O mundo de agitação constante em que vivemos força o cérebro a realizar cada vez mais tarefas em simultâneo e no menor tempo possível. E se o conceito de multitasking aparece, de forma crescente, como uma competência forte que deve ser sublinhada nos currículos, a verdade é que são cada vez mais os estudos que sugerem que esta tendência pode ter custos sérios não só na produtividade, como na economia e, mais preocupante ainda, na forma como a sociedade “pensa” como um todo…
POR HELENA OLIVEIRA

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“Ser um multi-tarefas significa fazer mal um monte de coisas ao mesmo tempo”. A frase é de um anónimo e decerto que choca todos aqueles que se gabam de conseguir realizar várias tarefas em simultâneo e de forma eficaz.

Mas e nos tempos modernos, a pressa, a agitação e o excesso de informação transformaram-se no estilo de vida adoptado por uma crescente variedade de pessoas – e de tal forma, que foi necessária uma nova palavra (composta, em português) para descrever os esforços necessários para responder a todas as exigências do quotidiano: em inglês e já perfeitamente adoptado em muitas línguas, o termo multitasking é utilizado sem qualquer parcimónia.

A título de curiosidade, a primeira vez que o mesmo foi utilizado, em 1966, e de acordo com o Oxford English Dictionary, foi numa revista intitulada Datamation, na seguinte frase: “Multi-tasking é definido como a utilização de uma única CPU – unidade central de processamento –  para a realização em simultâneo de duas ou mais tarefas”. E, dado que a CPU consiste no componente de um computador mais parecido com um cérebro, não é de admirar que esta capacidade de o ser humano conseguir realizar cada vez mais tarefas ao mesmo tempo tenha vindo a apaixonar psicólogos e neurocientistas que, com estudos diversos, tentam perceber os efeitos negativos e positivos desta “pressão” constante no cérebro.
O problema é que, no geral, a ciência continua a sugerir que o multitasking, tal como o conhecemos, não passa de um mito. Ou seja, é impossível. Como afirma Eyal Ophir, um dos cientistas mais reconhecidos nesta área e que dirige um centro de investigação sobre esta temática em Stanford, “o que fazemos é mudar de tarefas com rapidez e isso parece ser multitasking”.

As questões que se colocam em torno desta que, para muitos, é considerada uma arte, são várias e tocam pólos tão diferentes quanto a produtividade dos trabalhadores, os custos para a economia, uma possível alteração nos cérebros dos mais jovens que já nasceram numa sociedade que exige esta pressão contínua e até a preocupante hipótese da possível diminuição da capacidade para pensar da nossa sociedade enquanto um todo.

Nos finais do século passado e início dos anos 2000, o tema ganhou uma exuberância significativa, na medida em que coincidiu também com a explosão de muitos dispositivos electrónicos que ofereciam a possibilidade de realizar múltiplas tarefas de uma só vez e a partir de um único gadget. Na verdade, esta “moda” foi tão forte na altura que era comum (e ainda é) o termo “multitasking” aparecer como uma competência nos currículos vitae.

Mas o que parecia constituir, principalmente no mundo dos negócios, uma competência distintiva, começou, de forma gradual, a emergir como uma questão negativa. A título de exemplo, em 2005, um estudo financiado pela Hewlett-Packard e conduzido pelo instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, afirmava que “os trabalhadores que se distraiam continuamente com o email e com as chamadas telefónicas sofriam uma queda no QI duas vezes superior aos utilizadores habituais de marijuana”. O psicólogo que liderou o estudo chamou a este novo fenómeno “infomania” e considerou-o uma ameaça séria à produtividade laboral. E não estava sozinho. Mais ou menos na mesma altura, um psiquiatra especializado em défice de atenção e desordens de hiperactividade alertava igualmente num livro com um título auto-explanatório, CrazyBusy, que nunca na história humana se tinha pedido ao cérebro para lidar com tantas coisas ao mesmo tempo e que este não tinha evoluído o suficiente para ser bem-sucedido neste novo mundo de excessos. O psiquiatra, Edward Hallowell, foi dos primeiros a afirmar que “o multitasking consiste numa actividade mítica na qual as pessoas acreditam serem capazes de desempenhar duas ou mais tarefas ao mesmo tempo”. Ilusoriamente.

Mais preocupante ainda foi um outro estudo levado a cabo por investigadores da Universidade da Califórnia, com o objectivo de monitorizar as interrupções entre um número significativo de trabalhadores num escritório, e que demonstrou que estes levavam, em média, cerca de 25 minutos para recuperar de interrupções como a resposta a um email ou o atender de uma chamada e regressar à tarefa original. Pior ainda foi quando o The New York Times publicou uma entrevista com um analista de negócios, Jonatahn B. Spira, que estimava que, nesse ano (2007) , devido a um multitasking extremo, a par do excesso de informação disponível, a economia norte-americana tinha perdido, em produtividade, 650 mil milhões de dólares. E ainda não havia Facebook!

A questão da maior ou menor eficácia

Se admitirmos que os cientistas têm razão e que a questão do multitasking é apenas uma ilusão, por que motivo existem tantas pessoas que acreditam, fervorosamente, que são excelentes a gerir múltiplas tarefas ao mesmo tempo? A verdade, para os especialistas, é que o ser humano compensa a sua incapacidade para o multitasking com uma capacidade extraordinária para mudar de uma tarefa para outra sucessiva e rapidamente. Ou seja, quando as pessoas dizem que conseguem estar a responder a um email ao mesmo tempo que navegam na internet, basta pensarmos um pouco para termos consciência que isso não é verdade: começamos a responder ao email, mudamos para a navegação, voltamos ao email e assim sucessivamente. Mas e como já foi anteriormente afirmado, ficamos com a ilusão que estamos a fazer as duas coisas ao mesmo tempo. E os estudos também sugerem o impensável: aqueles que, aparentemente, gerem melhor as multi-tarefas, são muito mais susceptíveis a distracções e, consequentemente, piores, quando lhes é exigido que mudem de uma para outra tarefa. O que faz sentido se considerarmos o multitasking como “a arte de prestar atenção”. Ora, os “maiores” multitaskers não conseguem prestar atenção ou concentrarem-se em nada, pois essa não é a sua intenção.

Todos sabemos que a atenção e a concentração são competências muito importantes. E aqueles que não são tão bons a gerir as tarefas múltiplas, são muito mais hábeis a preservar a sua atenção. Pelo contrário, os que valorizam a distracção, fazem-no simplesmente porque estão constantemente à procura do que é novo, o que, principalmente num ambiente como o actual que encoraja estes mesmos comportamentos, constitui igualmente uma competência desejada e valorizada.

Assim, e para as empresas, uma questão crucial se coloca: afinal é melhor ter um colaborador que se concentre numa tarefa em específico ou um outro que consiga gerir vários tipos de informação ao mesmo tempo? Numa entrevista ao site Boing Boing, o especialista de Stanford, Eyal Ophir afirmava ser extremamente difícil de assegurar que tipo de trabalhadores são mais “eficazes”, até que se determine o que pretendem eles do trabalho que exercem.

“Não penso que os ‘heavy multitaskers’ sejam menos eficazes – mas sim que têm objectivos diferentes”, diz. E acrescenta: “se é possível afirmarmos que, tradicionalmente, valorizamos a capacidade de uma pessoa se concentrar em detrimento de uma outra que seja permeável às distracções, também pode acontecer que esta última prefira sacrificar a concentração para não perder nada que seja novo ou excitante, e útil para o próprio local de trabalho”.

Há aproximadamente um ano e meio, Nicholas Carr, o reconhecido especialista em questões relacionadas com a Web, chocava o mundo ao proferir que a “Net estava a estupidificar o cérebro”. No livro The Shallows: what the Internet is doing to our brains,o autor defendia que a questão das multi-tarefas que é permitida e encorajada por todos os dispositivos digitais que temos ao nosso dispor serve, supostamente, para aumentar a nossa produtividade mas, muitas vezes, acaba por a diminuir. Carr afirmava que “de cultivadores do conhecimento pessoal, estamo-nos a transformar em caçadores/recolectores da floresta das informações electrónicas”.

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E é por isso que a web é o ambiente perfeito para estes heavy-multitaskers porque promete tudo o que é novo e rápido. Assim, é a própria a ciência a sugerir que o segredo para se florescer numa era de distracção universal não é evitar as distracções, mas sabermos lidar com elas de forma inteligente. Num artigo publicado na revista The Atlantic, é citado um estudo realizado pela National University of Singapore, o qual conclui que os trabalhadores que despendem cerca de 20 por cento do seu tempo a navegar na Web são nove por cento mais produtivos do que aqueles que nunca estão online. O que coloca uma nova variável na equação: é igualmente sabido que a capacidade de concentração de um indivíduo tem limites, ou seja, trabalhar demasiado e durante muito tempo num só projecto acaba por resultar numa quebra de produtividade. Daí que, como em tudo, há que encontrar o equilíbrio mais desejável.

Custos e ameaças para a aprendizagem
Russel Poldrack é professor de psicologia na Unversidade de Califórnia e, num estudo realizado com base em scans cerebrais, concluiu que o multitasking afecta, de forma negativa, a forma como se processa a aprendizagem. Para o professor, mesmo quando se aprende à medida que se realiza múltiplas tarefas, essa aprendizagem é menos flexível e mais especializada, o que contribui para que a informação seja mais dificilmente recuperada. A sua pesquisa demonstra que as pessoas utilizam áreas diferentes do cérebro para aprender e armazenar informação nova quando estão distraídas. O professor alertou, num programa de rádio, que “temos que estar conscientes de que existe um custo associado à forma como a nossa sociedade está a mudar, sendo que os humanos não foram concebidos para trabalhar desta forma”. Afirmando que o cérebro evoluiu de forma a poder concentrar-se, quando é forçado a dividir a sua atenção por múltiplas fontes de informação, “podemos estar a seguir o caminho para uma menor eficácia a longo prazo mesmo, que a breve trecho, nos pareça que estamos a aumentar a nossa eficácia”. E, neste caso, em particular, Poldrack alerta também para as crianças e jovens da actualidade, nascidos e criados num ambiente de excessos de entretenimento digital e de tecnologia.

Preocupações similares tem Clifford Nass, professor em Stanford e especialista na interacção existente entre o multitasking e os múltiplos media a que temos acesso na actualidade. O investigador, que trabalha em conjunto com Eyal Ophir, afirma que os estudos recentemente realizados sugerem que o cérebro humano está a sofrer um retrocesso em termos de raciocínio analítico, algo que é imprescindível para a aprendizagem escolar e, no fundo, para a que fazemos ao longo da vida. O investigador afirma igualmente que o senso comum poderia ditar simplesmente que, se o multitasking está a afectar negativamente muitas pessoas, o mais correcto seria tentar evitá-lo. Todavia, quando se fala com os multitaskers, todos eles parecem sentir orgulho na forma como o fazem, sentindo-se totalmente capazes de o fazerem mais e mais. A preocupação dos psicólogos e cientistas desta área reside então no aumento contínuo deste tipo de pessoas – e não só os jovens, que representam papel principal neste “segmento” – a par de ambientes de trabalho que constituem terreno fértil para forçarem as pessoas a executarem múltiplas tarefas em simultâneo. Para Nass, a preocupação maior consiste na possibilidade de se estar a criar pessoas incapazes de pensar com clareza.

Mas esta apreensão não é propriamente nova. Em 2006, o denominado Relatório Kaiser, cujo objecto incidia nos jovens e no multitasking associado aos novos media, concluía que estávamos perante uma “geração com uma ampla inteligência e com capacidades técnicas extraordinárias, mas dotada de uma impaciência extrema, de uma insatisfação desmesurada relativamente à lentidão e extremamente desconfortável com o silêncio”. Apesar de tudo, os responsáveis do relatório emitiram, na altura, uma nota de optimismo, que sugeria que num mundo povoado por um sem número de media, seria possível que os cérebros mais adeptos do multitasking poderiam “transmitir” essa herança e que estas alterações pudessem vir a ser naturalmente seleccionadas. Ou seja, “se a informação é poder, e se é possível processar cada vez mais quantidades de informação, talvez seja possível vir-se a ser mais poderoso”, podia ler-se na nota. O que sugere uma espécie de darwinismo tecno-social.

A questão do tempo perdido é um dos outros custos que os cientistas apontam para o ambiente de multitasking em que grande parte de nós vive. No final do dia, e como enumera Clifford Ness, são várias as competências que são afectadas: a capacidade de memória a longo prazo, a capacidade para lidar com o raciocínio analítico, a capacidade para mudar eficazmente de uma tarefa para outra. “Estamos a fazer coisas demais, de uma forma muito mais pobre e menos eficiente… o que, em suma, nos faz perder tempo”, afirma.

Nass chama ainda a atenção para o facto de uma das maiores ilusões que ouve por parte dos estudantes é o argumento de que “fazemos cinco coisas ao mesmo tempo porque simplesmente não temos tempo para as fazer uma de cada vez”. O que para o psicólogo é uma falácia. Caso optassem por fazer uma coisa, e depois outra, e assim sucessivamente, seriam muito mais rápidos. “Poderia não ser tão divertido, mas seria, certamente, muito mais eficaz”, assegura.

O maior problema é que não existe qualquer movimento ou esperança, neste momento, que este multitasking constante venha a ser travado. Tudo aponta, pelo contrário, para que a tendência se acentue cada vez mais. E, tal como teme Nass, “podemos estar perante uma batalha perdida”.

 

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