A Inteligência Artificial está a transformar o mundo do trabalho, gerando tanto inquietação como entusiasmo. Para João Ribeiro da Costa, Professor Auxiliar Sénior da Universidade Católica Portuguesa, o impacto da IA dependerá da forma como for implementada. Embora a automação possa eliminar algumas funções, também abre portas a novas oportunidades, desde que empresas e trabalhadores estejam preparados para a mudança. Nesta entrevista, o professor destaca a importância da formação contínua, da transparência nas empresas e do papel das lideranças na construção de um ambiente de trabalho mais humano e inclusivo. Acima de tudo, acredita que a IA, se bem utilizada, pode ser um motor de esperança, capacitando as pessoas para desafios que antes pareciam inatingíveis
POR HELENA OLIVEIRA

A Inteligência Artificial está a transformar radicalmente o mundo do trabalho, trazendo tanto oportunidades quanto desafios. Para compreender melhor esta mudança e o impacto das tecnologias emergentes na empregabilidade, entrevistámos João Ribeiro da Costa, Professor Auxiliar Sénior da Universidade Católica Portuguesa e orador no VIII Congresso da ACEGE, num painel dedicado aos desafios da IA no que respeita à esperança e à humanização das empresas.

Com uma longa experiência nas tecnologias da informação, combinada com uma experiência prática de empreendedorismo, João Ribeiro da Costa explica como a IA se enquadra no conceito de Tecnologia de Utilização Geral (GPT), à semelhança da electricidade e da Internet, e discute os seus efeitos no mercado de trabalho, nas empresas e na sociedade. Ao longo da conversa, aborda questões cruciais como o impacto da automação na segurança profissional, a necessidade de transparência e formação nas empresas, o equilíbrio entre tecnologia e humanização e o papel das lideranças na construção da esperança num contexto de transformação digital.

Esta entrevista oferece uma reflexão profunda sobre como podemos preparar-nos para um futuro em que humanos e máquinas coexistem de forma produtiva, garantindo que a IA contribui para um mundo do trabalho mais justo, equilibrado e inclusivo.

A seu ver, a Inteligência Artificial representa mais uma ameaça ou uma oportunidade para o futuro do trabalho?

Hoje em dia é aceite que a IA é uma GPT (General Purpose Technology), uma Tecnologia de Utilização Geral. Uma GPT é uma inovação estruturante caracterizada pela sua aplicabilidade generalizada em vários sectores da economia e pela capacidade de transformar significativamente as economias, as sociedades e as práticas comerciais.

As GPT apresentam normalmente três características principais:

  1. Amplo âmbito de aplicação: Podem ser amplamente integradas em vários sectores e actividades económicas;
  2. Dinamismo tecnológico: Melhoram e evoluem continuamente, estimulando inovações e ganhos de produtividade durante longos períodos;
  3. Complementaridade e repercussões: Permitem inovações complementares, levando à criação de novas indústrias, processos e produtos.

Os exemplos clássicos incluem a electricidade, as máquinas a vapor, a Internet e a Inteligência Artificial.

Olhando para a Inteligência Artificial neste quadro, vemos que representa uma enorme oportunidade, mas também uma ameaça real para aqueles cujas actividades estão sujeitas à automatização, forçando-os, pelo menos, a mudar de actividade. No início da adopção das GPTs, mais empregos tendem a desaparecer do que a surgir, mas, a longo prazo, o saldo acaba por ser positivo. Foi esse processo que impulsionou os grandes saltos evolutivos da sociedade nos últimos 200 anos.

De que forma a automação afecta a esperança dos trabalhadores em relação ao seu futuro profissional?

Esperança consiste em acreditar que é possível ter resultados positivos no futuro, mesmo no meio de desafios ou incertezas. O Salmo 46 diz “Deus é o nosso refúgio e a nossa força, Auxilio sempre pronto na adversidade. Por isso, nada receamos…”.

Desde que haja um contexto empresarial e social adequado, a possibilidade de libertação de um trabalho repetitivo e de ter a oportunidade de aprender algo de novo é construtora dessa Esperança. Mas é fundamental que haja uma rede de segurança, que deve ser assegurada em primeiro lugar pelas empresas onde estas transformações acontecem e, em segundo lugar, pelo Estado.

De que forma as empresas podem evitar que a substituição de funções por IA gere insegurança e desmotivação?

Promovendo a Transparência e a Formação das equipas. A ignorância é um adubo potente para gerar insegurança e a falta de transparência dá lugar a desmotivação e receios. Mas, se pensar bem, isso faz parte integral da cultura das empresas e aplica-se não só à IA, mas a todas as mudanças e transformações no interior das mesmas. Em Portugal, a NOS tem tido práticas exemplares neste domínio, começando aquando da implementação da RPA [automatização robótica de processos] e prolongando-se para a IA, promovendo a formação das pessoas cujas tarefas são automatizadas e colocando-as em novas funções.

Existe um risco real de desumanização no ambiente de trabalho com a crescente adopção da IA? Como podemos equilibrar tecnologia e humanização?

No livro The Experimentation Machine, Jeffrey Bussgang descreve como empreendedores que utilizam ferramentas de IA podem ser até dez vezes mais produtivos. Além disso, mostram-se capazes de formar equipas igualmente dez vezes mais eficientes, onde cada função — engenharia, vendas, marketing — se apoia na IA para maximizar a produtividade. No limite, este modelo permite até a existência de empresas formadas por uma única pessoa.

Existe um risco [de desumanização], mas que não é causado pela tecnologia porque, como diz Jeffrey Bussang, a AI permite ampliar capacidades humanas e tornar-nos dez vezes mais produtivos. O risco consiste na sua má utilização, levando a modas e extremos exponencialmente mais rápidos do que aqueles a que estamos acostumados. O segredo está em conhecer o potencial das ferramentas e manter valores sólidos.

Tendo criado várias empresas, não imagino como construir uma empresa sem a participação de pessoas e da sua imaginação, dedicação e empenho. Mas com a IA é necessário estar mais atento, para resistir a modas e extremos.

Como podemos garantir que a esperança dos colaboradores seja mantida num contexto de mudanças tecnológicas rápidas?

Esse é o grande desafio da Transformação Digital, e não só por causa da IA. Temos 12 anos de prática de Transformação Digital que nos ajudam a perceber como fazer: i) ter uma visão clara do destino a que nos propomos chegar; ii) formar as pessoas, para que façam parte do processo de mudança, como contribuintes e não como pesos mortos; iii) promover a transparência das várias iniciativas de transformação digital, envolvendo as pessoas na sua execução e apresentando os resultados obtidos.

A tomada de decisões por algoritmos pode substituir a empatia e o julgamento humano? Como evitar que isso aconteça?

Pode e acontece diariamente. Hatim Rahman, no seu livro Inside the Invisible Cage: How Algorithms Control Workers documenta como as plataformas de trabalho – como a Upwork, a Fiverr, a Amazon Mechanical Turk – gerem as pessoas que usam essas mesmas plataformas para conquistar projectos ou trabalhos simples. É possível chegar a níveis de desumanização muito elevados. As redes sociais são claramente o expoente máximo da utilização de algoritmos para criar dependência e comportamentos condicionados.

A forma de evitar que isso aconteça é criando mecanismos de controlo ético dentro da empresa e mantendo a transparência com os clientes.

Acredita que a IA pode reforçar vieses inconscientes dentro das empresas? Como podemos garantir uma utilização ética desta tecnologia?

Não é só IA, mas qualquer nova tecnologia digital: há o risco tremendo dos excluídos digitais. Observando o que se tem passado em 12 anos de transformação digital, se a empresa não se empenha em proporcionar às pessoas a formação e apoio necessários, o fosso entre os “digitais” e os “excluídos” só se agrava no tempo.

Como pode um líder ser um “construtor de esperança” num ambiente de revolução digital e de avanço célere da IA?

A IA não consta da formação de 99.9% dos líderes empresariais. Para conseguir liderar um processo de transformação digital numa empresa em que IA é a tecnologia em causa, a primeira coisa que o líder precisa de fazer é adquirir formação sobre IA. Se a equipa dirigente não tiver membros “digital savvy”, ou seja, com conhecimento sólido das tecnologias digitais, não vai conseguir lidar com os desafios colocados pela adopção de IA. Irão avançar projectos com pouca sustentação, não são colocadas as perguntas certas no momento certo e fica completamente impossível embeber o digital na visão de negócio da empresa.

Acredita que as lideranças empresariais estão preparadas para lidar com os impactos emocionais da IA sobre os funcionários?

Não é uma questão de acreditar, é uma questão de observação, a vasta maioria das lideranças não estão preparadas. A Universidade proporciona um posto de observação particularmente eficaz…

Como podemos criar um ambiente de trabalho onde humanos e máquinas coexistam de forma saudável e produtiva?

A melhor forma é olhar para a experiência acumulada das GPTs anteriores, nomeadamente a electricidade… Não basta trocar a máquina de vapor por um motor eléctrico, a electricidade não veio só substituir a máquina a vapor, criou a base para o digital – com o circuito eléctrico. A verdadeira oportunidade está em repensar os processos da empresa à luz do que é possível fazer com a nova tecnologia, mantendo em todos os momentos a preocupação com a dimensão humana e o papel dos humanos. Os vencedores serão os que mantiverem o foco no humano, tanto no cliente como no colaborador.

Será que a Inteligência Artificial pode ajudar a criar novos modelos de trabalho mais humanos e equilibrados?

Se perguntar a um trabalhador agrícola que antes apanhava tomate do chão, passando o dia dobrado e a carregar as caixas de tomate, se as máquinas de apanhar tomate foram positivas, a resposta é clara. A IA já está a criar novos modelos de trabalho, combinando IA e pessoas. Neste momento o pico da excitação são os AI Agents. Num livro publicado na semana passada, Agentic Artificial Intelligence: Harnessing AI Agents to Reinvent Business, Work and Life, Pascal Bornet e co-autores, procuram explicar como será o futuro do trabalho, quando os agentes de AI assegurarem uma parte significativa das tarefas que hoje são desempenhadas pêlos humanos.

Como podemos preparar as novas gerações para um mercado de trabalho altamente automatizado, sem perder de vista o valor da empatia e da colaboração?

O World Economic Forum, no seu “Future of Jobs Report 2025” [sobre o qual o VER escreveu], lista as competências mais relevantes para a próxima década. Referindo apenas as 10 primeiras, temos: i) Pensamento analítico, ii) Resiliência, flexibilidade e agilidade, iii) Liderança e influência social, iv) Pensamento criativo, v) Motivação e auto-consciência, vi) Literacia tecnológica, vii) Empatia e escuta ativa, viii) Curiosidade e aprendizagem ao longo da vida, ix) Gestão de talentos e x) Orientação para os serviços e apoio ao cliente.

Como pode ver, a vasta maioria são soft skills, que se podem adquirir através de uma formação adequada, bons primeiros empregos e bons coaches!

O avanço da IA pode contribuir para um futuro do trabalho mais justo e inclusivo? O que é necessário para que isso aconteça?

Como as GPTs anteriores, sim. Mas como as GPTs anteriores, haverá sempre um grande número de pessoas profundamente afectadas, porque são obrigadas a mudar de actividade. Para quem foi motorista a vida inteira, ter de pensar em aprender outra profissão, porque a maioria dos carros passou a ser autónomo, é muito difícil. Tal como aconteceu nas GPTs anteriores, haverá grupos grandes de pessoas desempregadas, por períodos mais ou menos longos, outras obrigadas a deslocar-se geograficamente para conseguir novos trabalhos. Mas a IA pode ajudar estas pessoas a aprender e executar novas actividades que nunca sonharam ser capazes de fazer, desde que tenham as soft skills que falava no ponto anterior.

O que diria a um profissional que teme perder o seu espaço no mercado de trabalho devido à IA?

Comece a usar ChatGPT hoje, veja o blog “One Useful Thing” do Ettan Mollick, leia o livro que mencionei, pratique e experimente!

NOTA: A ACEGE irá realizar o seu Congresso Nacional nos dias 28 e 29 de Março sob o tema “Construtores da Esperança”. Caso esteja interessado em participar, consulte o programa aqui.

Editora Executiva

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