Como é habitual, o Fórum Económico Mundial divulga o seu top 10 de tendências que irão afectar o planeta e a humanidade nos próximos 12 meses. O relatório deste ano confirma que os líderes globais continuam a não encetar os esforços necessários para abordar e, idealmente, ajudar a solucionar, as questões sociais, económicas e políticas que continuamente contribuem para que a espécie humana se sinta desencorajada e perdida. Que este ano seja diferente, pois o tempo está a esgotar-se
POR
HELENA OLIVEIRA

Todos os anos, o Fórum Económico Mundial (FEM) recorre aos conhecimentos, capacidades de “observação” e experiência dos membros que pertencem ao seu Global Agenda Council, pedindo-lhes que identifiquem as temáticas que acreditam vir a ter o maior dos impactos nos próximos 12 a 18 meses. Depois de devidamente tratada toda a informação, é “gerado” um Top 10 de tendências que funciona como uma previsão dos tópicos sociais, económicos e políticos que marcarão o nosso horizonte colectivo. Como também já é habitual, o VER resume as tendências em causa na sua primeira newsletter do ano, oferecendo aos leitores uma antevisão das questões globais que, muito provavelmente, mais marcarão este 2015 que se inicia, recorrendo aos dados fornecidos pelo FEM.

Numa introdução assinada por Al Gore, o antigo vice-presidente dos Estados Unidos começa por alertar para aquela que foi considerada a tendência número 1, a qual não é mais do que uma infeliz extensão do que tem vindo a ser norma não só em 2014, mas também em anos anteriores: o agravamento, cada vez mais pronunciado, da desigualdade de rendimentos. A verdade é que à medida que o mundo rico continua a acumular riqueza a níveis recordistas, a outrora classe média vê a sua situação a deteriorar-se continuamente. Os números são ilustrativos, apesar de já não constituírem nenhuma novidade: o 1% da população “top” recebe um quarto do rendimento gerado nos Estados Unidos e, ao longo dos últimos 25 anos, o rendimento médio daqueles que constituem 0,1 por cento cresceu 20 vezes mais comparativamente ao de um cidadão médio. No ano que agora terminou, esta tendência ocupava o segundo lugar no top em causa, posicionando-se agora num vergonhoso 1º lugar.

Sem surpresa é igualmente o segundo lugar ocupado pelas preocupações, sem tréguas, relacionadas com o aumento global do número de desempregados. O tema é igualmente recorrente, sendo que desta vez se apresenta sob a forma de “crescimento persistente do desemprego”. Apesar de uma retoma generalizada, mesmo que não muito significativa, das economias, o número de postos de trabalho continua em queda abrupta, sendo que a insatisfação popular, comum a várias regiões do planeta, é direcionada para a (não) resposta governamental, a qual se reflecte em duas tendências subsequentes: a ‘ausência de liderança global’ e ‘o enfraquecimento da democracia representativa’, sugerindo ambas uma desconexão perturbadora entre os cidadãos e as autoridades que os governam.

As preocupações crescentes relativas à segurança em várias partes do mundo, em conjunto com as ameaças que se multiplicam face à estabilidade de vários estados e seus cidadãos ocupam o terceiro lugar na lista. Desde a renovada onda violência que assola a faixa de Gaza até à intervenção da Rússia na Ucrânia, sem esquecer o terror e horror personificados pelo denominado Estado Islâmico (EI), as tensões geopolíticas dominaram as manchetes ao longo de 2014 e não existem sinais alguns de esperança que o cenário se modifique no corrente ano. Apesar de serem vários os esforços dedicados a diminuir estes conflitos – sem grandes efeitos, na verdade – certo é que ‘o aumento da concorrência geopolítica’ e a preocupante ‘intensificação dos nacionalismos’ irão continuar a dominar as preocupações globais ao longo dos próximos meses.

As preocupações económicas e ambientais que marcaram igualmente 2014, duas áreas estreitamente ligadas entre si, na medida em que a prosperidade económica de longo prazo depende da sustentabilidade ambiental, manter-se-ão como desafios cruciais que, de forma cada vez mais urgente, necessitam de uma resposta concertada por parte de todos os líderes globais. Já ninguém pode negar as evidências e os resultados que advieram do pensamento económico de curto prazo a par da utilização abusiva e mais do que irresponsável dos recursos do planeta, sejam eles o aumento dos níveis de poluição nos países em desenvolvimento, as disputas crescentes entre países vizinhos por água, os cada vez mais frequentes e avassaladores eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento climático, a crise contínua e imparável do desflorestamento, a acidificação cada vez mais rápida dos oceanos, a erosão dos solos aráveis e da “capacidade agrícola e a alarmante crise na biodiversidade sem qualquer paralelo na história moderna.

Como sublinha Al Gore, desde o seu polémico mas esclarecedor documentário sobre as alterações climáticas, o famoso “A Verdade Inconveniente”, as questões ambientais estão, finalmente, na vanguarda do diálogo global. Para o antigo vice-presidente de uma das nações mais poluidoras do mundo, posicionamo-nos, neste momento, numa enorme encruzilhada, num período em que cada decisão tomada (ou não tomada) ditará a saúde a viabilidade da civilização para as décadas seguintes. 2015 será igualmente o ano em que as nações se juntarão em Paris para negociar o próximo acordo climático global. E caso se mantenha o impasse que tem ditado as já várias cimeiras mundiais sobre o clima, a verdade é que o tempo se está a esgotar. E os decisores globais terão de perceber, de uma vez por todas, que só com acções concertadas, espirito colaborativo e coragem para alterar o status quo até agora vigente, será possível garantir a sustentabilidade do planeta e da espécie humana.

Na medida em que o VER tem lutado, ao longo dos últimos anos, para alertar para uma nova cultura organizacional, no particular, e para uma visão, no geral, mais humana, mais preocupada com o próximo, que leve a sério os desafios ambientais, sociais, económicos e globais, através de uma filosofia inovadora que conjugue e cumpra os objectivos empresariais com a melhoria da sociedade, elegendo o bem comum em detrimento do proveito próprio, elegemos de seguida as tendências acima mencionadas que merecem um olhar mais aprofundado.

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Desigualdade: o monstro das várias cabeças

Sendo, indubitavelmente, um dos mais prementes desafios da actualidade, a desigualdade de rendimentos constitui, de forma específica, um dos aspectos mais visíveis de uma problemáticas mais ampla e complexa, a qual inclui a não igualdade de oportunidades e se estende a questões de género, etnicidade, deficiência, idade, entre outras. “Eleita” como o mais importante desafio para 2015 pelo painel de especialistas do Fórum Económico Mundial, tem a particularidade de afectar a generalidade dos países, apesar de, e naturalmente, o fosso de muitos ser muito mais pronunciado do que o de outros. Mas a verdade é que tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, a metade mais pobre da população controla, na maioria das vezes, menos do que 10% da riqueza total correspondente ao país em causa. O desafio é, assim, universal, só podendo ser minorado se o mundo inteiro o abordar de forma coerente e continuada.

Se é verdade que o crescimento económico começa a dar alguns ares de sua graça um pouco por todo o mundo, mais real é ainda o facto de se manterem ou se agudizarem os mais perturbadores desafios que incluem a pobreza, a degradação ambiental, o desemprego persistente, a instabilidade política, a violência e os conflitos armados. Estes problemas, que se reflectem em muitas partes deste relatório, estão intimamente relacionados com a desigualdade.

Os perigos inerentes ao negligenciar da desigualdade são óbvios. As pessoas, em especial as mais jovens, são excluídas da vida “normal”, sofrem de sentimentos de “não-pertença” e são mais vulneráveis a situações de conflitos e violência. Por seu turno, reduz a sustentabilidade do crescimento económico, enfraquece a coesão social e a segurança, debilita as democracias e paralisa as esperanças que possamos ter relativamente a um desenvolvimento sustentável e a uma sociedade mais pacífica.

Para se abordar de forma eficaz a questão da desigualdade, os países precisam de se comprometer com uma agenda integrada, que considere o problema de acordo com as dimensões sociais, económicas e ambientais, incluindo o acesso à educação, à saúde e aos recursos. E central a estas soluções é o “cesto” repleto de intervenções que promovam o acesso equitativo aos recursos e aos serviços, bem como ao crescimento inclusivo através de empregos e vidas dignos para todas as pessoas. Para aumentar o impacto destas intervenções essenciais, são urgentes dados de elevada qualidade e transparência, os quais permitam direcionar os investimentos e canalizar os recursos para as áreas onde são mais necessários.

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Desemprego de longa duração e o fantasma da automação

As transformações e o desemprego associados ao progresso tecnológico estão a ocorrer com demasiada rapidez, provocando impactos dramáticos, muitos dos quais ainda não devidamente percepcionados. Se olharmos para as estatísticas sobre os trabalhadores com idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos, a percentagem daqueles que não se encontram a trabalhar não pára de aumentar, atingindo valores verdadeiramente dramáticos. Se a tendência se mantiver inalterada, é muito provável que ao longo da próxima geração, contando a partir de agora, cerca de um quarto da população em idade activa esteja sem trabalho. Mesmo a China, que tem vindo a gozar de um crescimento sem precedentes no que respeita à competitividade e às exportações, há já 20 anos que assiste a um declínio nos seus números de emprego, exactamente devido à rápida industrialização e à utilização da tecnologia e da automação.

De acordo com Larry Summers, o professor de Harvard que assina esta “tendência”, a automação consiste no principal factor para a crescente escassez de postos de trabalho. Apesar de a tecnologia também os criar, obviamente, as capacidades dos trabalhadores de rendimentos médios e baixos são as que mais facilmente são substituídas pela “era das máquinas”. Todavia e mesmo assim, se a ideia for pesar os prós e os contras do progresso tecnológico, o professor de Harvard considera que este último tem mais benefícios do que prejuízos. Todavia, se não se agir rapidamente, corremos o sério risco de vir a gozar de menos melhorias na qualidade de vida e o número de pessoas que será “deixado para trás” aumentará substancialmente. Larry Summers prevê ainda uma perda significativa de legitimidade e confiança nos governos, um aumento do recurso dos líderes políticos aos nacionalismos e, sem dúvida alguma, a uma raiva e descontentamento crescentes nas populações, em particular contra as minorias que vivem no seu interior. E esta é mais uma das razões para que todas estas problemáticas que aqui aparecem como as grandes tendências/desafios para 2015 estejam intimamente interligadas.

A fraqueza e o cansaço das democracias representativas

08012015_NovoAnoVelhosProblemas3Desde a grande recessão económica de 2008, que a erosão da confiança nas instituições e nos processos políticos não pára de aumentar. Os cidadãos confiam mais nas empresas do que nos seus próprios líderes, e mesmo que a confiança relativa ao sector privado se mantenha “cautelosa”, de acordo com o último Edelman Trust Barometer, a confiança global nas empresas ascende a 58% face à demonstrada nos governos, que não vai além dos 44%.

Como recorda Jorge Soto, fundador da Data4 e membro do Global Agenda Council, que assina esta tendência em particular, sobretudo nos últimos dois anos, os protestos dos cidadãos dominaram muitas das manchetes noticiosas em vários países do mundo. A Grécia e a Espanha demonstraram a sua raiva nas ruas devido à crise da zona euro (algo que Portugal conheceu também), os ucranianos ocuparam a zona central de Kiev, e são muitas poucas as nações – desde as do norte de África até às do Médio Oriente – que se mantiveram imunes às repercussões causadas pela Primavera Árabe. A verdade é que os “nativos digitais” confiam cada vez mais nas tecnologias para se mobilizarem face ao défice democrático. Hong Kong foi, já no final do ano de 2014, a última região a “sair para a rua” para um protesto de larga escala.

Se os mecanismos se parecem alinhar para que os sistemas se tornem mais democráticos do que nunca, a verdade é que existe uma desconexão dramática entre os cidadãos de todo o mundo e os políticos eleitos que, supostamente, os deveriam representar. Graças à Internet, os cidadãos conseguem identificar pessoas com quem partilham os mesmos valores ou medos, trocam ideias e constroem relacionamentos de uma forma muito mais célere do que até então. Para Jorge Soto, o principal problema reside no facto de possuirmos instituições do século XIX, que funcionam com as estruturas mentais do século XX, e que tentam comunicar, sem sucesso, com os cidadãos do século XXI. Os governos são eleitos, dissolvidos e reeleitos perseguindo apenas agendas de curto prazo, ao mesmo tempo que os ciclos que inovam e constroem a confiança com os eleitores requerem investimentos de longo prazo.

Como ponto de partida, adverte Soto, os governos deverão tratar as pessoas como indivíduos e comunicar com elas através dos meios mais apropriados. Os media sociais não constituem, obviamente, uma panaceia para este fim, principalmente quando são mal utilizados pelas instituições tradicionais, como por exemplo o Estado, o que tende a provocar uma disparidade entre as mensagens que vão circulando e os eventos que realmente estão a ocorrer em determinado local. Mesmo assim, a tecnologia tem o potencial para assegurar que as pessoas sejam suficientemente representadas. Todos os tipos de processos democráticos podem ser melhorados através da tecnologia, seja o voto online, as petições electrónicas ou as sondagens via smartphones.

Acima de tudo, para Jorge Soto, os líderes devem utilizar a tecnologia – em conjunto com a sua experiência -, para melhor compreenderem os incentivos, medos e motivações dos seus cidadãos, e comunicar, de seguida, as políticas por ele sconsideradas para abordar estes factores. Quando os governos deixarem de ser o centro de tudo, e as pessoas perceberem que são, ao invés, verdadeiros solucionadores de problemas, então o estado das coisas mudará. Como remata Jorge Soto, aquilo que estamos a assistir não é à morte da democracia. Mas a uma urgência para que a mesma se adapte aos tempos que vivemos.

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