Menos ambição por cargos de chefia, mais vontade de aprender, equilíbrio entre salário e saúde mental e cepticismo crescente face ao ensino superior tradicional. As novas gerações estão a redesenhar as prioridades no trabalho e na vida, rejeitando modelos de sucesso baseados apenas em prestígio ou estatuto. O estudo 2025 Gen Z and Millennial Survey, da Deloitte, revela uma geração que quer trabalhar com propósito, aprender de forma contínua e viver com coerência — mesmo que isso implique recusar um lugar no topo
POR HELENA OLIVEIRA
Projectadas para representar aproximadamente 74% da força de trabalho global até 2030, as gerações Z (nascidos entre 1995 e 2006) e Millennials (nascidos entre 1983 e 1994) foram objecto do estudo “2025 Gen Z and Millennial Survey“, publicado pela Deloitte, abrangendo 23.482 indivíduos de 44 países. Apesar dos resultados gerais do estudo em causa estarem em linha com outros inquéritos similares, existem alguns dados que podem ser considerados como “novos” e que sublinham a necessidade de as organizações adaptarem as suas estratégias para atrair e reter estes talentos mais jovens.
Na sua 14ª edição, o estudo revela que, embora ambiciosos, muitos destes jovens profissionais não estão motivados por alcançar posições de liderança tradicionais. Em vez disso, valorizam oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e bem-estar mental, como aliás tem sido observado em outros inquéritos similares.
Além disso, o estudo destaca que estas gerações estão a questionar o retorno do investimento no que respeita à educação superior. De forma algo surpreendente, cerca de 31% dos inquiridos da geração Z e 32% dos Millennials optaram por não prosseguir estudos universitários, citando preocupações não só com os custos, mas em particular com a relevância prática dos cursos oferecidos.
Adicionalmente, o bem-estar mental assume-se como um factor cada vez mais determinante para a satisfação no trabalho.
Vejamos em maior pormenor de que forma é que estas duas gerações estão a redefinir as expectativas no local de trabalho, tendo em principal linha de conta a sua busca por equilíbrio entre vida pessoal e profissional, propósito e bem-estar.
Aprendizagem contínua: a nova bússola profissional para a Geração Z e Millennials
“As organizações que oferecem apoio tangível ao desenvolvimento profissional conseguem atrair, envolver e reter melhor os talentos das gerações mais jovens”
Para as gerações Z e Millennial, o desenvolvimento de competências já não é apenas uma mais-valia — é uma prioridade existencial. Num mundo de rápidas transformações tecnológicas, instabilidade económica e evolução constante dos modelos de trabalho, manter-se actualizado tornou-se uma exigência não apenas do mercado, mas da própria identidade profissional.
Segundo o estudo da Deloitte, 70% dos inquiridos da geração Z e 59% dos Millennials afirmam dedicar tempo, todas as semanas, ao desenvolvimento de novas competências que possam impulsionar as suas carreiras. Esta tendência revela uma forte consciência sobre a necessidade de aprender ao longo da vida (lifelong learning), sobretudo numa realidade em que a formação inicial — seja académica ou técnica — raramente os prepara totalmente para os desafios futuros.
Apesar desta forte predisposição para a aprendizagem, uma proporção significativa dos inquiridos sente que os seus empregadores não estão a oferecer as ferramentas, programas ou cultura adequadas para apoiar esse crescimento. A maioria não se sente encorajada a explorar novos conhecimentos, nem vê reconhecimento formal pelas competências adquiridas fora das funções imediatas.
Este desajuste entre motivação individual e apoio organizacional levanta uma questão crítica para as empresas: como reter talentos que querem crescer, quando não se cria espaço interno para esse crescimento? Numa era em que as pessoas estão mais dispostas a sair de uma organização que não investe nelas, a falta de estratégias claras de desenvolvimento pode traduzir-se em rotatividade, frustração e perda de capital humano.
A natureza das competências em foco também está a mudar. O estudo mostra que, além das chamadas hard skills — como literacia digital, inteligência artificial ou análise de dados — há uma valorização crescente de competências interpessoais (soft skills) como empatia, pensamento crítico, colaboração, adaptabilidade e inteligência emocional.
As competências híbridas (que cruzam domínio técnico e humano) são hoje consideradas diferenciadoras. Num mercado onde a automatização e a GenAI ganham terreno, as capacidades humanas ganham novo valor — especialmente aquelas que não podem ser reproduzidas por máquinas.
Este desejo de crescimento constante implica um novo modelo de liderança. Os jovens esperam que os seus chefes sejam mentores e facilitadores, e não apenas gestores de tarefas. Procuram líderes que valorizem o potencial, e não apenas o desempenho imediato, que criem oportunidades formais e informais de aprendizagem (rotação de funções, feedback, coaching) e que ofereçam tempo e recursos para formação contínua
No geral, os dados indicam que não se trata apenas de formar colaboradores mais produtivos, mas sim criar ecossistemas organizacionais onde aprender seja natural, incentivado e recompensado.
Esta conclusão do estudo da Deloitte deve também alertar os sistemas educativos e os decisores políticos. A educação formal já não é uma etapa inicial, mas parte de um ciclo contínuo que deve ser promovido ao longo da vida. Políticas de reconversão profissional, subsídios à formação, incentivos fiscais à aprendizagem nas empresas e parcerias com centros tecnológicos são exemplos de respostas possíveis.
Sentido, salário e saúde mental: o triângulo de equilíbrio (ou tensão) das novas gerações
“Cerca de nove em cada dez jovens da Geração Z (89%) e dos Millennials (92%) consideram que ter um sentido de propósito é fundamental para a sua satisfação no trabalho e bem-estar”
Num mundo em rápida mutação, marcado por incertezas económicas, transformações digitais e exigências emocionais crescentes, a Geração Z e os Millennials estão a reformular a relação entre trabalho e identidade. Para estes jovens adultos, a motivação profissional já não reside apenas na progressão na carreira ou no salário competitivo — mas num tripé de equilíbrio entre dinheiro, propósito e bem-estar.
O relatório da Deloitte mostra com clareza esta reconfiguração, revelando que apenas 6% da Geração Z e uma percentagem ligeiramente superior dos Millennials afirmam que atingir uma posição de liderança é o seu principal objectivo profissional. Em contrapartida, a maioria procura um emprego que traga sentido, onde possam aprender, equilibrar vida pessoal e laboral e preservar a saúde mental.
Este dado representa uma ruptura geracional profunda com o modelo das décadas anteriores, onde o sucesso se media em cargos, estatuto e remuneração. As novas gerações aspiram a algo mais difuso, mas mais existencial: trabalhar sem se perder de si próprias.
No entanto e apesar desta aspiração legítima a um trabalho com sentido, os jovens enfrentam um contexto económico adverso: inflação persistente, aumento do custo de vida, dificuldade em aceder a habitação, instabilidade contratual e pressão para manter padrões de consumo elevados.
Este descompasso entre os valores desejados e as condições materiais disponíveis gera frustração. O estudo mostra que muitos Millennials e jovens da Gen Z relatam stress constante ligado às finanças pessoais, sendo este um dos principais factores que afecta o seu bem-estar mental.
Em paralelo, sentem que as organizações onde trabalham nem sempre reconhecem ou valorizam o seu esforço. Há uma sensação generalizada de que se trabalha muito… para pouco impacto e pouca recompensa.
Na ausência de segurança financeira robusta, o propósito no trabalho tornou-se uma âncora emocional e moral. Não se trata de um idealismo vazio: estas gerações estão profundamente preocupadas com questões como as alterações climáticas, a justiça social, a equidade de género ou o bem-estar colectivo.
Trabalhar para uma empresa com propósito claro e valores alinhados aos seus torna-se, assim, um critério de decisão. Cada vez mais jovens recusam trabalhar para empresas que desrespeitam o ambiente, tratam mal os trabalhadores, tenham estruturas hierárquicas opressivas e que evitam compromissos sociais reais.
O propósito tornou-se um novo critério de empregabilidade — e de fidelização.
Uma outra conclusão do estudo é a de que o bem-estar mental, por sua vez, já não é tabu. O estudo revela que 67% dos jovens com boa saúde mental sentem que o seu trabalho contribui positivamente para a sociedade e, entre os que têm saúde mental frágil, esse valor baixa para 44% (Geração Z) e 46% (Millennials).
Este dado mostra que não há propósito que resista a um ambiente tóxico ou exaustivo. Sem políticas reais de bem-estar (equilíbrio de horários, apoio emocional, gestão saudável das equipas), o “sentido” torna-se um discurso vazio.
Para as empresas, a mensagem é clara: ou integram este equilíbrio nas suas estratégias de gestão de talento, ou enfrentarão perda de atractividade e rotatividade elevada.
Para a sociedade em geral, este apelo das novas gerações pode ser lido como um sinal ético: trabalhar não pode ser sinónimo de sofrimento, nem um ritual de sobrevivência. Trabalhar deve ser compatível com viver — e com cuidar.
Educação superior em debate: vale (ainda) a pena?
“A relação entre as gerações mais jovens e a educação está a mudar — e as instituições terão de se adaptar se quiserem continuar a ser relevantes”
Durante décadas, o ensino superior foi apresentado como o caminho mais seguro para a mobilidade social e a estabilidade financeira. Mas essa promessa está a ser revista — e contestada — por quem deveria ser o seu principal público-alvo: os jovens.
De acordo com o estudo da Deloitte, 31% da Geração Z e 32% dos Millennials optaram por não frequentar o ensino superior. As razões invocadas são claras: custo elevado, dúvidas sobre a utilidade prática dos cursos e receios quanto ao retorno do investimento.
Este número é expressivo. Revela não apenas uma mudança de comportamento, mas também um profundo desencanto com o modelo académico tradicional, que muitos consideram desfasado da realidade do mercado e da complexidade do mundo contemporâneo.
Num contexto de inflação persistente, precariedade laboral e dificuldade no acesso à habitação, o ensino superior surge, para muitos, como um fardo financeiro em vez de uma alavanca de oportunidades.
Nos países onde o ensino superior é pago, o endividamento estudantil tornou-se um tema central. Mas mesmo em países com propinas mais acessíveis, os custos indirectos (transportes, materiais, alojamento, alimentação, perda de rendimento) pesam muito na equação.
Além disso, muitos jovens percebem que o diploma deixou de ser uma garantia de empregabilidade ou de rendimento elevado. Há licenciados subempregados, há cursos com baixa inserção no mercado, há desajuste entre o que se ensina e o que se exige.
Face a este cenário, assiste-se a um crescimento acelerado de formatos alternativos de aprendizagem, mais flexíveis, acessíveis e orientados para resultados concretos. A Deloitte destaca os seguintes:
- cursos técnicos e bootcamps intensivos (por ex.: programação, design, análise de dados);
- formações online (MOOCs, microcredenciais, plataformas como a Coursera, a Udemy, etc.);
- aprendizagens híbridas com estágio incorporado;
- mentoria, coaching, aprendizagem entre pares.
Estes modelos respondem assim a uma exigência nova: formar competências úteis, rapidamente aplicáveis e sem gerar dívidas excessivas.
Esta reavaliação algo surpreendente da educação superior levanta também uma questão ética e política de fundo: que papel deve ter a universidade na sociedade? Será um bem público essencial ao desenvolvimento humano, ou um produto transaccionável como outro qualquer?
Se a educação for pensada como mercadoria, sujeita apenas às leis da oferta e da procura, então a sua exclusão passa a ser aceitável. Mas se for entendida como direito fundamental e motor de cidadania plena, então o seu acesso deve ser garantido, financiado e adaptado às realidades sociais.
De acordo com o estudo da Deloitte, a questão central parece ser esta: a educação superior está a ser julgada não pelo que oferece, mas pelo que promete (e nem sempre cumpre).
As novas gerações já não vêem a educação como uma etapa inicial da vida, mas como um processo contínuo, fluido e adaptativo. Para isso, esperam que as instituições ofereçam conteúdos actualizados e ligados à realidade, que favoreçam metodologias mais participativas, interdisciplinares e críticas e que promovam competências humanas (criatividade, empatia, pensamento ético).
Desta forma, parece estarmos perante um ponto de viragem na forma como a educação é vivida e valorizada. A reavaliação da educação superior é, na verdade, um convite à reinvenção — para que aprender volte a fazer sentido e a abrir caminhos.
Para onde caminham as novas gerações?
Tendo em conta as principais conclusões do estudo da Deloitte, parece possível afirmar que a Geração Z e os Millennials estão a redesenhar os contornos do que significa trabalhar, aprender e viver com dignidade num mundo em permanente transformação. Ao rejeitarem modelos ultrapassados de sucesso — baseados apenas em estatuto, salário e conformismo —, estas gerações estão a colocar no centro do debate valores como o propósito, o bem-estar mental e a aprendizagem contínua.
Não se trata apenas de preferências pessoais. Trata-se de uma exigência colectiva por condições de vida mais humanas, sustentáveis e significativas, num contexto marcado por crises múltiplas: climática, económica, social e emocional.
Apesar do estudo levantar o véu sobre outras preocupações e aspirações destas novas gerações, são de salientar pelo menos três grandes conclusões:
- A revalorização da aprendizagem contínua revela o desejo de crescer num mundo em mudança, sem ficar preso a uma formação inicial rígida e insuficiente.
- A busca por um trabalho com propósito, equilíbrio e respeito mostra que o salário, por si só, já não é suficiente — é preciso reconhecimento, coerência e impacto.
- A reavaliação da educação superior denuncia uma promessa falhada: a de que o diploma garantiria mobilidade social, quando tantos jovens continuam precarizados ou desencantados.
O que estes dados sugerem é que estamos perante um apelo ético e estrutural. As empresas, as universidades e os decisores políticos terão de escutar e adaptar-se. Não para agradar a uma geração “exigente”, mas para reconstruir um pacto social que permita às pessoas viver, trabalhar e aprender de forma plena, justa e com futuro.
Porque, no fundo, estas gerações não estão apenas a perguntar “como podemos ter sucesso?”, mas sim a questionar “que mundo estamos a construir — e que lugar teremos nele?”.
Imagem: © Ben Robbins/Unsplash
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