Num tempo em que muitos são ainda obrigados a viver para trabalhar, há empresas que escolhem trabalhar para que se possa viver — com dignidade, tempo e sentido. No Dia Internacional da Família, a EDP acolheu o encontro anual da comunidade efr, uma rede de organizações que acredita que é possível conciliar vida pessoal, familiar e profissional. Promovido pela ACEGE, o evento foi um tributo às lideranças que cuidam, às culturas que inspiram e às empresas que querem ser lugares onde é possível construir uma vida mais plena
POR HELENA OLIVEIRA
Num contexto de transformação do mundo do trabalho, o modelo efr afirma-se como um instrumento estratégico para empresas que querem atrair e reter talento, promover o bem-estar e reforçar o tão necessário equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional. No encontro anual promovido pela ACEGE, testemunhos concretos mostraram como a conciliação se está a tornar parte integrante da cultura organizacional.
Foi essa gestão mais humanizada que se celebrou a 15 de Maio de 2025, na sede da EDP, num encontro promovido pela ACEGE no âmbito do Dia Internacional da Família. O evento juntou dezenas de organizações que vieram renovar a sua certificação, numa partilha inspiradora de experiências e compromissos, e reafirmou o valor da conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional como eixo estratégico das empresas que desejam servir as pessoas — e não apenas os resultados.
A sessão foi inaugurada por Isabel de la Peña, responsável pelo programa na ACEGE, que agradeceu a presença das empresas e salientou o valor simbólico do encontro num dia que celebra as famílias. Seguiu-se uma mensagem em vídeo de Miguel Stilwell, CEO da EDP, que destacou a importância crescente da conciliação como factor de motivação, produtividade e sustentabilidade.
Jorge Líbano Monteiro, secretário-geral da ACEGE, sublinhou que o modelo efr é, antes de tudo, uma comunidade que promove o desenvolvimento integral das pessoas – profissional, pessoal e familiar – nas organizações. Recordou também o espírito de entreajuda criado durante a pandemia e o crescimento contínuo da rede, hoje com 70 empresas certificadas.
O momento internacional ficou a cargo de Roberto Martínez, da Fundación Más Familia, a entidade espanhola que é proprietária do modelo e que trabalha, em Portugal, de mãos dadas com a ACEGE. O director da Iniciativa efr – cuja sigla reflecte igualmente o conceito de equilíbrio, flexibilidade e responsabilidade – apresentou uma visão alargada da evolução das necessidades de conciliação no mundo contemporâneo e alertou para os desafios demográficos, sociais e culturais que pressionam os modelos de trabalho, defendendo a importância da conciliação como eixo estratégico das empresas modernas, capaz de criar vidas plenas e sustentáveis.
Por seu turno, Patrícia Liz reforçou a centralidade da conciliação na missão da associação: inspirar líderes, transformar empresas e, com isso, transformar a sociedade. A presidente da ACEGE salientou igualmente a importância de uma cultura empresarial colaborativa, centrada nas pessoas, e a necessidade de combater modelos económicos desumanizantes.
Seguiu-se uma mesa-redonda (v. abaixo) moderada por Jorge Líbano Monteiro, com representantes do GRACE – Empresas Responsáveis, da EDP e da sociedade de advogados Morais Leitão, que partilharam as suas experiências concretas com a certificação efr e o impacto directo nas respectivas culturas organizacionais.
No encerramento, Armindo Monteiro (v. Caixa) defendeu que a conciliação é uma questão estratégica para a economia portuguesa. O presidente da CIP lamentou a falta de acordos duradouros na concertação social e apelou a um “projecto mobilizador” nacional que coloque o equilíbrio entre vida e trabalho no centro das políticas públicas e empresariais, sublinhando igualmente que o modelo efr não é um luxo, mas uma necessidade para a sustentabilidade económica e social.
O evento terminou com a entrega simbólica dos diplomas efr às dezenas de empresas presentes e com um convite da EDP à participação numa dança inclusiva, promovendo um final feliz, artístico e solidário.
MESA REDONDA
Conciliação como cultura: A experiência de quem vive o efr
Moderada por Jorge Líbano Monteiro, secretário-geral da ACEGE, a mesa-redonda reuniu representantes de três organizações com trajectórias distintas, mas convergentes na adopção da certificação efr: Maria João Almeida (GRACE), José Miguel Vaz (EDP) e Martim Krupensky (Morais Leitão). Ao longo da conversa, foram partilhados testemunhos sobre os desafios, os resultados concretos e a transformação cultural que o modelo efr promoveu em cada instituição. Mais do que um momento de partilha, foi uma prova viva de que a conciliação não é uma moda passageira, nem um conjunto de boas intenções — é um modelo transformador que muda culturas, desafia lideranças e dá sentido ao trabalho, especialmente num tempo em que o talento exige coerência e propósito.
GRACE: Coerência interna, reputação externa
Na sua intervenção, Maria João Almeida, directora executiva do GRACE – Empresas Responsáveis, explicou as várias razões que levaram a associação a procurar a certificação efr, sublinhando a coerência entre missão e prática como ponto de partida essencial. “Basicamente, foi por querermos ser uma organização em que as nossas pessoas sintam que, independentemente de quem está a gerir, existem políticas concretas que mostram que o GRACE é uma parte da sua vida.”
Segundo a responsável, a decisão teve como primeiro objectivo valorizar quem já faz parte da equipa, mas também tornar o GRACE mais atractivo para futuros colaboradores. “Queremos ser reconhecidos como uma organização com boas práticas”, afirmou, referindo igualmente a importância da certificação na atracção de talento.
Outro factor determinante foi o relacionamento com os associados – empresas que, tal como o GRACE, trabalham na área da sustentabilidade e com os quais é essencial haver credibilidade e alinhamento. “Sendo uma associação na área da sustentabilidade, o nosso princípio base é o trabalho colaborativo, é o compromisso com o ODS 17. Não nos passava pela ideia fazer um caminho solitário.”
A certificação efr foi, por isso, encarada como uma ferramenta de aprendizagem e posicionamento. “Queríamos não só ter processos e ser reconhecidos por uma entidade externa, mas também estar na crista da onda daquilo que as empresas estão a fazer nesta matéria.” Ao alinhar-se com os seus pares, o GRACE assume também um papel inspirador: “Queremos mostrar que pequenas organizações também conseguem ser certificadas.”
Maria João Almeida concluiu reforçando a importância da certificação enquanto evidência concreta. “Não basta sê-lo, é preciso, também, certificar. Ter um cunho de alguém externo gera muita reputação — e isso também é importante.” Além do impacto interno, a certificação efr serve, assim, para reforçar a credibilidade da associação junto dos seus públicos e da sociedade em geral.
EDP: Uma certificação global, um compromisso global
Na sua intervenção durante o encontro efr 2025, José Miguel Vaz, director efr da EDP, destacou a evolução do percurso da empresa com a certificação efr, sublinhando que a conciliação está plenamente integrada na estratégia global do grupo. “Efectivamente, partilhamos muitas das ideias que a Maria João partilhou”, começou por referir, lembrando que o envolvimento da EDP com o modelo efr remonta a 2011, em Espanha, e teve continuidade em Portugal a partir de 2013.
O marco mais recente e significativo foi alcançado em 2023, com a obtenção da certificação global efr, uma conquista que abrange os 24 países onde o grupo EDP está presente. “Para nós, é um motivo de grande orgulho”, afirmou. Mais do que uma distinção, esta certificação representa “uma validação de todas as nossas políticas, de toda a nossa preocupação e estratégia que temos na área”.
José Miguel Vaz sublinhou ainda que a parceria com o modelo efr é exigente, mas altamente benéfica: “É uma forma de reconhecimento externo e que nos obriga, dia a dia, a caminhar e a querer mais”. Considera que o desafio constante imposto pelo modelo é essencial: “Queremos ser desafiados e queremos que o efr também nos ajude no caminho. Cada vez mais, a régua é mais exigente, e isso faz-nos caminhar e querer ir além”.
O responsável destacou que o efr está presente na própria estratégia da liderança da empresa, sendo um tema prioritário também na agenda do CEO. A certificação global, além do reconhecimento, teve um impacto estrutural: “Obrigou-nos a olhar de forma global para todos os países, a rever as práticas que tínhamos nesta área e a trabalhar na uniformização, aproveitando as melhores práticas de cada um e integrando-as no grupo EDP”.
José Miguel Vaz concluiu referindo o forte investimento feito pela empresa para garantir um impacto real em todos os colaboradores. “Desde 2023 temos uma equipa alargada de pessoas dedicadas ao tema, com grande investimento da empresa, para chegar a todos os nossos colaboradores e ter um impacto em cada um.”
Morais Leitão: Do cepticismo inicial a uma nova cultura de bem-estar
Na sua intervenção, Martim Krupenski, Managing Partner da sociedade de advogados Morais Leitão, partilhou com honestidade o percurso da organização com o modelo efr, começando por uma tirada em tom descontraído: “Concordo 99% com tudo o que foi dito até agora. O 1% é só margem de erro.”
Contou que o impulso inicial para aderir à certificação surgiu em 2016, por sugestão de António Pinto Leite, “um caro membro da ACEGE e um sócio nosso, uma pessoa com grande visão de futuro”. Na altura, Martim Krupensky era responsável pelos recursos humanos e confessou que recebeu o desafio com alguma reserva: “Achei que era mais uma certificação. Lá vem mais trabalho”, pensou. Ainda assim, não conseguiu recusar: “Como era o António, não podia dizer que não, como é evidente.”
Rapidamente, essa percepção mudou. À medida que foi conhecendo o modelo efr, percebeu o seu verdadeiro valor. “Descobrimos que o processo nos ajudava a organizar, mesmo numa casa de advogados, que não é uma casa fácil.” O efr levou a organização a parar e refletir: “Leva-nos a a pensar um bocadinho sobre o que é que temos, o que é que nos falta ou o que é que devemos ter mais.”
A certificação chegou em 2017 e, embora já existissem medidas de conciliação na firma, o processo ajudou a estruturá-las de forma mais coerente: “Tínhamos algumas medidas esparsas, conseguimos juntar tudo isso num conjunto homogéneo que fazia sentido e tornar a conciliação da vida profissional e da vida pessoal uma coisa maior.”
Krupensky sublinhou que esta evolução foi também um processo de autoconhecimento institucional. “Fomos descobrindo-nos também a nós próprios.” E acrescentou que a experiência com o efr se alargou a outras dimensões: “Hoje em dia, integramos este modelo também com a Direito Mental, associação que integra muitas sociedades de advogados portuguesas e à qual tenho a honra de pertencer ao Conselho de Administração.”
O Managing Partner da Morais Leitão concluiu a sua intervenção destacando que a certificação não só transformou práticas, mas também gerou impacto cultural e abriu caminho para novas iniciativas de bem-estar e saúde mental. “Conseguimos, através da efr, fazer um programa global de bem-estar.”
A certificação ajuda a transformar a cultura?
Na qualidade de moderador, Jorge Líbano Monteiro foi tecendo ligações entre os testemunhos dos oradores, destacando pontos comuns e provocando uma reflexão conjunta. Ao comentar as intervenções, sublinhou a ideia de que a certificação efr não é apenas um conjunto de medidas técnicas, mas um caminho de transformação mais profunda: “Tentar transformar a organização num espaço que proporciona uma vida plena às pessoas”, afirmou.
O secretário-geral da ACEGE referiu também a importância do processo de autoconhecimento institucional, um aspecto partilhado pelas organizações presentes. “É engraçado este ângulo de as organizações conhecerem-se melhor a si próprias, que é muito aquilo que se pretende com a efr.” E acrescentou que essa consciência é, muitas vezes, o ponto de partida: “A Carla Barros [responsável pelo programa de Well-Being da EDP] dizia que ‘o importante da efr era ajudar a sistematizar e a fazer uma fotografia’, e é a partir daí que começa todo o processo”, acrescentou ainda.
O moderador fez também questão de frisar que, nas experiências partilhadas, a vivência da efr não é algo superficial ou acessório, mas algo vivido com verdade e com impacto real: “Não é algo que se vai fazendo… marca a própria empresa.”
Depois destas observações, lançou uma pergunta aos participantes, desafiando-os a reflectir sobre o verdadeiro impacto da certificação nas suas culturas empresariais:
“Sentem que a iniciativa efr ajuda a transformar a cultura empresarial, ou não?”
GRACE: Um compromisso cultural com as pessoas
Na sua intervenção, Maria João Almeida, directora executiva do GRACE – Empresas Responsáveis, reforçou que a adesão à certificação efr é mais do que uma escolha de liderança: é um compromisso enraizado na cultura organizacional. “Logo num primeiro olhar, percebe-se que isto não é porque a pessoa A ou B está a liderar a organização, mas é um compromisso da organização.” E esse compromisso, sublinhou, tem impacto interno e externo: “Nota-se que é uma entidade que, na sua própria cultura, tem este compromisso.”
Um dos efeitos mais imediatos da certificação, segundo Maria João Almeida, foi o reforço da motivação interna. “Há logo um crescimento de motivação, até posso dizer um aumento de produtividade, de vestir a camisola, de sentimento de pertença.” Ser efr, frisou, permite sistematizar aquilo que muitas vezes já existe, mas de forma dispersa: “A certificação ajuda imenso a mapear, a dar a conhecer e a mostrar, a ser uma montra mais sistematizada daquilo que a organização proporciona.”
Esse reconhecimento interno, afirmou, é essencial para que os colaboradores saibam que têm o apoio da organização, independentemente das lideranças pontuais: “Não é porque eu tenho um chefe fantástico que tenho este tipo de situação perante a minha vida, é porque eu sei que a organização está lá.” E, como resultado, destacou melhorias reais no clima organizacional: “Sente-se mesmo um aumento da motivação” e, inclusivamente, “redução do absentismo”, graças a políticas que promovem flexibilidade e bem-estar.
Maria João Almeida sublinhou também o impacto externo da certificação efr, particularmente relevante para uma associação como o GRACE, cujo trabalho se faz junto de empresas. “Há um impacto enorme no reconhecimento de que estamos alinhados com as melhores práticas das empresas.” Essa reputação é construída com base em evidência, e a certificação ajuda a tornar visível aquilo que já se vive internamente.
O percurso do GRACE é um exemplo de que a certificação é aplicável a organizações de qualquer dimensão. “Na altura, tínhamos oito colaboradores… e vimos já evidências de um impacto muito positivo.” Hoje, o número cresceu para 13, o que é, segundo a su directora executiva
, uma prova clara do valor do modelo. “É uma prova evidente que isto gera impacto, seja qual for a dimensão das empresas.”
Maria João terminou com um apelo realista e encorajador: “Qualquer organização que tenha pessoas deve olhar para esta certificação como algo que vai ajudar neste processo de crescimento.” O impacto, concluiu, “é visível e é natural.”
EDP: Ser efr como traço de identidade cultural
Em resposta à questão formulada, José Miguel Vaz destacou o modo como a certificação se integrou profundamente na identidade da empresa, ao ponto de já ser vivida como parte do ADN organizacional. “Há aqui um fenómeno curioso em relação à efr. Nós já dizemos que somos efr, como se fosse um traço cultural da EDP.”
Mais do que uma designação formal, ser uma empresa familiarmente responsável tornou-se uma referência viva, presente no quotidiano da organização e nas suas decisões. “Sempre que há uma discussão de algum tema específico e é preciso uma tomada de decisão, há sempre alguém que diz: mas nós somos efr.”
José Miguel Vaz explicou que esta consciência colectiva funciona como um alinhamento interno contínuo, tanto para reforçar os valores como para corrigir eventuais desvios. “Sempre que há um desvio, também há sempre alguém a lembrar-nos: isto afasta-se daquilo que é uma empresa familiarmente responsável. E isso traz-nos de volta ao caminho que queremos seguir.”
Esse impacto, afirmou, é real e permanente. “Faz parte, efectivamente, do nosso dia a dia.” O reconhecimento e a apropriação do modelo por parte dos colaboradores são, para o director, uma das maiores conquistas do percurso com a efr: “Os colaboradores conhecem, sabem, valorizam e falam sobre o tema.”
E é precisamente essa vivência disseminada e consciente que justifica a continuidade do compromisso. “O que nos faz querer continuar e, no fundo, valida todo o esforço que colocámos neste tema.”
Morais Leitão: Uma semente que se espalhou pela cultura da empresa
Martim Kruspensky começou por afirmar de forma enfática a sua convicção no modelo efr: “Acho que a efr é mesmo um traço que deve entrar no ecossistema da empresa, na sua ontogénese.” Para o advogado, a certificação não é um projecto paralelo ou acessório — deve ser um elemento orgânico, “uma semente espalhada pela empresa, passando a fazer parte da sua cultura e do seu ADN”.
A apropriação da cultura efr foi, segundo Martim Krupensky, um processo mensurável e com efeitos práticos concretos: “Isso vê-se e mede-se objectivamente, designadamente em KPIs”, apontando os inquéritos anuais de clima interno como evidência: “Os níveis de satisfação dos colaboradores têm aumentado, têm aumentado imensamente.”
Mas o que mais o surpreendeu foi o impacto externo da marca efr no recrutamento de jovens advogados: “Para o meu espanto, confesso, mais de metade dos estagiários falavam-nos sobre a efr, queriam saber mais o que era e que consequências práticas é que iria ter na sua vida.” A marca, disse, “pegou completamente de fora”, e esse reconhecimento espontâneo foi “um elemento muito esclarecedor”.
Martim Krupensky partilhou ainda a sua própria experiência como exemplo do que significa viver, na prática, os princípios da efr. Formado em Direito, e com prática em M&A (fusões e aquisições), contou que num dado momento decidiu mudar de área — e o escritório deu-lhe espaço para isso, mesmo num contexto familiar exigente. “Tinha três filhas — seis, três e zero anos — e a empresa deu-me todas as condições para eu poder passar pelos recursos humanos, pela área de operações, pela direcção-geral e chegar a Managing Partner.”
E rematou com uma ideia clara do que a cultura efr trouxe à Morais Leitão: “Permitir às pessoas ter espaço para continuar a sua vida. Há muito mais flexibilidade até num ambiente exigente como é um escritório de advogados”.
Armindo Monteiro: “Precisamos de um projecto mobilizador para Portugal”
Convidado a encerrar a mesa-redonda com uma visão alargada sobre a conciliação e o seu impacto na economia nacional, Armindo Monteiro começou por reconhecer os tempos difíceis que se vivem, tanto para as empresas como para quem nelas trabalha. “Todos temos esta consciência que verdadeiramente vivemos um tempo muito desafiante. Não é fácil hoje trabalhar numa empresa e não é fácil hoje ser empresário, porque as nossas solicitações são imensas.”
Perante a complexidade do contexto, sublinhou a exigência de um novo tipo de equilíbrio: “No mundo em constante mudança e de imprevisibilidade, precisamos de ser eficientes, sermos competitivos. E ao mesmo tempo, precisamos de cuidar das pessoas.”
Do tempo vendido ao valor do retorno
Recorrendo a uma imagem mostrada por Roberto Martínez na sua apresentação, destacou o contraste entre o modelo da Revolução Industrial e os desafios actuais.
“Esse tempo era um tempo em que as conquistas de uns pareciam as perdas de outros. Ainda não estava desenvolvido o conceito de expandir as fronteiras de possibilidades”. E sublinhou a mudança de paradigma: “Hoje, o empresário tem de perceber que não está a comprar tempo, nem presença. Está a pagar pelo retorno, por aquilo que a pessoa pode produzir.”
O presidente da CIP fez também questão de distinguir o vocabulário que se usa na gestão: “Não gosto particularmente da palavra ‘recursos humanos’. Gosto de ‘pessoas’.” E apontou a dificuldade — mas também a urgência — de criar ambientes onde o talento individual se coloque ao serviço de um projecto colectivo:
“A magia e a dificuldade é encontrar a fórmula certa para que as pessoas estejam motivadas para um projecto colectivo, onde o individual é importante, mas o colectivo é fundamental.”
Contra os extremos: por um modelo de equilíbrio
Armindo Monteiro alertou contra os extremos que ainda hoje se observam no mundo do trabalho:“Há muitas pessoas que estão estritamente o tempo necessário a trabalhar, porque o resto é focado nelas próprias. Isto é um extremo.”
“O outro extremo é quando as empresas vêem as pessoas como peças de uma engrenagem. E concluiu: “Precisamos de encontrar a fórmula para um equilíbrio, onde as empresas cumpram a sua função e, naturalmente, as pessoas possam viver”, assinalando ainda a transformação de mentalidades nas novas gerações:
“Não estamos no tempo dos nossos pais ou avós, em que se vivia para trabalhar. Hoje temos de trabalhar para viver — mas para viver plenamente.”
Falta de confiança e de ambição na concertação social
No que respeita à presença (ou ausência) da conciliação nas agendas da concertação social, foi taxativo: “Parte dos parceiros ainda está na fotografia a preto e branco da Revolução Industrial.” E explicou: “Ainda pensam que as conquistas de uns têm de ser feitas à custa dos outros. Quando assim é, é difícil estabelecer compromissos.”
O presidente da CIP apontou igualmente duas grandes lacunas no diálogo social português:“Para haver compromissos é preciso confiança. E ambição. E em Portugal tem faltado ambas.”Dando como exemplo o caso de Espanha, onde “todos os anos há acordos entre patrões e sindicatos”, em Portugal, e pelo contrário, “nos últimos 50 anos, nunca houve um único acordo directo entre entidades patronais e sindicais. Nenhum. Todos os acordos foram mediados pelo Estado”, afirmou.
Portugal precisa de um projecto, não de conformismo
Falando das eleições legislativas, Armindo Monteiro foi claro na sua crítica à falta de visão estratégica do país. “Temos tido um bocadinho este sentimento de falta de um projecto. Durante anos cultivou-se a ideia de que tínhamos de ter baixas ambições e baixas expectativas.” E Ironizou com a expressão repetida durante décadas:
“Pobres, mas honrados. Ser honrados é essencial. Já ser pobres é mais difícil de aceitar.”
Assim, lançou o apelo: “Precisamos de uma luz. De um projecto mobilizador que nos tire da cauda da Europa”. Referindo-se aos momentos de crise em que o país soube reagir — da Troika ao Covid, passando pelo apagão recente — concluiu:
“Nós, portugueses, reagimos bem às dificuldades. O que nos falta é um desígnio.”
Menos dependência do Estado, mais iniciativa privada
Armindo Monteiro terminou com um alerta sobre os perigos da excessiva presença do Estado na economia: “Cerca de 50% do PIB está hoje na esfera do Estado. É o Estado que decide. E isso, para uma sociedade inovadora, é profundamente frustrante.”
E reforçou a necessidade de prosperidade para um país mais livre, mais justo e menos dependente: “Temos de ser mais prósperos para não vivermos de mão estendida para Bruxelas — ou para o Estado.”
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Editora Executiva