Um relatório apresentado, a 13 de Maio, pela Organização Internacional do Trabalho revela os efeitos positivos da crise, nomeadamente na forma como os Estados, e cada vez mais os cidadãos em geral, encaram a maternidade e a paternidade. Portugal apresenta medidas favoráveis e está bem posicionado, sendo um dos países mais seguros para os recém-nascidos. No entanto, continua a apresentar níveis de fecundidade muito abaixo dos da média europeia A ILO – International Labour Organization apresentou um relatório, denominado “Maternidade e paternidade no trabalho – Lei e práticas a nível mundial”, que mostra os efeitos da crise, surpreendentemente positivos, no que diz respeito aos apoios dos sistemas de segurança social dos países, a nível mundial, aos pais de recém-nascidos. O documento, apresentado em Genebra no dia 13 de Maio deste ano, actualiza os dados de outros dois relatórios elaborados em 2005 e 2010 sobre a mesma temática, e compara as leis e as práticas nacionais de 185 países, em 2013, entre si e relativamente aos dados existentes em 1994. Ao contrário do que seria provavelmente esperado, a crise trouxe uma mudança positiva no apoio, por parte dos Estados, às famílias, como forma de contornar os seus efeitos relativamente aos cortes nos dinheiros públicos, que existiram e existem nos países mais afectados. Alguns países, como a Estónia, a Hungria ou a Lituânia, reduziram o tempo de licença de maternidade ou o valor dos subsídios atribuídos. No entanto, muitos foram os países que melhoraram a ajuda às famílias, com a recessão económica. Esta ajuda passa, por exemplo, pelo acesso a uma educação em idade mais tenra, ou pelo aumento dos subsídios e da duração da licença parental. A licença de paternidade tem-se tornado cada vez mais comum, passando a existir em 78 países (dos 167 com dados disponíveis) em 2013, quando em 1994 existia apenas em 40 nações (de 141 com dados disponíveis). A análise permite concluir, segundo o relatório, que os homens que usufruem do tempo da licença de paternidade ou da licença paternal envolvem-se muito mais na educação do filho. Este factor revela progressos e efeitos positivos na tão aclamada igualdade de género, e indica uma mudança da percepção do papel da figura paternal na educação dos filhos. Apesar de o reconhecimento da licença de paternidade existir em cada vez mais países, apenas cinco nações (Eslovénia, Finlândia, Islândia, Lituânia e Portugal) permitem que esta tenha um período superior a duas semanas. Esta licença é, no entanto, obrigatória em apenas três países: Chile, Itália e Portugal. Uma outra grande conclusão do relatório da ILO diz respeito à discriminação da maternidade, ainda presente em muitas nações. Em países como a Croácia, Grécia, Itália e Portugal, há relatos que mostram “demissões em branco”, que são cartas que as trabalhadoras assinam, forçadamente, no momento da contratação, usadas posteriormente para o seu despedimento, caso engravidem ou tirem licença de longa duração para prestarem assistância à família, nomeadamente em caso de doença.
Homens mais presentes na educação dos filhos O direito à licença de paternidade existe em 78 países, dos 167 com informação disponível, e é remunerado em 70 deles. É na Europa de Leste, na Ásia Central e nos países com enonomias desenvolvidas que este direito é mais comum. O relatório entende esta evolução como um passo importante para a igualdade de género, tendo em conta que estamos perante uma “nova” forma de encarar a partilha de tarefas domésticas, mas também de encarar o papel dos homens no trabalho. O relatório revela ainda que os homens que não abdicam deste direito estão, agora mais do que nunca, presentes na educação dos filhos, ao longo da vida. Os países desenvolvidos (67%) e os do continente africano (55%) são aqueles que, quer em 1994, quer em 2013, apresentam uma maior percentagem de países onde a licença de paternidade está instituída. No entanto, são os países da Europa de Leste e Ásia Central que apresentam um crescimento mais abrupto, tendo em conta que em 1994 não havia nenhum país a ter a licença de paternidade como um direito instituído, e actualmente este direito existe em 36% das nações. Em Portugal, o recém-pai tem obrigatóriamente que usar dez dias, cinco dos quais têm que ser gozados sem interrupção e logo a seguir ao nascimento e os restantes cinco, seguidos ou não, nos 30 dias posteriores ao nascimento.
As várias “barrigas” de um mundo desigual Dos 185 países analisados, 98 (53% do total) cumprem o padrão de 14 semanas estabelecido pela ILO, e 48 sugerem as 18 semanas de licença, superando este padrão. Existem 60 países que permitem licenças entre as 12 e as 13 semanas, e apenas 27 (ou 15%) oferecem menos de 12 semanas de licença. Os países que oferecem licenças mais duradoras são os da Europa de Leste e da Ásia Central (que permitem quase 27 semanas), e os Países Desenvolvidos, aos quais Portugal pertence (que permitem cerca de 21 semanas). No pólo oposto estão os países do Médio Oriente, que permitem licenças de pouco mais de nove semanas.
Interessante é verificar que nenhum dos países analisados reduziu o tempo da licença de maternidade, entre 1994 e 2013. Pelo contrário, a percentagem de países que oferecem as 14 semanas propostas aumentou de 38% para 51%, entre os dois períodos. Relativamente aos subsídios da licença, o cenário muda ligeiramente. Segundo o disposto na Convenção nº 183 (sobre a protecção da maternidade), cada país deve garantir, no mínimo, o pagamento equivalente a dois terços do salário normal da trabalhadora, numa licença de 14 semanas, de forma a acautelar que quer a mãe, quer o filho têm condições para sobreviver durante este tempo. No entanto, apenas 74 países garantem o pagamento deste valor (mais 3% do que em 2010), mas 61 países asseguram o pagamento da totalidade do salário da mulher. Em 93 países (cerca de 55%) as mulheres não recebem sequer subsídios, recebem menos de dois terços do último salário, durante o período de licença de maternidade, ou recebem subsídios insuficientes, com os quais são incapazes de sobreviver durante 14 semanas. Para além disso, há uma diferença significativa entre as mulheres que estão abrangidas por sistemas de protecção na maternidade e as que usufruem, de facto, desses sistemas. A ILO estima que o número de mulheres abrangidas por estes sistemas seja de cerca de 40%, mas que apenas 34% beneficie do direito aos subsídios, no tempo de licença de maternidade. Mais uma vez, as diferenças regionais são abismais e impressionantes: quase 80% dos 830 milhões de mulheres que não ususfruem de protecção, no pós-parto, vivem em África e na Ásia, onde a mortalidade infantil é também muito alta; e apenas 21 países (essencialmente europeus) garantem a 90% das suas trabalhadoras o direito a compensações monetárias, no momento do nascimento dos filhos. O relatório faz ainda referência à importância dos exames pré-natais na prevenção de doenças, nomeadamente do vírus HIV, que contribuem para uma diminuição da taxa de mortalidade infantil. São os países desenvolvidos que mais e melhores condições oferecem à realização de exames pré-natais, reconhecidos como um direito do qual as mulheres podem beneficiar. No extremo oposto estão os países do Médio Oriente, que não reconhecem estes exames como um direito das mulheres, nem as compensam com benefícios financeiros.
Portugal no top 10 dos mais seguros Este decréscimo da taxa de mortalidade neo-natal coloca Portugal no top 10 dos países mais seguros para crianças com menos de 28 dias, havendo apenas 1,8 recém-nascidos mortos em cada mil nascimentos. No entanto, e apesar de pertencermos aos grupos de países que mais apoiam a natalidade (através de períodos longos e de subsídios de licença de maternidade e de paternidade) e de sermos um lugar seguro para as famílias terem os seus filhos, continuamos a ser um dos países com mais baixos níveis de fecundidade, ao nível da Europa a 27, como nos indica o Inquérito à Fecundidade (IFEC) realizado em 2013 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Este inquérito foi apresentado em Novembro de 2013, após uma recolha de informação feita presencialmente, a mulheres entre os 18 e os 49 anos e a homens entre os 18 e os 54 anos, em território nacional, num total de 7624 entrevistas.
Segundo os dados apresentados, em média “as pessoas têm 1,03 filhos, pensam vir a ter no máximo 1,77 filhos, e desejariam ter 2,31 filhos”. O que denota um desejo pouco ambicioso de ter filhos, por parte dos portugueses, o qual é independente do facto de atravessarmos um momento de austeridade, no País. A fecundidade esperada, ou seja, o número de filhos que os inquiridos tencionam ter no futuro, em conjunto com os que já tinham no momento em que responderam, é de 1,77. Este valor está muito próximo do valor da fecundidade desejada (número de filhos desejados ao longo da vida), que é de 2,31, e do número de filhos que os respondentes entenderam ser ideal numa família, que é de 2,38. Outra conclusão interessante é o facto de que são os inquiridos com menos de 30 anos e sem filhos que pretendem ter dois ou mais descendentes. É claro, neste documento, que predomina o número de pessoas a ambicionarem ter, no máximo, dois filhos, independentemente da situação conjugal, das condições de trabalho, do nível de escolaridade, ou até mesmo do género do respondente. Para Maria João Valente Rosa, directora da Pordata que comenta os resultados do IFEC, os incentivos à natalidade devem passar por dois eixos de actuação política: “facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem perda de regalias e alargando o acesso a serviços para ocupação dos filhos durante o tempo de trabalho dos pais; e aumentar os rendimentos das famílias com filhos”. O factor “ver os filhos crescerem e desenvolverem-se” é o mais apontado pelos inquiridos, homens e mulheres que pretendem ter filhos, ou ter mais filhos. No extremo oposto, ou seja, por parte de quem não os quer ter, ou não quer ter mais, o motivo mais apontado está relacionado com “custos associados a ter filhos”. O aumento do rendimento económico implica “a redução de impostos, o aumento dos subsídios relacionados com educação, saúde, habitação e alimentação, ou o aumento das deduções fiscais”. Já a facilitação das condições de trabalho para quem tem filhos pressupõe “a oportunidade de trabalho a tempo parcial, os períodos de licença de maternidade e de paternidade mais alargados e a flexibilidade de horários para quem tem crianças pequenas”. Estes eixos de actuação, defendidos por Maria João Valente Rosa, vêm, aliás, ao encontro das medidas apontadas no Inquérito à Fecundidade, o qual defende que “aumentar os rendimentos das famílias com filhos” é o factor mais importante para incentivar a natalidade. Estas medidas poderão, certamente, ser uma alavanca importante no retrocesso do envelhecimento demográfico a que temos assistido ultimamente, em Portugal. |
|||||||||||||||
Jornalista