POR HELENA OLIVEIRA
De acordo com um recente relatório publicado pelo FMI, a produtividade – e a nível global – está em declínio persistente. A produtividade total do factores (PTF) que se seguiu à crise financeira global contínua em queda em todas as economias, sejam elas avançadas, emergentes ou de baixo rendimento – e com particular enfoque na Europa continental. Depois de várias décadas de ganhos robustos em termos de eficiência, o abrandamento e posterior agravamento da produtividade tem sido directamente associado à crise financeira que teve repercussões em todo o mundo, bem como às baixas taxas de juro reais, que atingiram mínimos históricos.
Se este declínio se mantiver, as implicações para o progresso dos padrões de vida globais são preocupantes, o mesmo acontecendo com a sustentabilidade das dívidas públicas e privadas, com os sistemas de protecção social e com a capacidade das políticas macroeconómicas conseguirem responder a choques futuros. Assim, e como alerta o FMI, é cada vez mais urgente perceber as mais profundas raízes deste abrandamento contínuo e abordar as falhas no mercado e as distorções políticas que as poderão explicar.
Numa conferência recente que teve lugar no American Enterprise Institution e a propósito deste estudo recente realizado pelo organismo que dirige, Christine Lagarde apontou o envelhecimento da população, o abrandamento do comércio e o legado da crise financeira como os três principais motivos que explicam este enfraquecimento da prosperidade, apesar de confessar que existem alguns paradoxos nesta mesma explicação.
Um dos grandes temas abordados no estudo – e que reflecte um dos seus maiores paradoxos – tem a ver com a inovação tecnológica e a sua difusão. Considerados como uns dos principais responsáveis pelo boom do crescimento da produtividade nos finais dos anos de 1990 e na primeira década do novo século, os ganhos com origem na produção e utilização das TIC tornaram-se, todavia, anémicos ao longo do dos últimos anos.
Mas e com o progresso tecnológico mais acelerado do que nunca, e que passa tanto por carros autónomos, como por impressoras 3D ou por robots que já desempenham tarefas humanas, como se explica este retrocesso? Para já, o debate tem-se centrado exactamente em torno desta questão: será este abrandamento na inovação permanente ou temporário, tendo em conta que os enormes desenvolvimentos na inteligência artificial e em outras tecnologias oferecem uma boa perspectiva para um renovar da produtividade?
De acordo com o relatório do FMI, avanços desta natureza podem demorar algum tempo a disseminar-se na economia, tal como aconteceu com outras grandes invenções do passado, o que explica, por um lado, o abrandamento já mencionado; mas, e como defendem outros especialistas, em vez de a resposta se focar no papel da difusão lenta da tecnologia, o problema poderá prender-se com o gap existente entre as empresas e indústrias líderes e aquelas que permanecem “em atraso” neste ambiente tecnológico, contribuindo assim para o declínio do dinamismo nos negócios. No que respeita a esta questão em particular, e na conferência acima mencionada, a directora do FMI é mais “crua”, afirmando que não se podem cruzar os braços e esperar que a inteligência artificial, a par de outras tecnologias avançadas, tenham o impacto desejável para estimular a produtividade, sendo necessária a aplicação de outras receitas.
Para Lagarde, os decisores políticos terão de concentrar os seus esforços na identificação – e posterior acção – das forças que são verdadeiramente responsáveis por este declínio persistente nos níveis de produtividade, o qual está a ser travado por pelo menos três obstáculos por excelência.
O primeiro está directamente relacionado com o envelhecimento da população, fenómeno que caracteriza a maioria das economias mais avançadas. De acordo com o estudo do FMI, as pesquisas sugerem – e sem surpreenderem – que as competências dos trabalhadores tendem a diminuir a partir de uma certa idade, o que acarreta efeitos negativos na inovação e na produtividade, mesmo que o tema não gere consenso entre aqueles que o estudam.
Mas é sabido que envelhecimento da força laboral – e que nada tem de novidade – tem vindo a debilitar o crescimento da produtividade desde pelo menos os finais dos anos 90, nas economias avançadas e, mais recentemente, nos países emergentes e em desenvolvimento. Sendo natural que a produtividade de um trabalhador varie ao longo da vida, por razões diversas, positivas e negativas, como a acumulação de experiência, a desvalorização do conhecimento e por motivos associados à saúde física e mental, uma força laboral madura terá, em média, níveis elevados de experiência, os quais têm efeitos positivos na produtividade. Por outro lado, as competências destes trabalhadores dependem, igualmente, do stock existente de conhecimento adquirido através da educação formal (antes da entrado no mercado laboral) e “on the job” nos primeiros anos de carreira dos indivíduos. Assim, é normal que as competências atinjam um “pico” e comecem a “decair” à medida que os trabalhadores vão envelhecendo, o que explica o declínio na inovação e na produtividade. Novos estudos citados no relatório do FMI e que exploram a relação entre as mudanças da estrutura etária da população activa e o crescimento da produtividade total dos factores (PTF) sugerem assim que o envelhecimento tem um impacto genuíno no abrandamento da produtividade tal como o estamos a testemunhar.
O segundo entrave diz respeito ao abrandamento do comércio, a nível global. Se está provado, por variadas pesquisas, que o comércio encoraja as empresas a investir em novas tecnologias e em práticas de negócio mais eficientes, o que encoraja, por sua vez, a sua partilha além-fronteiras, a verdade é que a ausência de uma procura global, em conjunto com um aumento gradual das restrições ao comércio, está a fazer mossa nas transacções comerciais mundiais. O que, consequentemente, prejudica a produtividade e os padrões de vida de todos os cidadãos. Como refere o relatório, o comércio internacional mal conseguiu acompanhar o ritmo do PIB global a partir de 2012, em contraponto face ao dobro do crescimento que caracterizou as duas décadas que precederam a crise financeira. Apesar do abrandamento no comércio ser, acima de tudo, resultado de uma actividade económica fraca, os esforços, em declínio, da liberalização comercial, em conjunto com a maturação das cadeias de fornecimento globais, têm também contribuído para a queda na produtividade.
Por último, o “legado não resolvido” da crise financeira global é considerado como um dos motivos cruciais para esta quebra geral da produtividade, particularmente na Europa, onde as feridas provocadas pela mesma estão longe de estar saradas. Estimular a procura, reduzir as incertezas políticas, aumentar o investimento em projectos de infra-estruturas de elevado retorno daria origem a mais investimento privado, ao aumento da tomada de risco e à melhoria da alocação de capital, o que, por seu turno, ajudaria a inverter a anemia do investimento e da produtividade, ajudando as economias mais avançadas a saírem da sua actual armadilha de baixo crescimento. Pelo menos em teoria.
E é, supostamente, para ajudar na sua implementação mais prática, que o FMI sugere um conjunto de medidas que visam combater a persistência da baixa produtividade e revigorar o seu crescimento.
Remédios de longo prazo para fortalecer a saúde da produtividade
Porque é necessário assegurar o bem-estar e a prosperidade da “próxima geração”, é crucial que os governos estejam dispostos a investir em medidas eficazes para que o ciclo da baixa produtividade seja quebrado.
Assim, e em primeiro lugar, é absolutamente necessário estimular e investir em políticas de inovação. Como já referido anteriormente, o avanço lento, pelo menos em algumas indústrias, no que respeita ao domínio tecnológico sugere a existência de falhas ao nível da Investigação & Desenvolvimento (I&D), do empreendedorismo e da transferência tecnológica. Incentivos fiscais bem desenhados no que respeita à I&D, reformas políticas com o objectivo de limitar os impedimentos legais e de mercado ao financiamento de capital de risco e um enquadramento sólido para os direitos de propriedade intelectual constituem medidas que, se bem aplicadas, poderão incentivar o investimento na inovação, ao mesmo tempo que facilitarão a difusão tecnológica e a continuidade da investigação. Adicionalmente, incentivos de estímulo à I&D em empresas jovens poderão ser particularmente eficazes nos locais que enfrentam, ainda, constrangimentos apertados na concessão de crédito, que é o que acontece em vários países da Europa. Nas economias emergentes e nas dos países em desenvolvimento, a I&D pode igualmente apoiar o crescimento da produtividade, sendo que, e no entanto, há que se dar igual prioridade ao investimento na educação e nas infra-estruturas para se poder aumentar a capacidade de se absorver as tecnologias oriundas do exterior. A simplificação dos regimes fiscais para as pequenas empresas poderá facilitar, igualmente, a sua penetração no mercado, reduzir a economia informal e aumentar a produtividade.
Dado que não existem dúvidas que o envelhecimento da força laboral caracterizará as próximas três décadas nas economias avançadas e, também, mesmo que em menor escala, as emergentes, o seu efeito negativo poderá ser minimizado pelo aumento de políticas de apoio à saúde e acessibilidade junto do trabalhadores mais velhos, em conjunto com o investimento em políticas de requalificação e reconversão de competências. Neste campo em particular, as políticas activas do mercado de trabalho e as reformas das pensões que eliminam os desincentivos para se continuar a trabalhar até mais tarde, poderão oferecer aos trabalhadores mais velhos os meios e estímulos necessários à aquisição de novas competências.
Um outro tema, e que continua a gerar controvérsia, diz respeito às políticas de migração, mesmo sabendo-se que o próprio envelhecimento populacional pode ser mitigado por taxas de fertilidade mais elevadas com origem em vários segmentos de imigrantes. Como refere o relatório, entre 1990 e 2010, os imigrantes contribuíram com cerca de metade do crescimento total da população em idade activa em muitas das economias desenvolvidas, tendência que continuará a revestir-se de importância crucial para contrariar o declínio das forças laborais nestes mesmos países. Na medida em que, e em média, os imigrantes são mais jovens do que as populações nativas, são também vários os estudos que comprovam os efeitos positivos da imigração para a produtividade dos países de acolhimento. Por exemplo, um aumento de um ponto percentual na quota de migrantes na população adulta corresponde a um crescimento da produtividade laboral superior a três por cento, no longo prazo e no país de acolhimento, tanto no que respeita ao aumento do capital humano como à melhoria da produtividade total dos factores (PTF). No entanto, se a ideia é aproveitar estes ganhos de longo prazo, e como alerta o FMI, é necessário também prevenir disrupções políticas e sociais, tendo em conta a dimensão dos fluxos migratórios. Obviamente que são cruciais políticas de imigração eficazes e activas que facilitem a entrada deste segmento populacional no mercado laboral, bem como a sua integração, seja através de formação na língua dos países em causa, em medidas de apoio à procura de emprego, ao reconhecimento da equivalência das suas credenciais e apostando na diminuição de barreiras ao empreendedorismo. O relatório refere igualmente a particular dificuldade na integração dos refugiados, na medida em que a incerteza que acompanha o seu estatuto legal poderá atrasar o seu emprego e ter resultados inversos e negativos no mercado laboral e, consequentemente, na produtividade.
Uma outra possível receita diz respeito à liberalização do comércio multilateral, a qual pode oferecer um estímulo importante na produtividade exactamente através dos mesmos canais responsáveis pelo abrandamento do comércio global. De acordo com uma base de dados utilizada pelo FMI, que analisa os efeitos das tarifas em 18 economias avançadas, os ganhos de produtividade decorrentes da liberalização são claros: a uma redução de um por cento nas mesmas corresponde um aumento de cerca de dois por cento nos níveis de PTF. Adicionalmente, a eliminação de barreiras não-tarifárias daria origem a ganhos muito mais substanciais, sendo que a liberalização eficaz do comércio ajudaria igualmente a estimular os efeitos de “propagação” da inovação para outros países.
Por último, aumentar a qualidade e a quantidade do capital humano é igualmente imperativo para se mitigar ou inverter a baixa produtividade. Em muitas economias emergentes e em desenvolvimento, reformas fiscais e de despesa pública poderiam libertar espaço para investimentos mais elevados na saúde e na educação, o que teria um impacto óbvio na produtividade.
Já nas economias avançadas, os elevados retornos do ensino superior privado continuam a contribuir para o incentivo ao investimento em capital humano. Mas e mesmo assim, o número de matrículas no ensino superior tem vindo a diminuir e o acesso ao mesmo permanece desigual na maioria dos países, com custos e propinas demasiado elevados. Obviamente que a situação inversa – mais matriculados e menos custos – teria também um efeito positivo na produtividade e na igualdade de oportunidades também. Como defende o Banco Mundial e para todos os países da OCDE, as reformas nas políticas educativas para reduzir a inadequação entre a oferta e a procura de competências no mercado laboral apresenta-se como uma tarefa de elevada prioridade.
Identificadas as prioridades, tudo o resto parece continuar por fazer.
Editora Executiva