Brindado com uma profunda educação presbiteriana católica, o fundador do império Heinz vive a amargura duma falência dolorosa, mas a sua Fé, integridade e tenacidade vão levar à criação de um império empresarial notável
POR JOÃO RODRIGUES PENA
Fundador do império Heinz, Henry John Heinz (1844 – 1919) assentou toda a sua carreira empresarial nos princípios cristãos que sempre guiaram a sua vida desde jovem. Acreditava firmemente que o seu sucesso era um resultado direto de sua Fé em Deus. Empenhado em ajudar as pessoas a darem sempre o seu melhor, a motivação para a produção em massa do seu ketchup nasce da visão de uma boa oportunidade de criar valor, mas ao mesmo tempo facilitar a vida das donas de casa. Foi um verdadeiro exemplo de como uma pessoa deve conduzir a sua vida com um profundo espírito cristão, um testemunho do seu carácter invulgar que permanece bem vivo no legado de empresário católico que deixou.
As origens e a juventude de H.J. Heinz
Henry John (H.J.) Heinz nasceu em Birmingham, Pensilvânia, filho de John Henry Heinz (1811-1891) e Anna Margaretha Schmidt (1822-1899). John Henry nasce em Kallstadt, que na época fazia parte do Reino da Baviera, e em 1840 emigra para Birmingham, onde conseguiu um emprego numa fábrica de tijolo. Em 1843 conhece e casa-se com Anna, também ela uma emigrante alemã. Quando Henry tinha cinco anos de idade, a família muda-se para Sharpsburg onde o pai se lança no negócio de fabricação de tijolos por conta própria.
Anna, mãe de Henry era filha de um fazendeiro e administrador da igreja, Johann Adam Schmidt criada na fé cristã calvinista, devido à sua origem em Hesse-Kassel, um território protestante reformado (calvinista). O Pai de Henry John Heinz, John Heinz, era por sua vez luterano. É por isso natural que educação de HJ Heinz fique profundamente marcada pelos princípios cristãos dos seus pais.
Ainda muito jovem, Henry ajuda a sua mãe a fazer e vender pickles. Ao mesmo tempo decide vender rábano ralado caseiro em frascos de vidro transparente, para que os seus clientes pudessem ver que não estavam a ser enganados com adição de nabos ou polpa de madeira ao seu produto. Aos 12 anos, já tem a sua própria horta que cuida com zelo e habilidade. Pouco mais tarde o negócio evolui e estabelece uma parceria com o amigo L. Clarence Noble., fundando a Heinz Noble & Company.
O trajeto profissional e a obra empresarial de H.J. Heinz
Quando termina o liceu, Henry ingressa numa das melhores universidades de negócios do País totalmente financiado com o que ganhara nas suas vendas de vegetais. Enquanto estuda, contrata trabalhadores para ajudar, o negócio prospera e em 1869 casa-se com Sarah Sloan Young, de ascendência escocesa-irlandesa e uma educação na Igreja Presbiteriana. Tiveram cinco filhos criados como presbiterianos. Mas poucos anos depois uma combinação de safras irregulares e a incapacidade de obter financiamento bancário leva a empresa à falência.
Em 1876 H.J. funda uma nova empresa, F & J Heinz, com seu irmão John Heinz e um primo, Frederick Heinz. A empresa foi um sucesso, acabando por abranger todo o País e ficando famosa pela produção orgânica de qualidade, a sua publicidade inovadora e a oferta dum ambiente de trabalho familiar com benefícios inovadores para os seus trabalhadores
Mas Henry John ainda carregava às costas o peso da falência da sua primeira empresa. Apesar de não estar legalmente obrigado, sentiu que a coisa certa a fazer era pagar completamente o que devia. E no espaço de apenas alguns anos liquidou todas as suas dívidas, aumentando tremendamente a sua credibilidade junto dos empresários locais e criando muitas amizades. De facto, o seu novo negócio foi tão bem-sucedido que começou a conceder empréstimos aos próprios credores a quem tinha pagado na íntegra!
A F & J Heinz continua a crescer e, em 1888, H.J. compra as participações dos seus outros dois sócios e redenomina a empresa como H. J. Heinz Company, nome que a traz até aos dias de hoje. O famoso slogan da empresa, “57 variedades“, foi introduzido pela Heinz em 1896. A verdade é que a empresa já vendia mais de 60 produtos diferentes, mas Heinz disse que escolheu “5” porque era seu número da sorte e “7” por ser o número da sorte da sua esposa Sarah.
A H. J. Heinz Company é constituída em 1905 com H.J. servindo como seu primeiro Presidente, mantendo essa posição até à sua morte em 1919 com 74 anos de idade. Viveu apena 14 anos com a companhia com que sonhara toda a vida. Quando H.J. Heinz morre, a empresa tinha mais de 20 fábricas de processamento de alimentos, herdades de sementes e fábricas de contentores.
Em 2012, a empresa já era há muito um sucesso internacional empregando cerca de 32.000 pessoas em 6 países. A onda de fusões e aquisições da década passada levou a empresa a ser integrada no gigante Kraft Foods, mas a H.J Heinz mantém independência a vários níveis, emprega 36,000 pessoas e em 2023 registou vendas de 26,64 bio USD e lucros operacionais de 4,5 bio USD.
O impacto da Fé Cristã na vida profissional e pessoal de H.J. Heinz
Quando H.J. Heinz começa a trabalhar muito cedo cultivando vegetais na horta da família e engarrafando rábano para vender nas mercearias locais, a sua mãe tem um papel de enorme influência sobre si. No final da sua vida, recordando o que moldou a pessoa em que se tornou, disse: “Este legado foi deixado pela minha mãe consagrada, que era uma mulher de fé forte e a ela atribuo qualquer sucesso que possa ter alcançado durante a minha vida”. A principal fonte dos ensinamentos da mãe centra-se na Bíblia, mas ela procura deixar claro a H.J. “para não tornares a tua religião tão estreita que não seja atraente para os outros e nem a tornar tão ampla que não deixe alicerces fortes sobre o qual se apoiar”.
A sua Fé e os princípios cristãos da sua educação estão consigo nos piores momentos da sua vida … e não sem sofrimento. Quando a sua empresa abre falência, H.J. tinha 31 anos e estava doente. Instala-se a angústia. Como iria ele cumprir o último salário dos seus fiéis funcionários, sem falar nos presentes de Natal para sua esposa e os dois filhos? Para um trabalhador árduo que vinha aprimorando as suas habilidades empreendedoras desde os oito anos, esse fracasso é devastador. Tinha trazido fielmente todos os seus princípios cristãos para os seus negócios e nunca tinha conhecido um dia sem trabalho – mas de repente está desamparado.
Em outubro daquele ano fatídico de 1875, H.J luta para cumprir os seus compromissos financeiros e evitar a falência. Em novembro, escreve no seu diário: “Tenho dois mil dólares de dívidas a vencer amanhã, mas nem um centavo para pagar”. Em dezembro, o fim tinha chegado. Ele cumpre o último dia de pagamento com dinheiro emprestado da sua esposa – dinheiro do dote do seu casamento que ele mantinha numa conta em nome dela. H.J. Heinz considerava cada uma das dívidas pendentes da empresa como uma obrigação moral e sabia que tinha de pagar pessoalmente cada centavo.
Mas nesse mesmo Natal recebe um presente inspirador. Sem dinheiro para coisas materiais, a mãe de H.J. Heinz escreve-lhe um cartão com uma lembrança da fidelidade de Cristo e uma oração de bênção sobre seus esforços para sustentar a sua família. Ela termina a sua nota lembrando-lhe que manter a sua vida em Cristo era a coisa mais importante.
H.J. sabia que saldar as dívidas implicava gerar novos rendimentos e em fevereiro, ainda com muitas dívidas, estava pronto para começar de novo e com dinheiro emprestado embarca na maior missão empresarial da sua vida: a F. And J. Heinz Company. E faz o que sempre tinha feito e sabia fazer tão bem: trabalha com toda a sua energia e confia em Deus.
E a suas dívidas? Demorou vários anos, mas H.J. Heinz pagou a todos os credores da sua empresa falida, apesar de não estar legalmente obrigado a fazê-lo. Esta integridade trouxe-lhe uma grande fama e reputação e uma legião de importantes amizades.
Anos depois, já um dos maiores empresários americanos e com controlo total sobre a empresa, H.J. ganha um grande reconhecimento como empresário Cristão devoto graças ao tratamento generoso dos seus empregados e à generosidade para com as causas cristãs. Ao longo de sua vida, H.J. Heinz conduz os seus negócios e assuntos pessoais uma integridade exemplar e à cabeça do seu testamento não se inibe de colocar a sua Fé acima de tudo: «Desejo apresentar, logo no início desta vontade, como o elemento mais importante, uma confissão da minha fé em Jesus Cristo como meu Salvador».
Ao longo da sua vida, H.J. Heinz preza em particular as palavras do apóstolo Paulo: “Tudo o que fizerdes por palavras ou obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele a Deus Pai” (Colossenses 3:17, NASB).
A integridade foi de facto um dos grandes alicerces que retirou da Bíblia como recomendara a sua mãe. Numa rara entrevista, H.J Heinz confessou “De que maneira seus princípios de negócios refletem o que você acredita sobre Cristo?” “Através de Cristo, no sucesso e no fracasso, podemos agir sempre com integridade”
O legado de H.J. Heinz: promover o empreendedorismo católico nas próximas gerações
Henry John Heinz deixou um legado considerável na cidade de Pittsburgh. Era o mais velho de oito filhos de imigrantes alemães. Como um empresário trabalhador, ele transformou um pequeno negócio de rábano numa empresa multimilionária. Morreu em sua casa de pneumonia em 14 de maio de 1919 quando faltavam apenas seis meses para completar 75 anos. Após a sua morte, os seus funcionários da H.J. Heinz & Company financiaram uma estátua de bronze do seu amado patrão em tamanho real.
Dos seus provérbios favoritos destaca-se um: “Faça tudo o que puder honestamente, salve tudo o que puder com prudência, dê tudo o que puder sabiamente”. E sobre ele construiu o se lema: “Aquele que goza dos dois primeiros (ganhar a vida honestamente e poupar com prudência) e se priva do segundo privilégio (dar aos outros) nega a si mesmo o maior prazer da vida”.
Dedicou tempo e energia à Associação Mundial da Escola Dominical e à Igreja Metodista. Tinha por princípio reservar o Domingo para o culto e para os ensinamentos da escola dominical, de tal forma que a publicidade da sua empresa nunca foi autorizada a ser veiculada aos domingos. Trabalhava arduamente seis dias por semana, mas dedicava esse dia a Deus. Não era incomum que H.J. Heinz visitasse escolas dominicais enquanto viajava porque acreditava fortemente na influência e educação que a escola dominical proporcionava aos seus jovens estudantes e queria participar o máximo que lhe era possível. E, ao logo da vida, doou generosamente a instituições de caridade e educacionais, uma atividade filantrópica que continua viva nos seus herdeiros.
H.J. Heinz foi um empresário católico com uma personalidade singularmente empreendedora, resiliente, inovadora e cativante, merecendo destacar das suas próprias palavras três princípios do seu legado para ilustrar o título da nossa coluna, o impacto da fé cristã na criação e gestão empresarial:
- “Através de Cristo, no sucesso e no fracasso, podemos agir sempre com integridade”
- “Aquele que ganha a vida honestamente e poupar com prudência, mas se priva do dar aos outros nega a si mesmo o maior prazer da vida”.
- “Desejo apresentar, logo no início desta vontade, como o elemento mais importante, uma confissão da minha fé em Jesus Cristo como meu Salvador».
O legado empresarial de H.J. Heinz continua a prosperar. Os produtos da marca Heinz podem ser encontrados em mais de 200 países em todo o Mundo e tendo começado com um produto, hoje a empresa tem milhares. Ao mesmo tempo, os profundos princípios da sua Fé em Deus nunca estiveram tão presentes, quer no exemplar modelo laboral da empresa quer na atividade filantrópica gerida pelos sues herdeiros, que nunca foi tão intensa. Com os seus olhos gentis, rosto carinhoso, bigode e suíças esvoaçantes seguramente que H.J. Heinz se sentiria muito orgulhoso.
Foto: Wikimedia.org
Engenheiro Civil com MBA por Wharton/NOVA e pós-graduação pela Harvard Business School. Depois de uma longa carreira em Consultoria de Estratégia concluida com o lugar de Presidente da AT Kearney Iberia, passa a focar-se no Desenvolvimento de Empresas Familiares, área onde tem sido cronista regular em vários jornais, conferencista e autor do livro “44250 passo até ao Cume”. É Cavaleiro da Ordem de Malta CGM e associado da CCIP e da ACEGE