No maior estudo já realizado sobre os sentimentos dos jovens face ao seu futuro num planeta crescentemente fustigado pelas alterações climáticas, Portugal é o país ocidental que mais preocupação expressa relativamente aos eventos climáticos extremos. Esta ansiedade climática e os fardos psicológicos (emocionais, cognitivos, sociais e funcionais) decorrentes do desafio global mais importante de todos estão a afectar profundamente um grande número de jovens em todo o mundo. Em 10 mil entrevistados, 77% afirmaram que o futuro se afigura como assustador. E hipotecado
POR HELENA OLIVEIRA

As alterações climáticas têm implicações significativas para a saúde e o futuro das crianças e dos jovens, com estes a terem um poder muito exíguo para limitar os seus danos, tornando-os vulneráveis ao aumento da ansiedade climática. Estudos qualitativos mostram que a ansiedade climática ou ecológica está associada a percepções de acções inadequadas por parte dos adultos e governos, ao que se juntam sentimentos de traição, abandono e danos morais. 

Um estudo publicado recentemente e que oferece a primeira investigação em larga escala sobre a ansiedade climática, inquirindo 10 mil jovens entre os 16 e os 25 anos, de 10 países – Portugal incluído – aponta para um enorme pessimismo nesta faixa etária: na verdade, a maioria dos inquiridos acredita que “a humanidade está condenada”.

O estudo, intitulado “Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury: A Global Phenomenon” [“As Vozes dos Jovens sobre a Ansiedade Climática, Traição Governamental e Lesão Moral: Um Fenómeno Global”, em tradução livre] foi realizado por académicos pertencentes a várias universidades tendo como objectivo aferir a denominada “ansiedade climática” e o que sentem estes jovens face às respostas – ou à ausência de respostas – por parte dos seus respectivos governos. 

Este é o maior e mais global inquérito sobre a ansiedade climática entre os jovens até à data e mostra que os fardos psicológicos (emocionais, cognitivos, sociais e funcionais) decorrentes das alterações climáticas estão a afectar profundamente um grande número de jovens em todo o mundo. Além disso, é o primeiro estudo a oferecer uma visão de como a percepção dos jovens sobre as respostas dos governos às alterações climáticas estão associadas às suas próprias reacções emocionais e psicológicas. Estas reacções são relatadas por jovens de um conjunto diversificado de países, com backgrounds variados e diferentes níveis de exposição directa aos graves efeitos das alterações climáticas.

Os autores do estudo recorreram a estudos previamente realizados que mostravam já que o sofrimento psicológico no que respeita às alterações climáticas é uma realidade, com repercussões afectivas, cognitivas, e comportamentais. Os impactos directos das alterações climáticas sobrecarregam desproporcionadamente crianças e jovens, uma vez que estes se estão a desenvolver psicológica, física, social e neurologicamente. As provas emergentes sugerem que os jovens se sentem mais oprimidos com os impactos das alterações climáticas, os quais geram ansiedade climática, que afecta a saúde psicossocial e bem-estar, e pode exacerbar problemas de saúde mental preexistentes. 

De um modo geral, os inquiridos mostraram-se preocupados com as alterações climáticas (59% muito ou extremamente preocupados, 84% pelo menos moderadamente preocupados). Mais de 50% afirmaram sentir-se tristes, ansiosos, zangados, impotentes, indefesos e culpados. Mais de 45% afirmaram que os seus sentimentos sobre as alterações climáticas afectam negativamente a sua vida quotidiana e o seu funcionamento, e muitos relataram um elevado número de pensamentos negativos sobre esta última. No geral, os inquiridos classificaram a resposta governamental às alterações climáticas de forma negativa e relataram mais sentimentos de traição do que de tranquilidade. As correlações indicam assim que a ansiedade e angústia climática estão significativamente relacionadas com a percepção de uma resposta governamental inadequada e sentimentos associados de traição.

À medida que as pessoas se tornam cada vez mais conscientes das actuais e futuras ameaças globais associadas ao aquecimento global do planeta, a ansiedade climática ou a eco-ansiedade (angústia relacionada com o clima e as crises ecológicas) está a aumentar em toda a sociedade, com a crise climática a ter implicações significativas a longo prazo para a saúde mental como resultado dos eventos climáticos extremos, os quais incluem desde tempestades e incêndios florestais a paisagens em mudança e aumentos significativos das temperaturas. São relatados níveis significativos de aflição relacionados com o clima a nível mundial, com crianças e jovens a serem particularmente afectados. A investigação qualitativa desde 2010 concluiu que muitas crianças têm visões pessimistas sobre o futuro do clima e, consequentemente, da própria Humanidade. Pais e educadores relatam igualmente a grande preocupação dos jovens com as alterações climática, na medida em que existe a noção de que estes irão viver com a crise climático ao longo de toda a sua vida. 

O stress psicológico das alterações climáticas baseia-se igualmente em factores relacionais; outros estudos demonstram a existência de uma camada adicional de confusão, traição e abandono devido à inacção dos adultos face ao mais global dos desafios. Como também é sabido, são muitos os jovens que estão a recorrer a acções judiciais baseadas nas falhas dos governos em proteger os ecossistemas e o seu futuro, em conjunto com o fracasso da responsabilidade ética de cuidar do planeta, o que conduz a lesão moral (as consequências psicológicas angustiantes que se experimentam quando se perpetua e/ou testemunha acções que violam a moral ou as crenças fundamentais), incluindo a consciência de e/ou a incapacidade de prevenir comportamentos antiéticos prejudiciais. Ao pôr em perigo e prejudicar as necessidades humanas fundamentais, a crise climática é também uma questão de direitos humanos. De acordo com o presente estudo, o sofrimento decorrente da ansiedade climática pode ser considerado cruel e desumano, degradante ou tortuoso.

“Para nós a destruição do planeta é um assunto pessoal”

Apesar de serem os países do Sul Global os que mais preocupações expressam relativamente aos eventos climáticos extremos, no Norte Global sobressai Portugal como o país que maior ansiedade climática sente, devido em muito aos traumáticos incêndios que assolaram o país em 2017. 

Como anteriormente mencionado, os jovens inquiridos demonstraram um conjunto de emoções negativas, com mais de 50% dos inquiridos a dizer que sentem medo, tristeza, ansiedade, raiva, impotência e culpa. As emoções menos relatadas foram o optimismo e indiferença. Os inquiridos manifestaram uma série de pensamentos negativos, com 77% a afirmar que o futuro se afigurava como assustador. Os resultados dos pensamentos e sentimentos sobre as alterações climáticas variaram significativamente por país, mas foram expressos de forma clara em todas as populações inquiridas. 

Nos 10 países inquiridos – Austrália, Brasil, França, Finlândia, Índia, Nigéria, Filipinas, Reino Unido, Estados Unidos da América e Portugal – os sentimentos mais manifestados no que respeita às alterações climáticas e ao futuro incidiram sobre o facto de os adultos terem falhado em cuidar do planeta, de o futuro ser assustador, de a humanidade estar condenada, de terem menos oportunidades do que os seus pais, da ameaça à segurança da sua família e da hesitação em terem filhos. Como já referido, Portugal é, entre os países ocidentais, aquele que mais se destaca neste conjunto de preocupações.

Adicionalmente, e quando inquiridos sobre as acções dos governos dos seus países, os jovens inquiridos apontam para o facto de estes estarem a falhar no que respeita ao cuidado que deveriam ter consigo mesmos, às mentiras sobre o impacto das acções tomadas, à ausência de preocupação com a angústia que os rodeia, à traição relativamente a si mesmos e às gerações futuras, ao não alinhamento com a ciência climática, ao facto de não se sentirem protegidos, bem como o planeta e as gerações futuras, à inexistência de confiança e ao fracasso de não estarem suficientemente motivados para evitar uma expectável catástrofe. 

De acordo com os autores do estudo, estes níveis elevados de angústia, impacto funcional e sentimentos de traição terão inevitavelmente impacto na saúde das crianças e dos jovens. A ansiedade climática pode não constituir uma doença mental, mas as realidades das alterações climáticas a par das falhas governamentais apresentam-se como crónicas, de longo prazo e constituindo factores potenciais de stress inescapáveis, o que leva a crer que os problemas de saúde mental irão agravar-se.

Este comportamento de adultos e governos pode ser visto como uma cultura de “descuido” significativa. Desta forma e como sublinham os autores, a ansiedade climática em crianças e jovens não deve ser vista como simplesmente causada por um desastre ecológico, mas também pela inacção dos “outros” mais poderosos (adultos e governos) no que se refere a estas gigantescas ameaças ao planeta e à Humanidade.  

A sensibilização dos jovens para as alterações climáticas e a inacção dos governos são vistas pelos autores como estando associadas a sequelas psicológicas negativas. A lesão moral tem sido descrita como “um sinal de saúde mental, não de desordem… um sinal de que a consciência está viva”, mas inflige danos  significativos, uma vez que os governos estão a transgredir crenças morais fundamentais sobre cuidados, compaixão, saúde planetária, e pertença ecológica. Esta perspectiva pessoal, colectiva e ecológica está bem resumida nas palavras de um jovem de 16 anos: “Penso que é diferente para os jovens. Para nós, a destruição do planeta é um assunto pessoal”. 

E tem toda a razão.

Editora Executiva