POR VER
Na sua primeira mensagem enquanto Presidente da ACEGE considera o legado deixado pelo anterior presidente, de “procurar viver o amor ao próximo como critério de vida na realidade pessoal e profissional”, um “desafio corajoso”. Partindo desse legado, com que estratégia de actuação vai prosseguir a missão desta Associação que há mais de 60 anos promove a ética e a gestão responsável entre os empresários e gestores cristãos?
O meu antecessor e amigo, António Pinto Leite, que constitui para mim enorme fonte de inspiração e sinal de esperança, foi bastante veemente na forma corajosa como nos colocou o desafio. E colocou-o bem alto, pregando-o sempre que lhe ofereciam a oportunidade, como uma descoberta marcante e transformadora. Com isso mobilizou os associados, a sociedade, as universidades e a própria Igreja. E fê-lo em absoluta coerência com a linha fundadora da ACEGE, que já na sua génese em 1952, através de Horácio de Moura, referiu “Cristo o nosso chefe, não trouxe planos, nem fórmulas, contentou-se em falar do Amor”.
O Código de Ética da ACEGE, para Empresários e Gestores, e que entretanto foi reforçado à luz destes valores, é uma proposta ambiciosa e é precisamente o espelho da conduta a que nos propomos, enquanto pessoas no mundo do trabalho.
Defendendo em todas as suas actividades uma gestão centrada nas pessoas e uma liderança de serviço, que valores e acções pautarão este seu mandato?
Voltando ao que foi referido já em 1952, diria que não temos nem planos nem fórmulas, aguardando por indicações e sabendo ler os sinais. Isso não significa que não caminhemos sem rumo nem direcção. Pelo contrário, alicerçados numa visão para o futuro, estamos atentos a ajustar, mudar ou renovar, em função do discernimento que façamos dos sinais que recebamos.
[pull_quote_left]O mapa – os propósitos e os valores – não é o terreno, o dia-a-dia das dificuldades, dos desafios[/pull_quote_left]
Mas gostaria de reforçar que não estou no exercício de um mandato mas de um serviço que nos foi solicitado. Por outro lado, assumimos um compromisso enquanto equipa e, nesse sentido, o resultado de conjunto irá sobrepor-se ao individual. Tenho o privilégio de estar na companhia de pessoas excepcionais e inspiradoras, para além de serem generosas na forma como servem na responsabilidade que assumimos.
Os valores serão os mesmos, pois não os mudamos ao longo dos tempos. Pelo contrário, vão-se confirmando ano após ano mas sempre vividos de forma renovada. Hoje o contexto aponta-nos para o tema da conciliação Família e Trabalho.
A família tem sido, desde sempre, um tema primordial na visão da ACEGE sobre o meio empresarial. A escolha da “Conciliação Família e Trabalho” para o ciclo de Conferências 2015/2016 da Associação pode significar, para além da sua importância óbvia, um alerta – e um possível e ideal “contágio” – para outras empresas?
Não julgo o que se passa nas empresas pois reconheço a dificuldade em viver em coerência os propósitos que nos colocamos. Por isso é fundamental sermos conscientes e honestos na forma como caminhamos. Estarmos disponíveis para o que nos dizem e procurar tempo para escutar os outros e avaliar as situações.
Acreditamos que a divulgação de boas histórias motivará e criará um ciclo virtuoso, que poderá provocar um efeito de contágio. Por outro lado, pretendemos comprovar que a adopção de políticas que promovam maior equilíbrio pessoal, maior felicidade no trabalho, conduzirão a colaboradores mais felizes, empenhados e comprometidos. E com isso a organização criará mais valor. Não pervertemos os objectivos primários, apenas pretendemos comprovar com resultados o bom propósito das políticas.
A ACEGE assinou com a Fundación MásFamilia um protocolo de colaboração, através do qual pretende promover e desenvolver a certificação efr de empresas portuguesas. Quais são as grandes linhas deste protocolo e que expectativas tem face ao seu “sucesso” no tecido empresarial português?
A ACEGE tem lançado múltiplas iniciativas que promovem um olhar distinto sobre a forma como se encaram temas que foram dados por adquiridos. Destaco, pela sua importância, a iniciativa dos pagamentos pontuais, com a qual se comprovou que para além do valor económico do pagamento pontual, em toda a sua cadeia, se promove uma cultura de responsabilidade mútua e de maior confiança entre todos os agentes. Hoje são-nos solicitadas todos os meses novas adesões de empresas e de organismos públicos, que explicitam o seu compromisso de cumprir com este propósito, atingindo actualmente cerca de 627 entidades em todos os distritos.
[pull_quote_left]O Compromisso Pagamento Pontual é um exemplo de responsabilidade empresarial e de criação de confiança ao longo de toda a cadeia[/pull_quote_left]
É precisamente o que pretendemos com a certificação efr nas empresas portuguesas. Em parceria com uma entidade independente, com créditos firmados, e com a chancela de promoção do bem comum que a ACEGE tem posto nos seus projectos e iniciativas, pretendemos criar um ciclo virtuoso que seja contagiante para as empresas portuguesas. Estamos seguros que iremos registar um número crescente de aderentes e promoveremos a publicação de boas práticas entre todos. Não será uma competição entre empresas, mas cada uma procurará superar-se naquilo que já faz de bom, disponibilizando aos seus colaboradores condições que permitam uma maior realização enquanto pessoas.
Entre os inúmeros projectos desenvolvidos pela ACEGE junto das empresas, quais destaca, pela vocação de liderança responsável e pautada pela ética que despoletam? Concretamente em relação ao Compromisso Pagamento Pontual, uma das ‘bandeiras’ da Associação, que relevância continua a assumir este projecto no âmbito da vossa actividade, e como comenta o facto de o mesmo continuar a merecer a adesão de mais Câmaras Municipais e empresas, empenhadas em combater o ciclo vicioso do atraso no pagamento de facturas em Portugal?
Como já sublinhei, reforço que a avaliação excede os objectivos a que nos propusemos. Passo a passo, fomos tentando comprovar que não existia um ganho individual em actuar com atrasos e, pelo contrário, os benefícios decorrentes iam para lá das empresas enquanto entidades individuais. É um exemplo de responsabilidade empresarial e de criação de confiança ao longo de toda a cadeia, gerando uma cultura positiva de maior colaboração mútua.
Passo-a-passo, pois começou-se com um propósito, comprovado com vários estudos. Explicitou-se o propósito e divulgou-se o resultado. Nem sempre se cumpriu o propósito mas também aí se explicitou a oportunidade de se melhorar e fazer diferente. E com isto criou-se um ciclo virtuoso e contagiante. Como referi, chegou-se ao sector público, o que representa um enorme desafio e um acto de coragem. Continuará a haver problemas e desafios por cumprir, mas o propósito existe.
Falar de ética empresarial parece continuar a ser um tema tabu ou, no mínimo, desconfortável para muitos líderes, e não só em Portugal. Enquanto presidente de uma Associação que visa ‘injectar’ comportamentos éticos nas empresas suas associadas, que estratégias considera serem mais eficazes para que a temática seja abertamente discutida e amplamente (bem) praticada?
Não sei se será um tema tabu ou se será um dado considerado como adquirido. Ninguém explicita a honestidade como valor para recrutar uma pessoa, pois damos por adquirido que a pessoa é honesta (até prova em contrário). O mesmo se passa com a ética, é um dado que deveria ser considerado como adquirido…
[pull_quote_left]Pretendemos comprovar com resultados o bom propósito das políticas de conciliação[/pull_quote_left]
No entanto, costumo referir que o mapa – os propósitos e os valores – não é o terreno, o dia-a-dia das dificuldades, dos desafios. Vivemos nas nossas organizações dificuldades e problemas que muitas vezes nos dificultam enormemente o cumprimento das metas a que nos propomos. Caso não o consigamos, deveremos comunicá-lo e explicá-lo. É um dever que sustenta o compromisso.
Em resumo, é importante explicitar compromissos de ética pessoal, que conduzirão a culturas de ética empresarial e vice-versa. A começar por nós próprios, enquanto pessoas e organizações.
Até que ponto concorda com a ideia de que uma empresa, para ser ética, precisa em primeiro lugar de saber “casar” a ética individual (neste caso, na sua liderança de topo) com a ética institucional?
A ética, antes de ser empresarial é pessoal. Começa por ser um código de conduta, de valores e de princípios que deve ser comprovado e testado no dia-a-dia, em acções práticas que resultam numa cultura instituída, partilhada e comunicada. Ao comunicar explicitamente àqueles com quem trabalho os meus propósitos pessoais, estou a explicitar um compromisso, um código de comportamentos e de atitudes que podem esperar de mim. Ao dar-lhes a liberdade de me corrigirem quando me desvio destes propósitos estou a submeter-me ao que eu próprio me comprometi.
Não vivemos sozinhos e, por isso, este compromisso explícito com terceiros é algo que nos ajuda a tomar consciência de como caminhamos. É um exercício de humildade e a humildade é um valor ético como outros, pois promove a verdade. Uns e outros alimentam-se mutuamente. Do mesmo modo, ao desligá-los, entramos em ciclo vicioso.
Valores, Ética e Responsabilidade