Mudar uma organização é mesmo assim tão difícil? No setor social, onde recursos são escassos e as dinâmicas internas muitas vezes complexas, a transformação organizacional parece, por vezes, uma tarefa hercúlea. Mas e se olharmos para as organizações como sistemas vivos, com potencial constante de adaptação e crescimento? Neste artigo, são partilhadas aprendizagens reais de terreno entre desafios, descobertas e pequenos grandes passos rumo a mudanças sustentáveis. Porque desenvolver organizações é mais do que aplicar modelos: é criar relações, escutar com intenção e caminhar lado a lado
POR LILIANA DIAS
No universo da consultoria social, é frequente ouvirmos que mudar uma organização é uma missão quase impossível. A mudança cultural é muitas vezes encarada como um processo difícil, penoso e, por vezes, com reduzidos resultados. Mas será mesmo assim?
Se pensarmos numa organização como um organismo vivo — em constante adaptação, transformação e resposta ao seu meio — percebemos que a mudança não só é possível, como é inevitável. Relações, sinergias, tensões, geração de valor, conflitos… tudo faz parte de um sistema em movimento, com um potencial latente de evolução. Esse potencial nem sempre é canalizado de forma positiva, é verdade, mas está sempre presente.
Na minha experiência enquanto consultora, percebo como pode ser mais confortável adotar o papel externo de observadora. Elaboramos diagnósticos exímios, sustentados por dados recolhidos junto de equipas disponíveis e motivadas para partilhar o que não está a funcionar e o que poderia ser feito de forma diferente. Identificamos com clareza desafios, fragilidades e oportunidades. Mas depois… o plano esbarra na falta de meios, foco ou intenção clara.
O diagnóstico é importante, claro. Mas é apenas o ponto de partida. Não deve ser um fim em si mesmo, nem determinar, por si só, o futuro de financiamento de uma organização. Mais do que um instrumento prescritivo, deve abrir caminhos — cenários possíveis, soluções flexíveis e ajustadas ao contexto e à realidade de cada organização.
E é aqui que entra a verdadeira natureza deste trabalho: o desenvolvimento organizacional (DO) não se faz de fora para dentro. É, acima de tudo, um processo colaborativo e emergente. Não se trata de um serviço prestado por especialistas, mas de uma parceria autêntica entre quem conhece intimamente a organização e quem está presente para facilitar, inspirar e apoiar. O papel do consultor não é o de “fazedor da mudança”, mas o de aliado estratégico, que ajuda a criar as condições para que essa mudança aconteça, de forma sustentável, orgânica e com verdadeiro impacto.
O momento que mais me entusiasma neste processo é precisamente aquele em que o consultor se torna, em certa medida, dispensável porque a mudança já está em curso, liderada por pessoas da própria organização. Muitas vezes, essa transformação é subtil: um pequeno ajuste aqui, uma nova prática ali, um alinhamento entre pessoas ou equipas… E, pouco a pouco, acumulam-se ganhos significativos, que fazem toda a diferença.
Nos últimos seis anos, tive o privilégio de acompanhar várias organizações de proteção e sensibilização ambiental na África Ocidental no seu percurso de desenvolvimento organizacional, apoiado por organizações clientes da Stone Soup Consulting. Foi nesse contexto que aprofundei a reflexão sobre o equilíbrio delicado entre três partes essenciais: a organização, o financiador e o consultor. É fundamental estabelecer uma tríade funcional que responda a necessidades e prioridades distintas, ao longo de vários anos, sem perder o foco central: promover a autonomia e o fortalecimento da organização.
Com a equipa da Stone Soup Consulting, temos consolidado algumas aprendizagens nestes projetos de OD que partilho aqui:
- Respeitar o ritmo da organização, evitando impor uma lógica de projeto típica da consultoria tradicional;
- Construir uma relação de confiança e transparência com a liderança;
- Criar momentos regulares de reflexão e ajustamento do plano de DO (mensais ou bimensais);
- Promover uma cultura de aprendizagem contínua — também entre consultores;
- Facilitar ferramentas simples, práticas e orientadas para os desafios concretos da organização;
- Evitar idealizações e focar no que é exequível e adequado em cada contexto;
- Medir e valorizar todos os pequenos ganhos, como forma de validar a relevância, o impacto e a satisfação dos envolvidos no processo de DO.
Ajudar a desenvolver organizações é, no fundo, um processo de escuta e observação ativas, de construção conjunta e respeito profundo pela identidade de cada contexto organizacional. Não é uma fórmula mágica. É uma viagem partilhada de maturação e crescimento entre diferentes atores interessados no sucesso das organizações.
Imgem: Suzanne D. Williams/Unsplash.com
Consultora Principal na Stone Soup Consulting nas áreas de Gestão de Recursos Humanos e Responsabilidade Social Corporativa. É mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, com Mestrado em Gestão de Recursos Humanos pela ISCTE Business School e Pós-graduação em Criatividade e Design Management para a Inovação Empresarial pelo IADE. Conta com mais de 18 anos de experiência profissional em consultoria de recursos humanos e práticas de responsabilidade social organizacional, com particular enfoque na conceção de programas e projetos de desenvolvimento organizacional.