POR HELENA OLIVEIRA
Enquanto em Portugal ainda não se sabe bem quem ganhou ou quem perdeu as eleições, os líderes partidários se desdobram em reuniões, e pelo menos metade do país oferece bitaites no Facebook e seus congéneres sobre o estado do País – o governo da Suécia está a levar a cabo uma experiência que poderá mudar para sempre a equação “mais horas de trabalho, maior produtividade”.A notícia saltou para as páginas dos jornais, foi partilhada nas redes sociais, e apresentada como uma espécie de “loucura sueca”, apesar de, em alguns casos, muito descontextualizada. E porque as pessoas só lêem o que querem ler, de repente, toda a gente desatou a falar do alto da sua sapiência afirmando que a Suécia iria implementar uma jornada de trabalho de apenas seis horas diárias e que bom que era podermos fazer o mesmo. Mas não é bem assim. O que a Suécia está a fazer é uma experiência-piloto, exactamente denominada como a “experiência de Svartedalens”, nome de um lar de idosos público, em Gotemburgo, a cidade escolhida, há cerca de um ano, pelo executivo sueco para testar este novo modelo enquanto um possível caminho para se aumentar a produtividade.
Como em qualquer outra experiência “laboratorial”, existem dois grupos de controlo: um que continua a trabalhar as sete horas diárias – que são já uma realidade nos países escandinavos, conhecidos pelas suas políticas de conciliação família-trabalho e os que menos horas trabalham entre os países da OCDE – e um outro, em que lhes foi retirada uma hora ao seu horário normal, e para o qual existem já alguns benefícios comprovados, sendo que o salário permanece inalterado. Por outro lado, o município foi obrigado a contratar pessoal extra para este período experimental, o que também coloca um problema de custos acrescidos. Os resultados estão a ser devidamente monitorizados – a experiência só terminará em finais de 2016 – e a inspirar outros serviços a fazerem o mesmo, como por exemplo o de cirurgia ortopédica do hospital universitário de Sahlgrenska, também na cidade de Gotemburgo, e em outros departamentos de mais dois hospitais em Umeå. Citado pelo The Huffington Post, Mats Pilhelm, um vereador da cidade de Gotemburgo, está convicto que os funcionários públicos que pertencem ao grupo de teste das seis horas semanais irão tirar menos dias por doença, sentir-se melhor, física e mentalmente e, por conseguinte, serão mais produtivos. Na medida em que a turnos alargados, correspondem também mais pausas, o vereador explica: “cada vez que um trabalhador faz uma pausa, demora, em média, 15 minutos a ‘voltar ao trabalho’, dado que existe um tempo necessário para se “reencontrar o fio à meada”, acrescenta ainda.
Para já, o que o governo quer saber é se esta redução de horário se traduz em maiores índices de produtividade e em menos dias de baixa por doença anuais, abrindo a possibilidade de, caso os resultados sejam positivos, estender o mesmo horário a outros sectores da função pública. Todavia, e porque a solução também apresenta custos adicionais, e não propriamente fáceis de avaliar, para além de não ser consensual por parte de todas as alas partidárias, o projecto poderá cair por terra na medida em que a coligação de centro-esquerda perdeu a sua maioria na cidade de Gotemburgo e os Conservadores e os Liberais opõem-se firmemente à redução do horário de trabalho.
A boa notícia é que a tendência está a disseminar-se, e com sucesso, no sector privado, o qual tem já experiências de vários anos – as seis horas de trabalho não são propriamente uma novidade na Suécia – que comprovam o aumento de produtividade, de satisfação dos trabalhadores e de maiores lucros empresariais. Mas também é verdade que esta jornada diária “ideal” não é assim tão linear quanto parece, sendo necessário analisá-la com o cuidado que merece.
A correlação “menos horas de trabalho-maior produtividade”
Depois de um século ao longo do qual as horas de trabalho foram sendo gradualmente reduzidas, o número de dias de férias aumentado e a idade de reforma abreviada (e aumentada, entretanto, como sabemos), o mundo está a assistir, há já tempo demais, a um incremento de horas trabalhadas. Quem o afirma é Roland Paul, investigador em administração de empresas na Universidade de Lund, que alerta para o facto de as pessoas estarem a trabalhar mais arduamente e mais horas, o que não é necessariamente melhor. Para ninguém.
Sendo inúmeros os estudos que se focam nesta equação, um bom indicador vem exactamente da OCDE, que confirma a correlação existente entre menos horas e maior produtividade, com um exemplo não poderia ser mais gritante: os gregos são os campeões das longas jornadas de trabalho, com cerca de 2 mil horas anuais comparativamente, por exemplo, às 1400 trabalhadas pelos alemães, mas os seus trabalhadores são 70 por cento menos produtivos face aos seus pares no país de Angela Merkel.
A medida testada pela Suécia vem também ao encontro de um novo acordo laboral em França, o qual “sugere” aos seus trabalhadores que evitem consultar os seus emails e telefones profissionais fora do horário de trabalho, ao mesmo tempo que os empregadores estão legalmente obrigados a assegurar que os seus empregados não sofram de “pressões” relacionadas com os exigentes ritmos de trabalho em curso.
A título de exemplo, e em declarações ao jornal The Telegraph, Anna Coote, Directora de Politicas Sociais no think tank britânico New Economics Foundation, dá as boas-vindas a esta s propostas francesas. “Horas de trabalho mais curtas dão origem a forças laborais mais estáveis e empenhadas”, garante, acrescentando que existem também vários indicadores que comprovam que é possível proceder-se a poupanças de custos consideráveis através da redução do horário de trabalho, citando uma experiência realizada em Utah, nos Estados Unidos – os que mais veneram o culto do “trabalhar até cair para o lado” – onde aos trabalhadores do sector público foi “oferecido” um fim-de-semana de três dias. Também de acordo com um relatório publicado pelo britânico Office For National Statistics, os empregados de terras de sua majestade trabalham mais horas do que os seus pares franceses ou alemães, mas produzem, em média, menos 27% e 31%, respectivamente, do que estes. Por seu turno, e também de acordo com dados da OCDE, os Estados Unidos é segundo país mais produtivo do mundo (apenas ultrapassado pelo Luxemburgo), mas gasta mais 20% de tempo em horas de trabalho face aos luxemburgueses.
Apesar da tendência de se trabalhar muitas horas ser comum a muitos países ocidentais, nos Estados Unidos, os empregados passam, em média, 47 horas por semana nos seus escritórios, numa mistura de trabalho efectivo, em conjunto com a tentativa desesperada de impressionar os seus superiores hierárquicos com está “ética do trabalho árduo”, chegando a casa exaustos e sem tempo para a família.
No que respeita a Portugal, o país situa-se a meio da tabela dos países da OCDE que mais horas trabalham, com uma média anual de 1691 horas, face às 1332 dos suecos e às 2226 do México – o que mais horas de trabalho coleciona – e às já citadas 2,034 dos gregos.
Numa abordagem ligeiramente diferente, mas que vai ao encontro da ideia de que mais horas de trabalho não só não aumentam a produtividade, como a podem reduzir, um economista da Universidade de Stanford, John Pencavel elaborou um estudo que comprova que o rendimento dos trabalhadores não aumenta proporcionalmente por cada hora adicional trabalhada. Pelo contrário, e acima de um certo número de horas, o rendimento inicia um “crescimento descendente”, ou seja, por cada hora “a mais”, a produtividade apresenta quebras sucessivas.
A filosofia de Bertrand Russel, 80 anos depois
Num ensaio publicado em 1932, intitulado In Praise of Idleness (O Elogio ao Ócio), o filósofo e matemático britânico Bertrand Russel argumentava que, graças aos avanços tecnológicos, os trabalhadores poderiam cortar, para metade, uma semana de trabalho de 40 horas. “Se o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, existiria o suficiente para todos e não existiria desemprego”, defendia.
Admitindo que a proposta de Russel é, no mínimo, descontextualizada face aos tempos modernos, a verdade é que 80 anos depois, a Suécia poderá estar a colocar cerca de “metade” da sua filosofia em prática. Todavia, e já na década de 1990, os suecos lançaram-se em várias experiências que sustentavam as seis horas diárias de trabalho em conjunto com o salário por inteiro. Uma delas foi realizada na cidade mineira de Kiruna, em 1989, onde as mulheres responsáveis pelos cuidados de idosos em lares passaram a trabalhar seis horas por dia, como forma de poderem, da melhor forma, “acertar” o seu tempo familiar com o dos maridos.
Também em Estocolmo, e entre 1996 e 1998, a mesma medida foi implementada em serviços de cuidados a crianças, idosos e pessoas com deficiência mas, em 2005, acabaria por ser revertida e o pessoal em causa voltou às oito horas diárias. Com o Partido Conservador a liderar o governo de coligação na Suécia, “entre 2005 e 2014, não falámos de outra coisa sem ser da necessidade de se trabalhar mais horas, e de forma mais eficiente”, afirma, ao The Guardian, Daniel Bernmar, líder do grupo partidário de Esquerda do conselho municipal de Gotemburgo. “Mas agora queremos discutir uma forma que nos permita sobreviver a uma longa vida de trabalho sem destruirmos a nossa saúde quando chegarmos aos 60 anos”, acrescenta. Por seu turno, a principal confederação de sindicatos de trabalhadores sueca, a LO, tem-se mantido afastada do debate das seis horas semanais, apesar de já ter afirmado que o tema está a ser conduzido de forma a ter peso na agenda política. Para um destes líderes sindicais, para já, a experiência em Gotemburgo tem apenas um “valor simbólico”.
A questão da saúde levantada por Daniel Bernmar é, nesta discussão, um importante factor a ter em conta, como aliás, o VER já tem vindo a escrever por diversas vezes. De acordo com um relatório publicado recentemente – o mais representativo feito até hoje – investigadores do University College of London analisaram 25 estudos, num universo de 600 mil pessoas da Europa, Estados Unidos e Austrália, cujos dados comprovam que aqueles que trabalham 55 ou mais horas por semana têm um risco 33 por cento superior de sofrerem de acidentes cardiovasculares do que os que fazem um horário semanal mais equilibrado (35 a 40 horas).
Os investigadores encontraram um padrão claro que comprova que quanto mais horas se trabalha, maior é o risco de um AVC ou de uma doença coronária – mesmo tendo em atenção outros factores de risco como a idade, o sexo, o estado socioeconómico, em conjunto com comportamentos associados ao fumo, à ingestão de bebidas alcoólicas e ao exercício físico. Ao trabalhar-se entre 41 a 48 por semana, o risco de um ataque cardíaco é 10 por cento mais elevado, o qual “salta” para os 27 por cento para quem trabalha entre 49 e 54 horas. Independentemente de todas as preocupações óbvias em termos sociais e humanos, também o “factor económico” tem um peso considerável nesta equação: dadas as gigantescas quantias que os países ocidentais gastam no tratamento e gestão das doenças cardiovasculares, será cada vez mais difícil para os decisores políticos ignorarem os dados desta e de outras investigações similares.
Empresas suecas “aderentes” admitem benefícios inegáveis
Nos centros de assistência da Toyota, também em Gotemburgo, as horas de trabalho reduzidas são uma realidade há já mais de uma década. Em 2002, os trabalhadores passaram apenas a trabalhar seis horas por dia e, até hoje, a decisão nunca foi posta em causa. Como também escreve o The Guardian, “os clientes estavam insatisfeitos com as longas esperas, enquanto o pessoal manifestava elevados níveis de stress e incorria em muitos erros”, de acordo com Martin Banck, um gerente de um dos centros e o responsável pela ideia de reduzir o horário de trabalho para os seus mecânicos. Em vez de um turno, passaram a existir dois, de seis horas cada um, sem que os trabalhadores tenham sofrido qualquer corte salarial. Treze anos passados e os resultados são indesmentíveis: o pessoal sente-se melhor, a taxa de turnover decaiu consideravelmente, enquanto a de retenção aumentou, existe uma utilização muito mais eficiente das máquinas em conjunto com custos de capital mais baixos e, cereja em cima do bolo, os lucros aumentaram em cerca de 25%. “Todos estão felizes”, garante Banck.
O mesmo nível de felicidade é admitido por Linus Feldt, CEO da Filimundus, uma start-up de apps sedeada em Estocolmo. Numa entrevista à revista Fast Company, Feldt afirma o seguinte: “Penso que um dia de trabalho de oito horas não é tão eficaz como a maioria das pessoas pensa”, principalmente em profissões que exigem maior criatividade, como é o caso da sua empresa. “Mantermo-nos concentrados ao longo de oito horas é um desafio gigantesco e, para conseguirmos lidar com ele, acabamos por misturar as coisas para o tornar mais ‘suportável’, fazemos mais pausas e possuindo enormes dificuldades em gerir a vida privada fora do horário de trabalho”. No seguimento de uma das críticas que também se faz aos trabalhadores – Portugal incluído – que passam demasiadas horas no local do trabalho, sem estarem, necessariamente, a trabalhar, mas antes a consultar o email ou a fazerem likes ou tweets nas redes sociais, também o CEO da Filimundus quis fazer a mesma experiência da redução do horário de trabalho.
O ano passado decretou o “dia de trabalho das seis horas” e assegura que a mudança em nada alterou a forma como as pessoas trabalham ou quanto produzem. A equipa de liderança apenas pediu aos trabalhadores que se mantivessem afastados dos media sociais e de distracções pessoais, ao mesmo tempo que eliminou algumas reuniões semanais “dispensáveis” e encurtou a duração de outras (o tempo que se perde em reuniões pouco eficazes é também considerado como um dos grandes responsáveis por quebras de produtividade nos países ocidentais).
“O que me parece mais óbvio é que agora é mais fácil concentrarmo-nos no trabalho que tem de ser feito e ter a estamina necessária para o fazer, sobrando ainda energia para a vida ‘lá fora’ a seguir ao horário de trabalho”, diz ainda.
E o mesmo está a acontecer na Bracht, outra start-up tecnológica sueca, que já fez esta transição há três anos. Para o seu CEO, uma das maiores vantagens que reconhece neste modelo está relacionada com os níveis de contratação e retenção de colaboradores. Como escreve no seu blogue: “Acreditamos também que a partir do momento que nos habituamos a ter tempo para a família, a ir buscar os miúdos à escola, a treinarmos para uma corrida ou simplesmente cozinharmos uma boa refeição caseira, nunca mais desejaremos perder isso. Daí acreditarmos que esta é uma boa razão para os nossos trabalhadores continuarem a trabalhar connosco, não só pelo impacto negativo que as longas jornadas de trabalho têm nas suas vidas mas e, especialmente, pelo que ganham em ter dias mais curtos. É que e na verdade, nós preocupamo-nos com os nossos colaboradores…”.
Editora Executiva