Numa atitude surpreendente e controversa, a Meta, a empresa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou a sua decisão de pôr fim às suas iniciativas de verificação de factos. A decisão tem suscitado um debate generalizado, levantando questões sobre o papel das empresas tecnológicas no controlo da desinformação e as implicações mais vastas para a sociedade
POR HELENA OLIVEIRA
À medida que a influência das redes sociais continua a crescer, a ausência de mecanismos de verificação de factos apresenta desafios significativos para a integridade da informação, a confiança nas instituições e os processos democráticos.
Aliás, e como referido no mais recente relatório sobre os Riscos Globais publicado pelo Fórum Económico Mundial (em análise nesta edição) e em antecipação à reunião de líderes em Davos que teve início na passada segunda-feira, a proliferação de notícias falsas e de desinformação constitui o 3º risco mais grave identificado para 2025, estimando-se que chegue ao topo dos riscos em 2027.
O anúncio da Meta [dona do Facebook, Instagram e WhatsApp] – no blogue da empresa de Mark Zuckerberg – de terminar o seu programa de verificação de factos marca assim um novo ponto de viragem na batalha contra a desinformação nas redes sociais. Outrora anunciado como uma iniciativa fundamental para combater as falsas narrativas e promover um discurso verdadeiro, o fim do programa levanta questões prementes sobre as responsabilidades dos gigantes da tecnologia na contenção da propagação de notícias falsas. Com milhares de milhões de utilizadores a depender de plataformas como o Facebook e o Instagram para obter informações, a decisão tem vindo a suscitar debates sobre o futuro da confiança online, o papel da inteligência artificial e o delicado equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade.
Com o fim da verificação de factos certificada e a passagem para as “notas da comunidade”, para já somente nos Estados Unidos, a Meta junta-se assim à cada vez mais polémica rede social X (anterior Twitter) do multimilionário Elon Musk, dando primazia à “liberdade de expressão” e à moderação feita pelos próprios utilizadores.
Na verdade e para os observadores, Mark Zuckerberg, em conjunto com outros gigantes tecnológicos, não ousou deixar passar a oportunidade de agradar ao recém-empossado presidente americano, Donald Trump, com o intuito de impulsionar políticas que favoreçam a sua empresa. Aliás, os três homens mais ricos do mundo e os maiores titãs da tecnologia, Musk, Zuckerberg e Jeff Bezos, da Amazon, tiveram lugar de destaque na cerimónia da tomada de posse do 47º presidente dos Estados Unidos, tendo este último prometido que iria “devolver a liberdade de expressão” à América.
É preciso não esquecer que Donald Trump sempre criticou os esforços de verificação de factos das plataformas de redes sociais, rotulando-as frequentemente de tendenciosas contra os pontos de vista conservadores. Durante e após a sua primeira presidência, Trump argumentou que plataformas como o Facebook e o (antigo) Twitter utilizavam a verificação de factos como uma ferramenta para suprimir o discurso conservador sob o pretexto de combater a desinformação. Descreveu frequentemente as medidas de verificação de factos como censura politicamente motivada, alinhando a sua posição com uma crítica conservadora mais ampla às grandes tecnologias.
E, para a comunicação social norte-americana e muitos outros críticos, esta oposição pode ter contribuído para pressões políticas mais amplas que influenciaram a decisão do Meta de pôr fim às suas iniciativas de verificação independente de notícias, reposicionando-se, como o próprio patrão da Meta afirmou, como uma plataforma “neutra, centrada” – ou escudada – “na liberdade de expressão e não na moderação de conteúdos”.
Mas voltemos um pouco atrás na história.
Em Dezembro de 2016, o programa de verificação de factos da Meta foi introduzido em resposta às crescentes críticas sobre a proliferação de desinformação nas suas plataformas. Em parceria com organizações de verificação de factos de terceiros acreditadas pela International Fact-Checking Network (IFCN), a iniciativa visava assinalar e reduzir a disseminação de conteúdos falsos ou enganadores. As publicações consideradas falsas pelos verificadores de factos eram identificadas com avisos, o seu alcance foi reduzido e os utilizadores eram direccionados para fontes de informação verificadas.
Todavia e apesar de na altura ter sido considerado um passo em frente no que respeitava a uma tentativa de atenuar o efeito da manipulação de dados, o programa foi alvo de críticas. Alguns acusaram a Meta de parcialidade na seleção dos parceiros de verificação de factos, enquanto outros argumentaram que as medidas eram insuficientes para combater a escala da desinformação. No entanto, a iniciativa representou um passo significativo para abordar uma questão crítica na era digital. E o seu termo marca um ponto de viragem na forma como as redes sociais lidam com a moderação de conteúdos e a responsabilidade.
Desta forma, para além do já anteriormente exposto e numa altura em que o problema da desinformação e das notícias falsas atinge proporções verdadeiramente preocupantes, que principais implicações poderá ter a decisão da Meta na sociedade em geral?
Implicações para a sociedade: desinformação, confiança e o papel das redes sociais no discurso público
Sem a verificação dos factos, é provável que o volume e o alcance da desinformação nas plataformas da Meta aumentem. Os algoritmos das redes sociais dão prioridade ao envolvimento, amplificando frequentemente conteúdos sensacionalistas ou polarizadores, independentemente da sua exactidão. Neste ambiente, as narrativas falsas podem espalhar-se sem controlo, moldando a opinião pública e influenciando o comportamento de milhares de milhões de utilizadores.
Adicionalmente, o aumento das ferramentas de IA generativa agrava ainda mais esta questão, permitindo a criação de conteúdos falsos realistas, como vídeos deepfake e artigos gerados por IA. Sem contramedidas, os utilizadores podem ter dificuldade em discernir os factos da ficção, o que leva a uma confusão e manipulação generalizadas.
Por outro lado, a desinformação visa frequentemente instituições de confiança, incluindo governos, meios de comunicação social e organizações de saúde. Ao minar a confiança do público, as falsas narrativas enfraquecem a coesão social e criam um terreno fértil para as teorias da conspiração. Por exemplo, durante a pandemia de COVID-19, a desinformação sobre vacinas e tratamentos minou os esforços de saúde pública, contribuindo para a hesitação em vacinar e para a resistência relacionada com as medidas de segurança existentes.
Sem a verificação de factos, plataformas como o Facebook e o Instagram correm o risco de se tornarem câmaras de eco que reforçam a desconfiança nas instituições estabelecidas. Esta erosão da confiança tem consequências de grande alcance, incluindo a diminuição do empenhamento cívico e o aumento da polarização.
A grande probabilidade de prejudicar os processos democráticos constitui outra preocupação legítima no que respeita ao fim da verificação de factos, na medida em que as eleições, por exemplo, são particularmente vulneráveis à disseminação de desinformação. Alegações falsas sobre candidatos, tácticas de supressão de eleitores e narrativas enganosas sobre a integridade eleitoral podem influenciar o comportamento dos eleitores e minar a confiança nas instituições democráticas, especialmente em regiões com fracos controlos institucionais.
Por outro lado, as comunidades mais marginalizadas são frequentemente afectadas de forma desproporcionada pela desinformação, que pode alimentar a discriminação e a violência. Por exemplo, a informação falsa dirigida a grupos religiosos ou étnicos levou a distúrbios em países como Myanmar e a Índia. As plataformas da Meta têm sido criticadas por não abordarem estas questões de forma eficaz, e a ausência de verificação de factos pode exacerbar os danos causados às populações mais vulneráveis e com menor capacidade pare distinguir a mentira da verdade.
Assim, e ao enquadrar a decisão como uma mudança no sentido de dar poder aos utilizadores, a Meta coloca o ónus do discernimento da verdade nos indivíduos. Embora as iniciativas de literacia mediática sejam essenciais, não substituem as medidas sistémicas de combate à desinformação. Muitos utilizadores não têm tempo, experiência ou recursos para verificar a informação, o que os torna susceptíveis à manipulação.
E qual o papel dos governos e da sociedade civil?
Com a Meta a afastar-se da verificação de factos, a responsabilidade de combater a desinformação recai cada vez mais sobre os governos, as organizações da sociedade civil e os meios de comunicação social independentes. Esta mudança apresenta diversos desafios que não podem ser relegados para segundo plano. A saber:
Estruturas regulatórias: Os governos devem estabelecer regulamentos claros e equilibrados para lidar com a desinformação, respeitando a liberdade de expressão. O exagero pode levar à censura, enquanto a falta de regulamentação deixa o problema sem solução.
Reforçar os meios de comunicação independentes: O apoio ao jornalismo independente é crucial para fornecer informações precisas e fiáveis. As organizações de verificação de factos e os jornalistas de investigação desempenham um papel vital na responsabilização de entidades poderosas e na desmistificação de narrativas falsas.
Promover a literacia mediática: As iniciativas educativas destinadas a melhorar a literacia mediática podem capacitar os indivíduos para avaliarem criticamente a informação. As escolas, as universidades e as organizações comunitárias devem dar prioridade a estes esforços para criar resistência contra a desinformação.
Inovação tecnológica: Os avanços na tecnologia podem ajudar a combater a desinformação. As ferramentas de IA podem identificar e assinalar conteúdos falsos, enquanto a tecnologia de blockchain oferece potenciais soluções para verificar a autenticidade da informação.
Em suma, a decisão da Meta de acabar com a verificação de factos marca um momento crucial na batalha em curso contra a desinformação. Embora a lógica da empresa reflicta desafios mais vastos, as implicações para a sociedade são profundas. A disseminação de notícias falsas ameaça a confiança, a coesão e a democracia, apresentando riscos que vão para além do domínio digital.
Para enfrentar estes desafios, é necessária uma abordagem multifacetada que combine supervisão regulamentar, inovação tecnológica e esforços de base. À medida que o papel dos media sociais evolui, a comunidade global tem de se confrontar com a questão: que responsabilidade têm as empresas de tecnologia na formação do ecossistema de informação? A resposta definirá o futuro da verdade na era digital.
Imagem: © Amador Loureiro/Unsplash.com
Editora Executiva