POR MÁRIA POMBO
Conscientes de que estamos longe de viver numa sociedade perfeita que concede direitos iguais aos seus cidadãos, independentemente dos rendimentos, cor de pele, país de origem, género ou qualquer outra particularidade, muitas pessoas saem constantemente às ruas, manifestando-se das mais variadas formas.
Promovido pela Association for Women’s Rights in Development (AWID) e sob o mote “Futuros Feministas: Construindo Poder Colectivo em prol dos Direitos e da Justiça”, o 13º Fórum Internacional AWID realizou-se no Brasil, entre os dias 8 e 11 de Setembro. Celebrar as conquistas feitas nos últimos 20 anos em termos de direitos humanos, analisar o panorama actual, identificando as oportunidades e as ameaças mais iminentes, e promover um futuro cada vez mais livre de opressão, injustiça e violência para todas as pessoas do planeta foram os principais objectivos deste certame, que contou com a participação de 1854 pessoas oriundas de 120 países.
Desde a violência contra as mulheres à exploração que existe nas cadeias de fornecimento das empresas têxteis, passando pela discriminação evidente entre as diversas raças e credos, este evento contou com mais de 200 sessões para todos os gostos, entre debates, workshops e exposições, pautando pela partilha livre de experiências, conhecimentos e opiniões.
A arte foi uma constante no evento e mereceu um especial destaque no seu segundo dia. Os corredores do Resort Costa do Sauípe foram transformados em autênticas galerias – com diversas exposições e performances – das quais os visitantes puderam usufruir, interagindo e trocando ideias com os autores e performers. Para além das galerias, este tema foi aprofundado e explorado em diversas sessões. Uma dessas sessões foi da responsabilidade de um grupo de activistas da Arménia – denominado ArtAct – que explicou de que forma a criação de posters coloridos e arrojados é útil na luta contra a violência doméstica e também no combate às barreiras que as mulheres em idade fértil enfrentam quando procuram emprego, no seu país. Este grupo, que procura constantemente desenvolver novas técnicas e criar novos materiais, distingue-se de outros seus semelhantes porque não questiona o que é a arte, mas sim o que esta pode fazer e onde permite chegar.
A culinária é uma outra forma de arte e é a partir desta que um grupo proveniente da África do Sul, também presente no evento, combate a pobreza e aborda temas como o consumo e o capitalismo, estabelecendo uma relação com a sociedade essencialmente por via de sentidos como o olfacto e o paladar. Complementarmente e noutras sessões, os murais e os graffiti ocuparam lugares de destaque, na medida em que são duas das formas mais recorrentes de luta pelos direitos humanos através da arte, tendo ainda a capacidade de chegar a muitas pessoas (também com a ajuda das redes sociais) e permitindo que cada uma faça a sua interpretação.
Muitos dos locais graffitados são vulgarmente escolhidos com base no tráfego de pessoas, e os mesmos podem conter mensagens mais explícitas ou mais subliminares, sendo as palavras, na maioria das vezes, de foro político.
Artivismo é a capacidade de provocar emoções
Para além dos ‘formatos’ já referidos, sabemos que desde a pintura à escultura, passando pelo teatro, pela música, pela literatura e por tantas outras manifestações, a arte ocupa um papel transversal na sociedade, sendo, por isso, considerada um importante instrumento para os activistas dos quatro cantos do mundo. De facto, e de acordo com um artigo sobre o Fórum Internacional AWID, a sua importância deve-se à capacidade que a mesma tem de “agitar o mundo e originar a mudança”.
E esta ideia de juntar arte e activismo, que é denominada de artivismo, não é exclusiva de nenhum grupo, comunidade ou classe social, embora sejam as pessoas que se sentem marginalizadas, injustiçadas ou, de alguma forma, ignoradas pela sociedade, aquelas que ocupam a maior “fatia” de artivistas. Um pouco por toda a parte e de forma crescente, o mundo assiste à proliferação de projectos e iniciativas que recorrem à criatividade como forma de criar algum tipo de emoção (em si próprias e nos outros), procurando instaurar algum tipo de mudança.
De acordo com um artigo publicado pelo ISCTE, denominado “Artivismo: articulando dissidências, criando insurgências”, este movimento “apela a ligações, tão clássicas como prolixas e polémicas entre arte e política, e estimula os destinos potenciais da arte enquanto acto de resistência e subversão”. Complementarmente, “a sua natureza estética e simbólica amplifica, sensibiliza, reflecte e interroga temas e situações num dado contexto histórico e social, visando a mudança ou a resistência”. O autor do documento explica também que este “neologismo conceptual ainda de instável consensualidade” se consolida como “causa e reivindicação social e simultaneamente como ruptura artística – nomeadamente, pela proposição de cenários, paisagens e ecologias alternativas de fruição, de participação e de criação artística”.
Se recuarmos no tempo, é fácil perceber que a utilização da arte como meio de contestação social não é uma novidade – lembremo-nos dos trovadores e das suas cantigas de maldizer, ou do teatro como uma das mais antigas formas de contrariar regimes e promover a mudança. Contudo, só em 2008 é que a designação “artivismo” terá entrado oficialmente no dicionário académico, sob a chancela das filósofas Chela Sandoval e Gisela Latorre, para quem o termo é definido como “a prática e a obra criada por indivíduos que buscam uma relação orgânica entre arte e activismo, exigindo por isso não apenas uma volição estética mas um modo de consciência e um posicionamento político no mundo”.
De um modo geral, o artivismo “inspira e transforma”. Não se trata apenas de uma ferramenta de publicidade nem tão pouco de um incentivo à revolta, mas sim de um instrumento que permite a cada indivíduo compreender a sua posição no mundo, expressando-se.
Artivismo é a coragem de chegar mais longe
Contudo, e como nem só de desigualdades sociais vive o homem, para além dos diversos movimentos que, de forma crescente, visam promover os direitos humanos, nomeadamente das minorias, também o clima tem merecido destaque nas agendas internacionais e tem dado origem à criação de vários projectos que pretendem promover a preservação do ambiente.
Um dos exemplos é a plataforma 350.org que, por via online , mas também no terreno, promove diversas campanhas que alertam para diversas questões ambientais, como o problema das alterações climáticas e o uso de combustíveis fósseis, procurando preservar o mais possível a vida e a saúde do nosso planeta. Uma das suas maiores e mais recentes iniciativas realizou-se em Maio deste ano e mobilizou cerca de 30 mil pessoas, em seis continentes, as quais desenvolveram inúmeras acções com o objectivo de manter os combustíveis fósseis no subsolo, promovendo a utilização de energia renovável e lutando para que o clima seja reconhecido como um dos principais temas que os governos devem debater.
Quem também merece reconhecimento – e não poderia deixar de figurar num artigo sobre este tema – é o português Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils e que se considera a si próprio como artista e activista em prol das comunidades mais esquecidas. Iniciou a sua carreira a pintar carruagens e murais na margem sul e ficou popular no início do milénio, essencialmente pelas ilustrações – que são autênticas obras de arte – que criou nas paredes de variados edifícios devolutos de Lisboa, aproveitando ao máximo a matéria que os mesmos continham e todas as tonalidades que lhe proporcionavam.
Alexandre Farto é um artista em ascensão e um dos mais simbólicos rostos da geração “à rasca” que, como sabemos e em Portugal, tem muito mais qualificações do que oportunidades oportunidades. O seu talento é inegável e o seu trabalho, reconhecido em todo o mundo, está presente nas ruas de diversos países (como a Malásia, China, Sicília, Itália, Ucrânia e outros), não deixando ninguém indiferente, independentemente da língua ou da cultura.
Artivismo é a habilidade de aprender a fugir à regra
Para além dos movimentos que têm vindo a surgir um pouco por todo o mundo, existem escolas que ensinam os artistas e os activistas a explorar formas inovadoras de levar a arte a mais pessoas, lutando em simultâneo pelas causas em que acreditam.
Com base no conceito de que “existe uma arte para qualquer prática, inclusive para o activismo”, o Centro para o Activismo Artístico (CAA), sediado em Nova Iorque, é um espaço onde se estimula a descoberta, a análise e o fortalecimento da relação entre o activismo (e o que significa ser activista) e a prática artística. Por outras palavras, este Centro é um lugar que ensina a fugir à regra, e onde os activistas aprendem a ver o mundo como artistas e os artistas aprendem a pensar como activistas.
Neste espaço promovem-se, assim, diversas actividades com o intuito de desenvolver a criatividade, articulando-a com o sentimento de compromisso social e cultural. Os requisitos à participação são simples: os participantes não precisam de ser grandes compositores nem artistas, nem tão pouco de ter mentes brilhantes; o que precisam é de ser pessoas vulgares, daquelas que gostam de ouvir música, ler um livro ou ver televisão. Reunidos estes requisitos, importa depois conhecer o meio envolvente onde se pretende actuar e aprender a utilizar algumas ferramentas, sendo promovidos com regularidade workshops que ajudam os artistas a conhecer melhor os meandros da política, tornando-se socialmente mais comprometidos e politicamente mais eficazes.
A Escola de Activismo Criativo (EAC), promovida pelo CAA e cujo modelo pode ser replicado em qualquer comunidade ou instituição, foi desenhada para ensinar tácticas e estratégias criativas que já foram utilizadas, com sucesso, por diversos activistas e artistas. Com o objectivo de descobrir e utilizar os recursos e talentos existentes em cada organização ou comunidade, é também sua missão criar cenários e promover campanhas que utilizem a cultura e a criatividade como ferramenta para chegar às pessoas, ajudando na construção de uma rede de contactos entre as organizações e os artistas e posteriormente entre estes e a comunicação social. Contudo, e ao contrário do que pode parecer à vista desarmada, esta escola não se prende apenas com a ideia de criar uma “melhor mensagem” mas antes de ajudar a construir organizações mais sólidas, mais comprometidas com a sociedade e mais fiéis à sua própria missão.
Complementarmente, e para os artistas que pretendem produzir material com impacto social (sem estarem necessariamente ligados a uma instituição ou grupo) e colmatar algumas das lacunas identificadas nos planos curriculares das escolas de arte que frequentaram, o CAA promove a Academia de Arte e Acção (AAA). Ajudar estes alunos a ir mais longe, transformando-os em autênticos agentes de mudança, capazes de identificar diversos recursos e materiais existentes no seu meio envolvente, modificando-os e convertendo-os em peças de arte que não deixam ninguém indiferente são os principais objectivos desta academia.
Ao longo da formação, os alunos são livres de utilizar diversos métodos e técnicas, e de recorrer a todo o tipo de materiais, dando-se primazia às matérias que mais abundam no meio envolvente, pois o principal objectivo das formações é que os artistas continuem, posteriormente, a desenvolver o trabalho a que se propuseram, podendo aplicar também os conhecimentos adquiridos em campanhas futuras. Tal como em outra escola qualquer, os participantes têm componentes teóricas e práticas, e são também avaliados. As “folhas de teste” são cenários reais, propostos pelos alunos e aprovados pelos formadores, onde se criam e promovem campanhas relacionadas com situações da actualidade; a avaliação é feita com base na correcta utilização das técnicas e objectos escolhidos e na eficiência do trabalho realizado (que inclui a atenção que o trabalho ou o autor despertam nos meios de comunicação social, o impacto social e o cumprimento dos objectivos junto do público-alvo).
Paralelamente a estas formações, o Centro vai desenvolvendo outros workshops para diversos públicos, sempre com o objectivo de estimular a imaginação, a criatividade e a descoberta, e também a consciência em termos políticos e o compromisso dos artistas e activistas com a sociedade.
No fundo, e em suma, podemos afirmar que o artivismo é o poder que indivíduos e comunidades têm de criar algo único (ou invulgar) e experimentar estratégias inovadoras para transformar o mundo e originar a mudança.
Jornalista