Há muito tempo que nos habituámos a seguir um ideal de sucesso que exige que sejamos iguais aos outros, só que melhores. Esta fórmula, estreitamente relacionada com a busca de riqueza e poder, funciona para muitas pessoas, mas falha para outras tantas, apesar de estar enraizada na sociedade e na nossa própria consciência. Todd Rose, um investigador de Harvard e precursor da ciência da individualidade, vira a fórmula do avesso e garante que é a realização pessoal que conduz ao sucesso e não o contrário
POR HELENA OLIVEIRA
“dark horse”
Um candidato ou concorrente sobre o qual muito pouco se sabe e que, de forma inesperada, ganha [uma corrida] ou é bem-sucedido [em tradução livre]Conheça os seus objectivos de longo prazo, trabalhe arduamente (muito e muito arduamente), mantenha-se no caminho e enfrente os obstáculos até atingir o seu objectivo”.
Esta é a fórmula mais padronizada e conhecida para se atingir objectivos e realizar sonhos. Mas e se a estivermos a enunciar “ao contrário”?

A pergunta tem acompanhado Todd Rose ao longo de quase toda a sua vida. O director do Programa Mente, Cérebro & Educação, presente na Harvard Graduate School of Education, onde também é responsável pelo Laboratório para a Ciência do Indivíduo, acredita que se esta fórmula funciona para muitas pessoas, também falha para outras tantas. O seu trabalho baseia-se na intersecção da individualização (e não do individualismo) e da personalização aplicada à forma como as pessoas aprendem, trabalham e vivem. Autor do best-seller “The End of Average: How We Succeed in a World That Values Sameness” e do mais recente “Dark Horse: Achieving Success Through the Pursuit of Fulfillment”, escrito em co-autoria com o seu director de pesquisa e neurocientista, Ogi Ogas, Rose é um dos precursores da nova “ciência da individualidade” e uma das suas missões é convencer as pessoas a pararem de procurar o sucesso e a começarem, antes, a procurar a sua realização pessoal.

Em Harvard, e no seu laboratório, a sua pesquisa dos últimos anos tem sido dedicada a calcorrear os caminhos da América, entrevistando centenas de pessoas e levando a cabo focus groups para escutar o que as pessoas entendem por “sucesso” e, em particular, procurando histórias de quem o atingiu não seguindo o caminho padronizado e aceite pela sociedade como “o” certo para lá chegar. Daí que Rose costume afirmar que a felicidade encontra-se, geralmente, na estrada menos caminhada.

Como explica numa entrevista concedida à revista Forbes, há cerca de 60 anos e quando os investigadores começaram a estudar este tema, a América (e o mundo ocidental, no geral) agarrava-se ao “modelo industrial de sucesso” o qual se baseava na riqueza, no status e no poder. Hoje, acredita, as pessoas procuram mais significado, um propósito maior e uma concepção mais alargada de sucesso baseada, em particular, na sua própria realização pessoal. Aliás, o investigador acredita que vivemos numa era de personalização radical, sendo “que nos estamos a afastar do sentimento de anonimato, para chegarmos mais perto do ‘eu que importa’” e em todas as áreas.

Não é a perseguição da excelência que conduz à realização pessoal, mas é a procura da realização pessoal que conduz à excelência

Aos que deitam por terra a procura padronizada de sucesso e o encontram – e pese embora as diferentes conotações que o mesmo pode ter – de uma forma diferente, Rose denomina-os como “dark horses” – tendo em conta o seu The Dark Horse Project – e é sobre as experiências destes que versa o seu último livro.

O The Dark Horse Project nasceu na Harvard Graduate School of Education, mas nasceu também da própria experiência de Rose, numa busca incessante por caminhos alternativos para atingir a excelência. Os “dark horses” demonstram que o segredo para a realização pessoal não é dependente de uma boa rede de contactos, do dinheiro ou do poder. Pelo contrário, o segredo reside numa lógica especial que lhes confere um outro poder, necessário para fazerem as escolhas certas que se adeqúem a determinadas circunstâncias, complementando-as com os seus interesses e capacidades únicos. E a filosofia subjacente a esta lógica é, pelo menos aparentemente, simples: não é a perseguição da excelência que conduz à realização pessoal, mas pelo contrário é a procura da realização pessoal que conduz à excelência. E, em termos gerais, pode conduzir igualmente à inovação, algo tão necessário nos dias que correm.

Afirmando, numa outra entrevista dada ao radio show da Knowledge@Wharton, que se a maioria dos nós “comprou” esse caminho padronizado para ir ao encontro do realização pessoal ou da felicidade, o mesmo não está a acontecer com as gerações mais novas, as quais se agarram mais facilmente “ao que verdadeiramente lhes interessa enquanto pessoas”, seguindo esses interesses com fervor e fazendo deles a sua estrela orientadora, Rose enumera ainda os benefícios desta busca pessoal para a economia de um pais. “O que é realmente interessante é que os benefícios positivos que advêm de um país que se está a afastar desta padronização se traduzem numa economia mais diversificada, onde o pensamento criativo, as novas ideias e a inovação são melhor potenciados”, afirma. Mas a história deste pensamento e da sua linha de investigação começa antes, mais marcadamente com a publicação do seu livro, em 2016, The End of Average, no qual se opõe à “educação massificada” e à ideia de que todos nós devemos ser avaliados de acordo com a “média” – estando acima ou abaixo da mesma – e que está na altura de colocar um ponto final nesta ideia que perdura há tempo demasiado e que nos impede de olharmos para nós próprios, para o nosso valor singular em detrimento de nos compararmos com os demais.

© DR

Não podemos confiar num modelo “que-serve-para-todos” e que ignora a verdadeira natureza da nossa individualidade

Utilizando um vasto corpo de pesquisa das áreas das ciências, naturais e sociais, e da História, e a sua própria experiência enquanto “dissidente” – Rose desistiu da escola secundária e depois de muitos anos a tentar encontrar-se, chegou, contra todas as expectativas, à reputada posição que tem hoje em Harvard, sendo ele próprio um “dark horse” – no livro que recusa a ideia da “medianidade”, o investigador coloca em causa a ideia de sermos avaliados, seja na escola, na empresa ou na vida em geral, de acordo com métricas estandardizadas que há séculos perduram na sociedade e, inevitavelmente, na nossa própria mente. O autor afirma que ao longo das nossas vidas e em todos os domínios, nos avaliamos – e somos avaliados – de acordo com a ideia de “média”. Seja nos testes escolares, nas avaliações de performance, no ritmo cardíaco, nas análises de sangue e até nas roupas que vestimos e que, como todos podemos comprovar, geralmente nunca se adequam na perfeição ao nosso corpo, somos constantemente avaliados em relação aos outros, numa espécie de tirania de grupo que nos acompanha desde que nascemos até que morremos.

[quote_center]Somos constantemente avaliados em relação aos outros, numa espécie de tirania de grupo que nos acompanha desde que nascemos até que morremos[/quote_center]

E é interessante resumir esta ideia de “média”. No livro em causa, Rose coloca a culpa desta obsessão no matemático, astrónomo e sociólogo belga Adolphe Quetelet, um dos precursores da aplicação de ferramentas estatísticas a grupos extensos de pessoas. Entre os seus principais feitos, conta-se a ideia do índice de massa corporal, um rácio entre o peso e a altura, que ainda hoje é utilizado para definir se as pessoas são altas ou baixas. Ou seja, para ele, a média era o ideal e ser “normal” era o melhor que algum ser humano poderia almejar. Mas não para um dos seus herdeiros intelectuais, Francis Galton, antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico que, apesar de concordar que as médias consistiam em ferramentas excelentes para perceber os indivíduos, acabaria por concluir que a média não era um ideal, mas simplesmente a mediocridade, uma marca que devia ser avaliada apenas para ser ultrapassada. No mesmo livro, Rose fala ainda de um terceiro elemento importante para a história da “média”. De Frederick Taylor, o “pai” da administração científica, que também tentou eliminar a individualidade do sector laboral. Se fosse possível padronizar o trabalho e a formação, e de acordo com o seu raciocínio, seria possível pegar em qualquer trabalhador para fazer uma qualquer tarefa e manter a mesma produtividade, sendo que o trabalhador em causa seria tão facilmente substituível como uma qualquer outra ferramenta.

O que Rose queria demonstrar é que nenhuma destas três importantes figuras da História apreciava a individualidade. Se Quetelet interpretava os traços individualizantes como desvios à norma ou à “dimensão apropriada”, Galton recusava a ideia de que qualquer indivíduo é um misto de traços fortes e fracos, com Taylor, por seu turno, a moldar a “norma” laboral numa rotina desumanizada. O que, tanto para o sistema educativo, como para o empresarial, só traz malefícios, pois como acusa Rose, aprendemos desde sempre a confiar em médias de grupos para perceber os indivíduos e prever a sua performance individual. E este sistema tornou-se tão normal, perdurando até ao nosso tempo, “que já nem temos consciência que este tipo de avaliações apaga sempre a individualidade da pessoa que está a ser avaliada”, acrescenta.

[quote_center]O mais importante é uma pessoa compreender exactamente aquilo que a motiva, algo que à primeira vista parece simples, mas que é terrivelmente difícil de descobrir[/quote_center]

Todavia, também parece certo afirmar-se que, sem esta medida de comparação, a alternativa seria o puro caos. “De todo”, nega Rose num artigo sobre o livro publicado no The New York Times, que elenca várias outras opções. Uma delas é a noção comummente aceite de que todas as características humanas são multidimensionais, não só nas especificidades como também em termos de tempo e de contexto. “Reduzir esta massa de dados a uma variável simples e única (tal como um “miúdo lento”, um adolescente “agressivo”, um pré-diabético ou um licenciado de Harvard) poderá resultar num conjunto de conclusões erróneas.

Uma grande parte da narrativa de Rose assenta, como já enunciado, nos mundos da educação e dos negócios, oferecendo exemplos de escolas e empresas que desafiaram a regra da “média” e para benefício de todos. O investigador concorda, contudo, que “tratar as pessoas como únicas é laborioso” e que não é uma situação que se mude da noite para o dia.

Mas, sublinha, há que ter em mente que ninguém está “na média”: nem os nossos amigos, nem os nossos colegas de trabalho, nem os nossos filhos e nem nós mesmos. E há que mudar o facto de todas as nossas escolas e empresas serem concebidas para avaliar e promover o talento com base na noção mítica da “pessoa média”, num modelo “que-serve-para-todos” e que ignora a verdadeira natureza da nossa individualidade.

E o mesmo acontece com o caminho que escolhemos para encontrar aquilo que realmente nos realiza.

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A ideia de realização pessoal não pode ser comparada à ideia de sucesso que os demais têm

Uma das ideias subjacentes ao livro “Dark Horses” diz respeito ao binómio sucesso versus realização pessoal. De acordo com Todd Rose, ao longo de muito tempo que se pensa(va) que é necessário priorizar um em detrimento do outro e ter esperança que o segundo surja mais tarde. Mas o investigador afirma que na maior pesquisa jamais feita nos Estados unidos sobre a forma como as pessoas encaram o sucesso, existe já uma clara maioria de pessoas que considera que ambos devem ser “procurados” ao mesmo tempo. Ou seja, as pessoas já não estão presas à ideia de que o sucesso é feito de riqueza e poder, mas que na mesma equação entram o significado e o propósito como elementos imprescindíveis para se chegar à realização pessoal e, depois, à excelência. Para Rose, esta é uma mudança de pensamento sem precedentes e são as gerações mais novas – mas não só – que estão a levar adiante esta nova lógica de sucesso. Defendendo um sistema de ensino mais personalizado, o investigador pergunta e tendo em conta a nossa própria experiência educativa, quantas vezes alguém nos perguntou ou ajudou a perceber o que realmente interessa a cada um de nós? E quantas vezes fizemos essa mesma pergunta aos nossos filhos? Para o autor, a resposta reside exactamente na importância da individualidade (e não a confundido com o individualismo).

[quote_center]As pessoas já não estão presas à ideia de que o sucesso é feito de riqueza e poder, mas que na mesma equação entram o significado e o propósito como elementos imprescindíveis para se chegar à realização pessoal[/quote_center]

Depois de passar a última década a estudar o que realmente faz as pessoas “vibrar” – e tendo em conta os tais “dark horses” que não seguem o caminho padronizado para atingir o tal sucesso e que têm histórias de verdadeira realização pessoal que, aparentemente, seguem exactamente o caminho oposto ao que é “normal” – Rose e a sua equipa começaram por pensar que tal se devia ou ao elemento “sorte” ou a um determinado tipo de personalidade comum a pessoas como Steve Jobs ou Richard Branson, também eles indivíduos que não seguiram o “caminho normal” para atingir o sucesso. Mas depois de investigarem centenas de histórias, concluíram que nem uma coisa nem outra. Pelo contrário, a uma verdade chegaram: aquilo que coloca estas pessoas nestes caminhos tão idiossincráticos é o facto de estas priorizarem a sua realização pessoal relativamente à visão de sucesso dos demais.

Para tal, e apesar de existirem alguns traços comuns a quem escolhe este caminho “inverso”, Rose sublinha que o mais importante é uma pessoa compreender exactamente aquilo que a motiva, algo que à primeira vista parece simples, mas que é terrivelmente difícil de descobrir. Na entrevista que concedeu à Knowledge@Wharton, o investigador de Harvard diz que, “enquanto sociedade, tendemos a falar sempre nos grandes motivos que, supostamente, nos devem influenciar a todos, seja a competição, a colaboração, o dinheiro ou outra coisa qualquer”. Todavia, o que é diferente para os “dark horses” reside no facto de estes terem uma noção surpreendentemente detalhada daquilo que Rose e a sua equipa denominam como “micro-motivos”. “Alguns grandes, outros pequenos, mas todos eles especificamente importantes”, afirma, acrescentando que é o conhecimento dos mesmos que lhes permite fazer as escolhas que optimizam a realização pessoal.

Ou, numa linguagem comum, aquilo que nos faz levantar da cama todos os dias. É também saber – o que confere um enorme poder pessoal – que existem várias escolhas que podemos fazer na vida e que não é obrigatório que cada uma dessas escolhas seja “a melhor” todas as vezes, mas sim que elas estão lá e nunca são iguais em termos do seu potencial para se atingir a almejada realização pessoal. Rose e Ogas acreditam ter descoberto o caminho para a excelência que está enraizado na nossa individualidade, o qual começa por se saber o que pessoalmente nos motiva, seguido pelas escolhas que fazemos em torno dessa mesma prioridade e construindo um padrão de força ao redor das coisas que realmente nos interessam. E, tal como sugerem os resultados da sua extensa e intensa investigação, é assim que os “dark horses” estabelecem a realização pessoal como prioridade.

E como ajudar os nossos filhos a olharem para o sucesso através desta sua redefinição?

No que respeita ao sistema educativo, Rose defende que existem muitas coisas que podem ser mudadas para melhor. “A primeira é o compromisso de ajudar as crianças a saberem quem são, de acordo com os seus próprios termos”, declara. “A segunda é o enfoque em dominar certas coisas em vez de nos apoiarmos simplesmente no sistema de avaliação”, acrescenta. O investigador de Harvard simplifica da seguinte forma o processo educativo: depois de um certo período de tempo, é-se avaliado, dá-se uma nota, é-se comparado a um outro aluno qualquer e segue-se em frente. “E isto não é desenvolver as competências de uma pessoa”, garante, mas “apenas útil para o processo de selecção”. Existe ainda uma terceira necessidade que consiste em dar às crianças um pouco mais de controlo sobre a sua aprendizagem. “Tal não significa a liberdade completa, mas o facto de estes terem uma palavra a dizer no que respeita aos projectos em que se envolvem, saber se os mesmos lhes interessam ou não. Não tem de ser muito, mas tem de ser mais do que aquilo que fazemos até então”, sublinha.

[quote_center]Há que colocar um ponto final na ideia que nos impede de olharmos para nós próprios, para o nosso valor singular em detrimento de nos compararmos com os demais[/quote_center]

Obviamente que os pais têm também um papel determinante neste processo. E, dependendo da idade, quanto mais novos forem, mais importante se torna ajudar os filhos a descobrirem o que realmente lhes interessa e o que os motiva, sendo que não é suficiente seguir as costumeiras perguntas de como foi o seu dia ou o que fizeram. O que parece simples, torna-se difícil na prática. “Quantas vezes lhes perguntamos do que realmente gostam, o que realmente querem, sem termos a tendência de sermos nós a mostrar do que eles devem gostar e do que lhes deve interessar?”, questiona o autor.

Também questionado sobre o impacto que este investimento na realização pessoal terá no futuro, Todd Rose não hesita em responder que teremos muito mais inovação nas áreas onde esta é mais necessária. “Temos de encontrar uma cura para o cancro e esta tem de estar na cabeça de um miúdo qualquer em algum lugar”, exemplifica. Temos que investir nestas pessoas para chegar “lá”, naquelas que legitimamente estão envolvidas com o que estão a fazer, acrescenta ainda. “Penso que se nota imediatamente quando vemos pessoas com um sentimento profundo de responsabilidade relativamente ao trabalho que fazem. Porque isto é algo que transparece quando se persegue a realização pessoal. Não se opta por atalhos, porque o significado é maior que tudo o resto”.

Por outro lado, Rose não tem dúvidas de que estamos perante uma necessidade prática face a uma realidade sobre a qual ainda não se fala adequadamente que é a era da inteligência artificial e da automação. Quando ouve dizer que a maioria dos trabalhadores não se sente envolvida com o trabalho que faz, Rose afirma que estes serão os primeiros a serem dispensados e a serem substituídos pelas máquinas. “Serão as pessoas que compreenderem quem realmente são, que saberão fazer as escolhas certas relativamente ao que as faz sentirem-se realizadas – porque se sentem realmente envolvidas com o trabalho que fazem – que, caso percam esse trabalho, saberão fazer a melhor das escolhas para encontrar um novo. Penso que tal não é um luxo, mas uma necessidade absoluta”.

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