A IA permite muitas coisas, mas permite realmente substituir-se à empatia humana? Penso que não. A máquina reage a estímulos, a sinais, a linguagens, pode compreender, adaptar, modificar, mas de forma alguma pode empatizar. Este verbo é fundamental para olhar para o papel do humano ao utilizar a ajuda da AI
POR RICARDO ZÓZIMO

Eu até nem sou muito de séries mas, de tempos a tempos, os meus filhos e eu começamos a ver uma série que religiosamente acompanhamos juntos. De tal forma que até chegamos a cometer o pecado de jantar em frente da série a comer o prato de colher em vez de jantarmos ao redor da mesa com talheres e maneiras próprias.

A série que estamos a ver neste momento (passe a publicidade) chama-se Person of Interest e destaca-se por ser um thriller criminal de alta tecnologia passado em 2013. A série tem todos os ingredientes de um (muito bom) policial contado através de uma história principal: uma super-máquina, criada por seres humanos, encontra uma forma de comunicar crimes que vão acontecer no futuro e assim, trabalhando em conjunto com estes mesmo seres humanos, ajuda a salvar pessoas. Diria que é assim um conto de natal bastante moderno.

De ver esta série e das conversas que tenho tido, retiro principalmente três grandes ideias que gostava de reflectir convosco: a ideia de o melhor dos homens e o melhor das máquinas ser a melhor combinação possível, as questões da nossa relação com a tecnologia e finalmente as oportunidades da tecnologia para o bem comum.

A meio da terceira temporada (de cinco) o programador da máquina diz ao seu parceiro uma frase chave: “a máquina não salva vidas, depende de nós para as salvar”. Esta frase é vital para compreender como devemos olhar para IA. A IA permite muitas coisas, mas permite realmente substituir-se à empatia humana? Penso que não. A máquina reage a estímulos, a sinais, a linguagens, pode compreender, adaptar, modificar, mas de forma alguma pode empatizar. Este verbo é fundamental para olhar para o papel do humano ao utilizar a ajuda da AI.

O papel do humano é desenvolver conexão com outros humanos mesmo com a ajuda de máquinas. Não é regurgitar tudo o que a máquina diz, ou copiar todos os conselhos da máquina. É empatizar com os contextos, situações e emoções daqueles que estão à nossa volta e humanizar a relação com eles com a ajuda da IA. O papel da máquina como acelerador é inequívoco, assim como é o papel do humano.

E leva esta primeira reflexão ao segundo ponto. Qual é o papel da tecnologia na nossa vida? Há uns meses ao falar do uso do telemóvel, um aluno disse-me “Ricardo, tu não estás a perceber, o telemóvel não é uma coisa que eu tenho, o telemóvel é uma extensão de mim”. Na altura aquela frase chocou-me pois o meu cérebro derivou rapidamente para os efeitos ou perigos que poderia ter se a minha mão ou pé fossem controlados por uma empresa ou por um governo. Que parte de mim próprio poderia eu controlar em segurança? Mas na realidade isto já está a acontecer.

Deixem-me dar um exemplo concreto – muitos de nós usam os aplicativos de mapas e caminhos (GoogleMaps, Waze)  sem pensar muito. O que quero dizer é que este controlo das nossas funções, como a mobilidade, já está a acontecer de uma forma quase automática. É como se o controlo e o benefício da tecnologia fossem uma face da mesma moeda. Se estamos então a ser controlados nas nossas práticas e comportamentos por forças como a IA, então penso que faz sentido perguntar em que é que esta tecnologia especifica beneficia a nossa vida. Uma rápida busca no ChatGPT ou no Bard (claro) explicam que a IA pode facilitar processos repetitivos, oferecer experiencias personalizadas, melhorar os cuidados de saúde, desenvolver melhores políticas e, claro, proteger o meio ambiente. Será a IA mesmo uma resposta para tudo isto?

Queria ir mais longe neste ponto. Será que faz sentido discutir a nossa relação com a tecnologia sem discutir as questões morais, éticas e espirituais associadas? Por exemplo a questão da temporalidade. Tudo o que se acede através de IA permite ter acesso a sumários do melhor conhecimento do mundo em segundos. Será que isso não implica (re)interpretar o tempo e esforço que demora a fazer um projecto de uma forma diferente? Será que damos o mesmo valor a uma informação obtida através de IA ou a uma informação construída ao longo de anos de esforço e experiência? Como vamos saber ver e analisar a diferença? Todas estas perguntas (e são muitas!) chamam a atenção para uma questão central da IA – a necessidade de transparência. Existe um professor aqui na NOVASBE que faz os alunos inventarem perguntas para as quais a IA não tem resposta para os alunos poderem ver o que a máquina faz quando deixa de saber responder. Conseguem imaginar? A máquina infere. Isto é interessante pois mostra que a verdade também é construída pela máquina e assim todos nós temos de criar um sentido crítico apurado ao aceder a IA.

Se chegaram até aqui neste artigo (espero que sim) penso que poderão estar a pensar nos grandes desafios ou nas grandes oportunidades de IA para as vossas empresas e organizações. Eu tenho esta certeza: a disrupção que a IA oferece está ao serviço das empresas e do seu bem comum, se, e claro este é um grande SE, os gestores se aproximarem da IA e não abusarem da IA. Neste momento vemos empresas como a Team Jorge (vejam esta reportagem impressionante no The Guardian que oferecem os seus serviços de IA para criar caos e campanhas de má publicidade contra empresas específicas. Este não é um serviço de bem comum. A IA pode melhorar processos, trazer rapidez, melhorar a experiência dos clientes, ajudar a empresa a compreender melhor o seu futuro e claro a detectar fraudes. Estas são utilizações do bem comum.

Este é um tema que veio para ficar. A verdadeira IA irá seguramente criar novas referências culturais, mas o Natal será sempre o Natal, um espaço de partilha e de esperança. Neste Natal falem de IA e do que de bom se pode fazer com ela – e se precisarem de ajuda e ideias não vão ao ChatGPT – leiam antes este artigo da TIME.

Um feliz Natal para todos.

Professor Universitário de Empreendedorismo e Sustentabilidade na Nova SBE