A obra, da autoria de Bento XVI, promete ser uma das grandes estrelas de vendas de Natal no corrente ano. Em apenas 100 páginas, Joseph Ratzinger interpreta as narrativas de Mateus e Lucas sobre a infância de Jesus, clarificando alguns mitos e fazendo a ponte entre os exegetas do passado e do presente. O VER entrevistou Henrique Mota, da Principia, a editora portuguesa responsável pela publicação do livro em Portugal
POR HELENA OLIVEIRA

.
.
© DR
.

Lançado a 21 de Novembro último, o terceiro e último livro de uma trilogia iniciada em 2003, ainda Bento XVI não era Papa, “Jesus de Nazaré – A Infância de Jesus”, consiste, como escreve o próprio no prefácio do livro, “não o terceiro volume, mas uma espécie de pequeno ‘pórtico’ sobre a figura e a mensagem de Jesus de Nazaré”. O novo volume surge no seguimento de “Jesus de Nazaré”, publicado em 2007 e de “Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição”, em 2011. Editado em nove línguas em 50 países – em Portugal, pela editora Principia – a primeira edição conta com um milhão de exemplares, estando, no entanto, previstas traduções para mais 20 línguas. Em Portugal, e como afirma, em entrevista, Henrique Mota, “neste momento, já estamos na terceira edição da obra”.

Organizado em quatro capítulos, aos quais se juntam um prefácio e um epílogo, o livro narra a infância de Jesus, desde o seu nascimento até à idade de 12 anos, quando se apresenta pela primeira vez no Templo. De sublinhar igualmente a forma como o livro é (duplamente) assinado: não só enquanto Bento XVI, mas também enquanto Joseph Ratzinger, o que remete para o reputado teólogo que não foi obscurecido pela condição de Sucessor de Pedro.

Tendo como base os estudos bíblicos, Bento XVI demonstra, nesta obra, que a figura de Jesus descrita nos Evangelhos é uma figura histórica verdadeira, que “passou pela Terra e que conversou com os homens, como qualquer outra pessoa”, como afirmou à CNN, Alessandro Speciale, correspondente religioso do Vaticano.

Reconhecido por valorizar a história tanto quanto a razão, Bento XVI relata neste estudo teológico de grande profundidade, a infância de Jesus, misturando elementos históricos e simbólicos com mensagens espirituais, ao mesmo tempo que deita por terra alguns dos mitos há muito “colados” à história de Jesus Cristo. Entre eles, destacam-se: o erro do ano do nascimento de Cristo, que o Papa situa seis a sete anos anteriores à data que é indicada no nosso calendário, em conjunto com a inexistência de fontes fidedignas que permitam estabelecer o dia do nascimento de Jesus, sendo pouco provável que este tenha nascido no dia 25 de Dezembro; o facto de o Evangelho não fazer qualquer tipo de referência a animais existentes junto à manjedoura; e, no que respeita aos Magos, citados no Evangelho de S. Mateus, o Papa considera-os, muito provavelmente, astrónomos vindos de Tartessos (actual Andaluzia, Espanha).

Pese embora algumas críticas a esta desmistificação, que sempre fez parte do imaginário dos católicos, é o próprio Santo Padre que sugere que as suas conclusões agora publicadas em nada deverão alterar a forma como os católicos celebram o Natal, ou a disposição que fazem das figuras do presépio. E é o próprio Vaticano, através do L’Osservatore Romano, a lamentar que, enquanto o livro do Pontífice propõe uma análise académica dos relatos dos Evangelhos sobre a infância de Jesus, em conjunto com o seu significado espiritual, os media, na sua grande maioria, apenas se preocuparam em sublinhar e mediatizar as passagens em que Bento XVI parece “desafiar” as tradições natalícias. O que parece comprovar ainda mais os sinais fortes de secularização e de desertificação espiritual que reinam na actualidade e que o próprio Bento XVI sublinha como o “maior desafio” dos nossos tempos.

O VER conversou com Henrique Mota, editor da Principia, sobre este e outros temas relacionados com a última obra de Bento XVI.

Sendo este o terceiro volume de “Jesus de Nazaré” escrito pelo Papa, e apesar de mais pequeno que os outros, como o classificaria face aos últimos dois?

Como o próprio Papa diz, apesar de ter sido escrito em último lugar, não é verdadeiramente o terceiro volume, mas o prólogo dos outros dois. Por isso, a sua leitura não está dependente do conhecimento prévio dos anteriores.

Como leitor, não escondo que é um texto mais fácil de ler e de perceber, mais acessível. Contudo, continua a dever ser lido como uma obra de estudo e não como um texto divulgativo ou de piedade, ou, ainda menos, como uma proposta de entretenimento.

Esteve com o Papa recentemente e também no lançamento do 2º Volume da trilogia em causa. Qual lhe parece ser a grande motivação do Santo Padre ao escrever esta trilogia?
O encontro com o Santo Padre não permite responder a esta pergunta. Trata-se de um momento curto em que eu, e julgo que a generalidade dos editores presentes, testemunhámos ao Papa a nossa alegria por termos tido a oportunidade (e o privilégio) de publicar esta obra e lhe revelámos alguns pormenores das nossas edições (no caso da Princípia, a existência também de um áudio-livro e de um e-book) e do plano de apresentações (no caso português, o gesto de unidade e de fidelidade expresso por mais de metade dos bispos que decidiram envolver-se na apresentação desta obra nas suas dioceses).
Depois, tive também oportunidade de testemunhar ao Papa Ratzinger a minha amizade espiritual e a minha admiração pessoal, além da minha fidelidade ao seu ministério e à Santa Igreja.

Por último, ofereci-lhe um marcador, feito especialmente pelas monjas do mosteiro da Imaculada Conceição, de Campo Maior, uma ordem de clausura fundada pela santa portuguesa Beatriz da Silva, na qual estava representada a Natividade, bordada em cartão pelas irmãs, e um belo texto de veneração ao Santo Padre e de dedicação à Igreja.

Como tem estado o livro a ser recebido pelo público português? Será um best-seller de Natal?
O livro foi muito bem recebido pelo público português: primeiro e desde logo, por boa parte da comunicação social, que se interessou por conhecer o que o Papa Ratzinger escreveu e lhe dedicou um razoável grau de atenção e de séria curiosidade; depois e principalmente, pelo público que, ultrapassando largamente o mundo católico, correspondeu ao desafio de ler e estudar o que o Papa escreveu para que todos se aproximassem de Jesus Cristo, menino, com maior consciência e conhecimento.

Julgo que este livro fará parte da lista de obras mais vendidas neste Natal. Logo depois da sua publicação passou a integrar os tops de todas as principais livrarias, além de ter sido escolhido por muitas paróquias como leitura recomendada de advento. Neste momento já estamos na terceira edição da obra.

Uma boa parte da imprensa, tanto nacional como estrangeira, parece ter elegido alguns pormenores superficiais da narrativa em detrimento da “história geral” ali contada: a ausência de animais no Presépio ou o ano exacto em que Jesus Cristo nasceu, por exemplo. A literatura religiosa é mal tratada pelos media no geral ou esta é a prova, tal como o próprio Vaticano afirmou, que vivemos uma era de “desertificação espiritual”, algo que é considerado pelo próprio Bento XVI como o grande desafio da Igreja na actualidade?
Julgo que a pergunta contém o essencial da resposta; mas gostava de acentuar a «desertificação espiritual» actual que, bem vistas as coisas, também explica que a literatura religiosa seja mal tratada.

O mundo actual deixou de ser católico, embora ainda nos iludamos a pensar que existem países católicos e povos católicos. Vagamente, há uma matriz de pensamento judaico-cristão que continua a influenciar o mundo ocidental, incluindo Portugal. Contudo, esta tradição cultural não resiste aos grandes desafios contemporâneos: primeiro, aos fenómenos de falta de convicção pessoal e de vontade de criar uma religião feita à medida do estilo de vida de cada um; depois, à obsessão por uma religião construída sob a influência do pensamento dominante que apela a gestos de “modernização”, os quais conduzem frequentemente à abjuração efectiva dos valores evangélicos e à recusa das verdades e afirmações da fé.

Neste contexto, não é de estranhar que o livro tenha leituras frequentes (e recorrentes) banais e superficiais, mal sustentadas e desenquadradas do seu conteúdo e objectivos reais; em alguns casos mal-intencionadas mas, quase sempre e principalmente, demonstrando simplesmente falta de conhecimento (da razão) e distanciamento (do coração) de pessoas que não estão em condições de fazer uma leitura da obra com os olhos e a curiosidade da fé, por um lado, e a liberdade da razão, por outra.

E qual a sua opinião relativamente a títulos sensacionalistas (e também absurdos) que têm acompanhado as revisões do livro, tais como “O Papa cancelou o Natal” ou um título que muito circulou na Net e que era qualquer coisa como: “O Papa e o Natal: sem animais, ano errado, sem anjos”? Esta publicidade “negativa” pode afectar as vendas ou, pelo contrário, estimulá-las?
Estas leituras do livro não o afectam negativamente.
Aliás, creio que, se tiverem algum impacto, o favorecem: primeiro porque o divulgam fora do mundo católico e depois porque, sendo tão evidentemente disparatadas, suscitam um interesse inesperado junto de um público que, descrente, mas ajuizado e inteligente, fica curioso e desejoso de conhecer o que o Papa possa ter escrito para suscitar títulos e análises tão disparatadas e impossíveis de acreditar. A meu ver, o esforço de desacreditar o texto de Ratzinger só contribui para aumentar o seu interesse junto de pessoas que, aparentemente, não se interessariam por ele; e nesse sentido, é uma publicidade com efeitos positivos e uma ajuda na apresentação da Verdade.

Com os tempos actuais caracterizados por uma desesperança marcada, até que ponto é que a leitura deste livro pode ajudar os leitores a fortalecerem a sua fé?
Aprender com fidelidade à Verdade, com obediência à Igreja e com amor ao Papa fortalece, sempre e necessariamente, a fé dos crentes e consolida em cada um as razões da sua Esperança. Por isso, diria que a leitura deste livro não aumenta somente a fé dos que o lêem, mas, por causa do testemunho que estes podem oferecer ao mundo, também a fé de muitos outros.

A todos estes teremos de acrescentar muitos outros que começaram a ler o livro por mero interesse cultural ou, até, por uma vontade cínica de conhecerem o pensamento de Papa Ratzinger e que acabaram por aceitar o seu convite para se confrontarem com a verdade da fé em Jesus Cristo, salvador do mundo e sentido para as suas próprias vidas

Enquanto católico, e editor, o que mais o tocou em “A Infância de Jesus”?
Julgo que, muito pessoalmente, foi mesmo o autor: pela liberdade com que escreve e com que nos oferece um livro que dedica ao debate teológico; e pela própria afirmação da sua liberdade pessoal, que não fica condicionada pela sua condição de Papa. Há tempos li um livro que referia um comentário de Joseph Ratzinger sobre a sua nova condição de Papa: tinha deixado de poder visitar a sua trattoria favorita, junto à porta de Sant’Anna, em Roma, e tinha, mesmo, deixado de ter porta-moedas; mas mostra-nos com estes livros que não abandonou os seus projectos, que não perdeu os seus interesses pessoais e a sua grande paixão pela teologia, que manteve a sua liberdade de pensar e de se expor ao confronto com os outros. Um homem livre e que nos incentiva à mesma liberdade.

Editora Executiva