Apesar dos inúmeros debates, pesquisas e até leis, a igualdade de género continua a ser uma utopia no mundo laboral (e não só). E o sector das tecnologias não é excepção. Para contrariar esta tendência, a ITU, agência das Nações Unidas para as TIC, elaborou um relatório que mostra as mais-valias da presença feminina, neste sector e na economia em geral, e criou o Dia Internacional das Mulheres na Tecnologia. A Microsoft Portugal aliou-se à ITU e criou o programa de formação “Do IT, Girls”, para 40 mulheres entre os 18 e os 26 anos
O sector das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) é dinâmico e revela-se determinante para o desenvolvimento da economia, quer a nível nacional, quer internacional, tendo conta as oportunidades de emprego que oferece e que continuam em franco crescimento. No entanto, e tal como acontece em muitas outras áreas, às mulheres não estão a ser dadas as mesmas oportunidades de carreira comparativamente aos seus pares masculinos. Adicionalmente, as diferenças de género acentuam-se particularmente nos cargos de topo das organizações, os quais são, na sua esmagadora maioria, ocupados por homens. Mais preocupante é o facto de a presença feminina no sector das tecnologias nas economias mais desenvolvidas e avançadas ter vindo a decair nos últimos anos, o que leva a concluir que a questão da desigualdade não está presente apenas ao nível cimeiro da carreira, mas desde as suas bases, em conjunto com problemas vários que incluem a retenção de talentos, a desmotivação ou a falta de políticas que estimulem a sua progressão e consequente promoção no sector em causa. Num sector predominantemente masculino, as mulheres representam, nos países da OCDE e actualmente, menos de 20% dos trabalhadores especializados em novas tecnologias. No entanto, nem sempre foi assim. A título de exemplo, em 1946, o primeiro computador digital completamente electrónico da história – o ENIAC – foi desenvolvido por dois cientistas norte-americanos, John Eckert e John Mauchly, mas o seu complexo sistema de programação foi criado por seis mulheres que precisaram de esperar 40 anos para ganhar o devido reconhecimento pelo seu trabalho. Na década de 80 e nos Estados Unidos, 37% das licenciaturas em ciências computacionais eram concluídas por jovens mulheres. Hoje, a percentagem desce abaixo dos 20% e, apesar das jovens raparigas utilizarem os computadores e a Internet a ritmos similares aos dos rapazes, são cinco vezes menos propensas a considerar uma carreira relacionada com a tecnologia. Para contrariar a actual tendência de “domínio” masculino do sector, a ITU, uma agência das Nações Unidas para as TIC criou, em 2010, o Dia internacional das Mulheres na Tecnologia, promovido a partir do portal “Girls in ICT”, e lançado com o intuito de promover a igualdade de género nesta área. Esta agência elaborou ainda, em 2012, um relatório denominado “Um futuro brilhante nas TIC – oportunidades para uma nova geração de mulheres” com o objectivo de mostrar as mais-valias da igualdade de género, neste sector e na economia em geral, e o que os governos podem e devem fazer para a promover e implementar. A Microsoft Portugal, a par de outras empresas tecnológicas, aliou-se à ITU nesta causa e criou um programa de formação, capacitação e empregabilidade de mulheres nas áreas das TIC, denominado “Do IT, Girls”. Este programa consiste numa formação, ao longo de dois meses, no qual participam 40 mulheres entre os 18 e os 26 anos. Após este período, que conta com a realização de três provas, serão seleccionadas cinco participantes para realizarem estágios na própria Microsoft ou nas suas empresas parceiras. Desenvolver competências, reduzir o desemprego jovem, e criar oportunidades de emprego qualificado junto do público feminino, nas diversas áreas das TIC, são os grandes objectivos deste programa (ver Caixa). O Dia Internacional das Mulheres na Tecnologia é celebrado na última quinta-feira do mês de Abril e, desde 2010, tem-se vindo a transformar num movimento global com notoriedade crescente em mais de 140 países. O portal “Girls in ICT” coloca à disposição diversos materiais que podem ser usados livremente para promover este dia, incentivando a sua celebração, independentemente de se tratar de um pequeno grupo de amigas ou de uma grande organização. Um “desconhecido mundo de criatividade e inovação”
No relatório realizado pela ITU e já anteriormente mencionado, são apresentadas pesquisas sobre as tendências globais do desenvolvimento profissional das mulheres, nomeadamente no sector das TIC. O documento mostra ainda que os cargos cimeiros são ocupados essencialmente por homens, ao passo que nos níveis mais baixos as mulheres predominam, uma realidade comum a muitas outras áreas profissionais. De acordo com os dados disponibilizados neste estudo, e em média, 30% dos cargos técnicos são ocupados por mulheres, 15% ascendem a posições de gestão e apenas 11% têm uma “palavra a dizer” no que respeita a funções de estratégia e planeamento. O talento humano e as competências certas constituem a chave do “vibrante” e diversificado mundo das novas tecnologias. Mas esta “chave” só é viável se for acompanhada por uma educação não discriminatória, que terá de ser feita nas escolas e universidades e de responder às necessidades da indústria das TIC, a qual muda à velocidade da luz. Desta forma, as qualificações no sector das TIC têm de incluir um conjunto vasto de áreas que consigam, por um lado, atrair a atenção do público feminino, e, por outro, responder às exigências do mercado. De acordo com Hamadoun Touré, secretário-geral da ITU, “as pesquisas revelam que as mulheres escolhem profissões onde sentem que conseguem fazer a diferença, como a saúde e a educação” e que as diversas iniciativas desta agência, nomeadamente o portal, pretendem “mostrar que há muito mais nas TIC do que escrever códigos de computador”, sendo este um “mundo desconhecido de criatividade e inovação”. Mas nem tudo são más notícias. O mesmo relatório indica que as restrições às desigualdades entre homens e mulheres, a nível laboral, têm sido um forte impulsionador do crescimento económico europeu na última década. Por oposição, na Ásia e na região do Pacífico, as restrições laborais que afectam as mulheres custam aos estados entre 42 e 46 mil milhões de dólares anuais, sendo os países árabes aqueles onde a desigualdade de género é mais acentuada. Ou seja, contratar mulheres e incentivá-las a seguir carreira nas TIC não é apenas uma questão de justiça social nem uma “boa prática”, mas sim uma decisão inteligente para o desenvolvimento da economia. Hamadoun Touré comentou, a este respeito, que “as TIC melhoram a vida das pessoas em todo o mundo e a vários níveis, como a saúde, a educação, a gestão ambiental, ou as comunicações”. Pesquisas feitas pela ITU, e por muitas outras organizações, mostram que existe uma correlação positiva entre a igualdade de género nos lugares de liderança das empresas e os seus resultados ao nível financeiro, e que equipas mais equilibradas tomam decisões mais sensatas, com mais informação e menos riscos, aumentando os lucros para as empresas. Estas conclusões foram, aliás, avançadas por um outro estudo, já divulgado no VER, que dá “pontos” às mulheres em aspectos relacionados com as competências interpessoais, mas também em termos de liderança (em dimensões como “tomar iniciativa” e “obter resultados”, por exemplo). No entanto, e apesar das evidências sobre os seus benefícios, a igualdade de género continua a ser uma rara realidade, muitas vezes imposta pelo polémico sistema de quotas, o qual conduz a uma “igualdade forçada” e pouco verdadeira, mas que, infelizmente, parece continua a ser a medida mais eficaz para promover a ascensão de mulheres aos cargos de liderança.
(Des)codificar preconceitos Ao mesmo tempo, toda a comunidade educativa (pais, professores, educadores, etc.) deve estar atenta ao facto de as carreiras em TIC constituírem uma oportunidade viável para as raparigas em idade escolar. O tipo de educação deve estar de acordo com as exigências do mercado laboral, devendo existir uma restruturação do ensino, de forma a preparar os alunos para o ensino regular mas também para cursos vocacionais, devendo as TIC estar presentes em ambos. As escolas devem melhorar a qualidade do seu ensino, preparando e incentivando os alunos a trabalharem em grupo e a desenvolverem competências interpessoais. Desde a “bolha das dot-com”, no início do milénio, que a procura por profissões no sector tecnológico tem aumentado exponencialmente. Prevê-se que o sector das TIC dê emprego, nos próximos anos, a pelo menos 1,7 milhões de pessoas, estimando-se uma oferta de cerca 700 mil postos de trabalho na Europa, 800 mil nos EUA e 200 mil só no Brasil.
Uma grande parte do crescimento deste sector altamente globalizado resulta de ganhos de eficiência conseguidos com a reorganização global da procura, do desenvolvimento e da produção. Desta forma, é possível encontrar produzir e vender os produtos em (e para) qualquer parte do mundo, o que potencia a existência de novos e melhores produtos e serviços das TIC, acompanhados por uma forte expansão de mercado. Com estes valores e resultados, seria impossível que este sector se resumisse ao desenvolvimento de código para computadores. Pelo contrário, há uma panóplia de profissões dinâmicas, nas mais variadas áreas das TIC, que permitem e promovem a criatividade e a intuição, atraindo o interesse e a atenção do público feminino. O factor mais importante para um país é, na opinião dos líderes da ITU, o seu capital humano, e as mulheres representam pelo menos metade desse mesmo capital. Extinguir as desigualdades de género é, por esse motivo, mais do que uma questão de justiça social. É, acima de tudo, um sinal de eficiência e inteligência que aumenta a produtividade e os ganhos para a economia. Os líderes das empresas, os educadores e os legisladores do mundo inteiro têm, segundo o relatório analisado, que se unir e trabalhar no sentido de remover todas e quaisquer barreiras à entrada e à continuidade das mulheres no mercado de trabalho do sector tecnológico. Em conjunto, devem educar os cidadãos e criar políticas de incentivo à igualdade de oportunidades, independentemente do género, quer nos níveis mais elementares, quer nas posições de liderança das organizações. As competências e o mérito devem ser, segundo o relatório, os factores a ter em conta, nas organizações e nas actividades económicas dos países.
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Jornalista