O historiador holandês Rutger Bregman defende que os mais talentosos — e mais privilegiados — devem repensar o rumo das suas vidas profissionais, trocando carreiras lucrativas, mas vazias de propósito, por missões ao serviço da justiça social, da sustentabilidade e da dignidade humana. A sua visão ganha corpo na School for Moral Ambition, uma organização que procura transformar ambição pessoal em impacto social duradouro. No seu livro mais recente, propõe assim uma mudança de paradigma: substituir o prestígio pelo impacto, o conforto pela acção, e usar não só os dons, mas também as oportunidades únicas de quem tem mais, para servir causas maiores do que o sucesso individual
POR HELENA OLIVEIRA
O maior desperdício do nosso tempo é o desperdício de talento. Em todo o mundo, há milhões de pessoas que poderiam dar contributos decisivos para construir um mundo melhor — mas não o fazem. Existe um remédio para esse desperdício, e chamamos a esse remédio “ambição moral”
Rutger Bregman, historiador e autor)
“Muitas pessoas inteligentes querem fazer o bem. Mas a maioria acaba a trabalhar para empresas que fazem mal.” É com esta provocação que Rutger Bregman introduz a sua ideia de “ambição moral”, um conceito que dá igualmente título ao seu livro Moral Ambition: How to Change the World (and Why You Should), publicado em Abril de 2025 e que é mais do que uma proposta intelectual: é um apelo à acção para que os mais talentosos e privilegiados usem os seus dons ao serviço do bem comum.
Com apenas 37 anos, o historiador holandês Rutger Bregman tornou-se uma das vozes mais provocadoras e inspiradoras do nosso tempo. Conhecido por obras como Utopia for Realists e Humankind [estes dois últimos traduzidos para português e ambos best-sellers], no seu mais recente livro – dedicado especialmente a jovens com elevado potencial — propõe uma redefinição radical do sucesso profissional, incentivando os grandes talentos a abandonarem carreiras lucrativas, porém vazias de propósito, para se dedicarem às grandes causas do nosso tempo. A sua visão ganha forma na School for Moral Ambition, uma organização fundada em 2024 que visa transformar ambição pessoal em impacto social duradouro e formar líderes para causas maiores do que o sucesso individual.
Bregman defende que o mundo está cheio de problemas urgentes — desde a pobreza extrema ao colapso climático — e que temos hoje mais recursos, conhecimento e oportunidades para agir do que em qualquer outro momento da história. No entanto, lamenta que as “melhores cabeças” acabem, tantas vezes, a trabalhar para grandes empresas tecnológicas, consultoras ou fundos de investimento, alimentando um sistema que perpetua desigualdades em vez de as resolver.
Uma crítica às carreiras convencionais
Bregman organiza os percursos profissionais em três categorias principais.
A primeira refere-se àqueles que não são nem idealistas nem ambiciosos — pessoas que ocupam funções rotineiras e pouco transformadoras, como escrever relatórios que ninguém lê ou gerir equipas sem verdadeiro impacto. A segunda diz respeito aos ambiciosos sem idealismo — indivíduos que seguem carreiras bem remuneradas e prestigiadas, como a consultoria ou a alta finança, mas que pouco ou nada contribuem para o bem comum. A terceira abrange os idealistas sem ambição — aqueles que abraçam causas nobres, mas de forma simbólica ou ineficaz, muitas vezes sem os meios ou a estratégia necessária para gerar mudança real.
A proposta de Bregman é, portanto, criar uma quarta categoria possível: os idealistas ambiciosos — pessoas que colocam o seu talento ao serviço de causas transformadoras, com compromisso, visão estratégica e coragem moral.
Como escreve num ensaio publicado pelo The Guardian, “a ambição moral começa com uma constatação simples: só tens uma vida. O tempo que te resta nesta Terra é o teu bem mais precioso. Não podes comprar mais tempo, e cada hora que já passou está perdida para sempre. Uma carreira a tempo inteiro corresponde a cerca de 80.000 horas, ou 10.000 dias de trabalho, ou 2.000 semanas de trabalho. A forma como escolhes gastar esse tempo é uma das decisões morais mais importantes da tua vida.”
É nesta convicção que assenta a School for Moral Ambition, uma espécie de incubadora de vocações com impacto, que pretende ajudar jovens (e não só) a alinhar ambição pessoal com bem comum. Esta iniciativa integra uma comunidade de apoio e mentoria para quem quer “fazer da sua carreira uma alavanca para o bem”. A proposta é simples, mas radical: encarar a carreira como uma missão ao serviço da humanidade — e não apenas como um veículo para realização pessoal ou estabilidade financeira. Esta é, para o historiador holandês, a 4ª categoria profissional almejável, dedicada aos idealistas e ambiciosos e é neste sentido que tem vindo a trabalhar nos últimos anos com a sua School for Moral Ambition.
Uma escola para transformar carreiras
A escola oferece programas de bolsas com duração de sete meses: um mês de formação intensiva, concebida para formar defensores eficazes da mudança positiva, seguido de uma colocação de seis meses em ONG ou think tanks que trabalham em áreas como a transição alimentar ou o futuro sem tabaco. A ideia é preparar pessoas para contribuir, ao mais alto nível, para causas globais urgentes.
Inspirada nos princípios do movimento Effective Altruism — mas com uma abordagem mais pragmática e menos tecnocrática —, a escola ajuda os seus membros a identificarem causas prioritárias, a repensarem escolhas profissionais e a desenvolverem coragem moral para nadar contra a corrente, tendo como base três princípios orientadores: pensar em grande, não se contentando com pequenas mudanças, mas questionando qual é o maior bem que se pode fazer com os próprios talentos e possibilidades; comprometer-se com seriedade, reconhecendo que as mudanças reais exigem esforço, perseverança e, muitas vezes, sacrifício; e, por fim, inspirar outros, acreditando que uma vida vivida com propósito moral tem o poder de multiplicar o impacto colectivo através do exemplo.
Além das bolsas, a iniciativa inclui os Moral Ambition Circles, pequenos grupos de entre seis a oito pessoas que se reúnem para reflectir e apoiar-se mutuamente na construção de uma carreira com impacto. Estes círculos são guiados por sete princípios fundamentais: a valorização da acção em detrimento da mera consciência; o foco no impacto concreto; a compaixão radical, que alarga o nosso círculo moral; a mente aberta, que cultiva a curiosidade; a proximidade, que parte da confiança na bondade humana; a alegria de viver, como expressão de uma vida rica e diversificada; e, por fim, a perseverança, como atitude firme perante as adversidades.
Com mais de 8 mil membros em mais de 90 países, a comunidade da Moral Ambition, apesar de “jovem”, está a crescer, conectando idealistas ambiciosos que procuram redefinir o sucesso não pelo que acumulam, mas pelo que contribuem.
Inspirar-se no passado para mudar o futuro e o livro que não promete facilitar a vida
“Mudar o mundo não é uma fantasia”, insiste Bregman. “É uma escolha. Uma escolha que começa por perguntar: e se eu colocasse os meus dons, o meu tempo e a minha energia ao serviço dos que mais precisam?”
O talento desperdiçado é, para Rutger Bregman, um dos maiores fracassos do nosso tempo. No seu livro Moral Ambition, argumenta que milhões de pessoas poderiam dar um contributo decisivo para o bem comum — mas não o fazem. A proposta que avança para contrariar esse bloqueio é clara: transformar ambição pessoal em responsabilidade moral.
Ao longo da sua última incursão na escrita, Bregman não se limita à teoria, recorrendo a exemplos históricos para mostrar que indivíduos determinados podem catalisar mudanças duradouras.
Um deles é o do activista Ralph Nader nos EUA, o advogado e político norte-americano, de origem libanesa, que se tornou célebre pelas suas campanhas a favor dos direitos dos consumidores nos anos de 1960 desenvolvidas em conjunto com a associação Public Citizen e que promoveu igualmente a discussão de temas como o feminismo, o humanismo, a ecologia e a governação democrática.
Um outro exemplo centra-se no movimento abolicionista britânico, o qual constituiu uma das mais significativas mobilizações sociais e políticas do século XIX, com impacto duradouro na história dos direitos humanos. Nascido no final do século XVIII, este movimento reuniu activistas, religiosos, intelectuais e antigos escravizados em torno de um objectivo comum: pôr fim à escravatura e ao tráfico de seres humanos no Império Britânico. Entre as figuras mais marcantes destacam-se William Wilberforce, parlamentar que liderou a batalha legislativa no Parlamento, Thomas Clarkson, incansável na recolha de provas sobre os horrores da escravatura, e Olaudah Equiano, africano libertado que deu voz às vítimas através do seu poderoso testemunho autobiográfico. A campanha ganhou força com a mobilização da opinião pública, a organização de petições em massa e a exposição dos abusos cometidos nas colónias britânicas. O primeiro grande marco foi alcançado em 1807, com a aprovação do Slave Trade Act, que aboliu o comércio de escravos. Mas só em 1833, com o Slavery Abolition Act, foi finalmente decretada a abolição da escravatura em quase todo o império, libertando mais de 800 mil pessoas. Este movimento, profundamente enraizado em convicções morais e religiosas, é hoje reconhecido como um dos precursores das lutas modernas pela dignidade e liberdade humanas.
A mensagem contida em Moral Ambition é exigente, mas também libertadora. Em vez de apelar à culpa, Bregman fala à imaginação. Em vez de pregar, convida. Em vez de fazer uma crítica ao sistema, oferece uma alternativa concreta — com um optimismo teimoso que se tornou a sua marca.
Apesar de se inspirar em alguns dos seus princípios, a crítica ao “altruísmo eficaz” também é central na obra. Bregman reconhece os méritos do movimento, mas alerta contra a obsessão por métricas que podem desviar o foco das soluções práticas e humanas, defendendo ao invés um activismo sustentável, que equilibre idealismo com pragmatismo, evitando tanto o purismo ideológico quanto o esgotamento pessoal.
Apesar de inspirador, o novo livro de Rutger Bregman não promete facilitar a vida nem oferecer conforto emocional. Pelo contrário, desafia os leitores a fazerem o que é difícil: a colocar o bem comum acima do interesse pessoal e a questionar, de forma crítica, as suposições que fazemos sobre o mundo, a economia, a política, a natureza humana — e sobre as suas próprias escolhas. O autor enfatiza igualmente a importância de uma liderança que capacita outros, afirmando que “a função da liderança é produzir mais líderes, não mais seguidores”.
Embora a proposta de Bregman seja inspiradora, alguns críticos apontam que a sua abordagem pode ser idealista de mais para a realidade de muitos profissionais. A transição para carreiras com impacto social pode implicar sacrifícios financeiros e pessoais significativos. No entanto, Bregman argumenta que a satisfação derivada de contribuir para o bem comum supera essas dificuldades, afirmando que “você não faz coisas boas porque é uma boa pessoa. Você se torna uma boa pessoa ao fazer coisas boas”.
Imagem: © https://rutgerbregman.com/
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