização de manuais escolares que tem permitido às famílias portuguesas pouparem 80% nos livros para a escola.
Gozando de um forte impulso através do investimento do Fundo Bem Comum promovido pela ACEGE, e tendo como desígnio a procura de impacto ambiental e social neste modelo de reutilização de livros, a empresa cresceu e estendeu a sua esfera de acção a diferentes sectores e marcas de bens duradouros, como por exemplo a electrónica, o têxtil ou a puericultura, reduzindo a pegada carbónica de todos os seus projectos e criando novas revenue streams, que sustentam e potenciam hoje o seu sólido desenvolvimento.
Nesse sentido, Manuel Tovar deixou um forte apelo a todos os presentes e a todas as empresas, independentemente da sua dimensão ou sector, para que implementem novas políticas e procedimentos que potenciem a economia sustentável, o ambiente e o planeta em que vivemos.
Fotos: © António Vale
Alexandre Abrantes Neves
Diretor RedEscolas AntiCorrupção powered by All4Integrity. Estudante de Comunicação Social e Cultural na Universidade Católica Portuguesa e colaborador no jornal digital 7Margens.