Se é daqueles que acredita que o mundo, por causa da globalização, se tornou plano, esqueça. Ele continua redondo e bem redondo. Esta é a convicção do guru da gestão, Pankaj Ghemawat, que esteve em Lisboa a convite da AESE e que surpreendeu uma plateia de investidores e empresários ao alertá-los para o mito da globalização. Defendendo que os níveis de integração económica são ainda demasiado limitados, o conceituado Professor aconselha ainda Portugal a “abrir asas”, a sair da sua zona de conforto e a explorar “contextos de negócio significativamente diferentes daqueles a que está habituado”
Habituados que estamos a ouvir e a ler que vivemos num mundo globalizado e eis que surge Pankaj Ghemawat a afirmar (e a provar, com muitas estatísticas e mapas) exactamente o contrário. Considerado pelo The Economist como um dos grandes pensadores da gestão da actualidade, o especialista de visita à AESE explica porquê. Este professor de estratégia global, nascido em Jodphur, na Índia, que lecciona, actualmente no IESE -Instituto de Estudios Superiores de la Empresa em Barcelona, veio a Lisboa, a convite da AESE – Escola de Direcção e Negócios –, para participar como conferencista no PADE – Programa de Alta Direcção de Empresas – programa que a AESE também tem realizado em Luanda, juntamente com a ASM e o IESE. Adicionalmente, o Professor foi igualmente orador numa conferência de final de tarde, subordinada ao tema “Portugal no mundo 3.0”, uma “adaptação” do título do seu mais recente livro “World 3.0: Global Prosperity and How to Achieve it”. Se o leitor se recorda dos sucessos literários do optimista Thomas Milton Friedman sobre a globalização e o desvanecimento das fronteiras, dos oceanos e da distância como obstáculos à revolução da informação responsável por nivelar o terreno da economia global, está na altura de reequacionar estes argumentos. Porque. pelo menos de acordo com Ghemawat, esta tese está errada e isenta de dados que a confirmem. Para o professor de estratégia global, a ideia de que o “mundo é plano” constitui a pior forma possível de se olhar para a globalização. Pelo contrário e de acordo com as estatísticas apresentadas, os níveis de globalização são muito limitados: “relativamente ao que estamos habituados a ouvir – de que os níveis de globalização mundial superam os 80% -, eu afirmo que o mundo é apenas 9% globalizado”, declarou, perante uma plateia surpreendida. Para certificar o seu ponto de vista e tal como é seu hábito nas apresentações que faz um pouco por todo o mundo, Ghemawat fez um “teste” de perguntas à audiência, sobre vários indicadores de globalização, provando que a sua sobrestimação é enorme e que as pessoas erram por margens significativas. A título de exemplo, a percentagem do PIB mundial representada pelas exportações constitui apenas 20%, os fluxos de investimento directo estrangeiro ocupam uma fatia de pouco mais de 9% da formação bruta de capital fixo, a percentagem de estudantes universitários a estudar fora dos seus países de origem não supera os 2% e a imigração não é superior a 3%. E é contra os “erros sistemáticos” e o “padrão de exagero em diferentes partes do mundo” [sobre os níveis de globalização] que Ghemawat se insurge, no sentido de alertar os empresários para verem a realidade e não sucumbirem ao mito. “O principal problema que estamos a observar é o facto de as pressões para o proteccionismo poderem constituir a pior cura para a doença que, actualmente, nos afecta”, afirmou, em entrevista à AESE, à qual o Ver teve acesso. “A grande oportunidade para o crescimento reside numa integração adicional, pois os níveis correntes de integração na economia mundial são ainda muito reduzidos”, acrescentou. Identificando os principais motivos subjacentes a esta sobrestimação – a ausência de dados fidedignos, o facto de “as pessoas acreditarem naquilo que mais desejem ou temem”, a par da pressão social, pois é “moderno” afirmar que o mundo é globalizado, sem esquecer aqueles que acreditam que a tecnologia torna obsoleta os princípios culturais ou políticos – Pankaj Ghemawat está certo que, ao contrário dos crentes da globalização, não assistimos ainda a um desaparecimento das barreiras geográficas, culturais, administrativas e tão pouco económicas. Pelo contrário e tal como é amplamente desenvolvido no seu último livro, Ghemawat defende um modelo de avaliação de distâncias (geográficas, culturais, administrativas e económicas) com o intuito de tornar visíveis as diferenças não só nacionais, como sectoriais, para a necessária criação de valor. Para o Professor, reconhecer as semelhanças, mas dar particularmente atenção às significativas diferenças existentes entre os países, abrirá caminho a novas oportunidades de crescimento. O seu livro World 3.0 sugere um remapeamento do “terreno” ou, mais especificamente, uma avaliação mais realista tanto da globalização como da regulação, no sentido de uma maior prosperidade, que envolve uma maior integração do mercado bem como uma regulação do mesmo mais limitada. Alargar os ciclos de cooperação e dissociar a integração e regulação como dois domínios de escolha separados e não binários abre, a seu ver, inúmeros e potenciais caminhos no sentido de uma maior prosperidade e segurança. No seu livro, Ghemawat socorre-se igualmente do trabalho de muitos investigadores em áreas diversas mas, sem falsas modéstias, exacerba o seu próprio conhecimento e experiência. Doutorado em economia, concentrou a sua área de estudo na análise da economia organizacional industrial, particularmente nos fracassos do mercado e na sua regulação, a par de estudos económicos empíricos sobre como as diferenças e as distâncias afectam o comércio e outros tipos de fluxos económicos. O lugar reservado às empresas, nas quais trabalhou, investigou e escreveu ao longo de 30 anos serve, como o próprio escreve, para adicionar realismo ao livro, no sentido de que são estas, e não os mercados, as principais mediadoras das trocas internacionais. E perceber de que forma pensam os negócios sobre os ganhos provenientes das operações além-fronteiras aumenta e enriquece a discussão dos benefícios sociais provenientes de uma maior abertura. Saber explorar as diferenças, em vez de as tratar como limitações que se devem modificar ou superar é, aliás, o argumento principal do seu livro.
Portugal precisa de soltar amarras Na entrevista concedida à AESE, e referindo-se especificamente às empresas nacionais que operam além-fronteiras, Ghemawat realça o excessivo enfoque, por parte destas, “em operarem em mercados muito similares ao de Portugal”. Assim, aconselha os empresários e investidores portugueses a fazerem “um melhor trabalho na abordagem das diferenças que emergem fora das fronteiras nacionais, caso queiram ser bem-sucedidos em outros mercados que não os tradicionais que, na maior parte dos casos, se situam na Europa”. Mais ainda, numa altura em que se estima que a quota-parte europeia no que respeita ao PIB mundial enfrentará um declínio nas próximas décadas, “torna-se claro que as empresas portuguesas que queiram crescer terão de pensar em alargar as suas asas para voos muito mais longos do que aqueles feitos até agora”, acrescentou. Todavia e apesar de esta realidade poder envolver maiores investimentos ou exportações para países que, apesar de geograficamente distantes, têm relações de proximidade com Portugal, como o Brasil e os PALOP, Ghemawat alerta para o seguinte facto: “não nos podemos esquecer que o maior volume de crescimento do PIB mundial, nas próximas décadas, será, supostamente, na Ásia, e em particular, na China e na Índia”. Assim, e mais uma vez dirigindo-se às empresas portuguesas, avisa: “estas terão de pensar seriamente sobre como desenvolver as suas capacidades para lidarem com contextos significativamente diferentes daqueles a que estão habituados”. O Professor afirmou ainda, no que respeita ao debate em voga sobre o facto de os mercados emergentes se estarem a aproveitar das fraquezas do Ocidente, que não concorda que os ganhos de um país representam as perdas para outro, mas sim que ambos podem beneficiar mutuamente. “Existem enormes complementaridades entre o que os mercados emergentes têm para oferecer e o que as economias desenvolvidas precisam, e vice-versa”, assegura. “O que poderemos vir a observar no futuro e, pela primeira vez na História recente, será um padrão de trocas equilibradas, no qual ambas as partes contribuem para algo crucial ao bem-estar dos outros”, credita. E não existe melhor definição de “globalização” do que esta.
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Editora Executiva