À medida que o mundo volta ao ritmo pós-verão, a rentrée deste ano reflete um cenário marcado pela desigualdade digital, ainda ampliada pelos ecos da pandemia e pela crescente globalização do entretenimento. Enquanto milhões de pessoas ainda enfrentam barreiras tecnológicas na educação, as plataformas de streaming continuam a expandir o acesso a narrativas globais, mas com risco de homogeneização cultural. O desafio agora é equilibrar oportunidades e inclusão num mundo cada vez mais conectado
POR PEDRO COTRIM

Com o fim do verão e o regresso à rotina, a rentrée deste ano revela não apenas um mundo pós-pós-pós-pandemia, mas também uma era de transição tecnológica que ampliou a desigualdade digital e moldou o futuro do entretenimento global. Enquanto as escolas reabrem as portas e o fluxo de notícias ‘sérias’ retoma o seu ritmo após a silly season, estamos perante as consequências de como a digitalização transformou nossas vidas, criando novas oportunidades e desafios, tanto na educação como no entretenimento.

Desigualdade Digital: Um Desafio Profundo

A desigualdade digital não é um fenómeno novo, mas foi exponencialmente ampliado pela pandemia. Com a crescente dependência de tecnologias digitais para a educação, o trabalho e o entretenimento, as diferenças entre aqueles que têm acesso adequado à internet e dispositivos de qualidade e os que não têm tornaram-se ainda mais evidentes. Segundo a ONU, quase metade da população mundial ainda não tem acesso à internet de alta velocidade, o que limita o desenvolvimento educacional e profissional numa altura em que tais aptidões são mais necessárias do que nunca.

Este cenário foi sentido de forma particularmente aguda durante a pandemia, quando estudantes de muitos países tiveram de se adaptar rapidamente ao ensino remoto. Para milhões de alunos, o regresso às aulas deste ano é um misto de alívio e frustração. Enquanto alguns retomam as atividades presenciais, muitos ainda enfrentam barreiras significativas: computadores desadequados, falta de conectividade de qualidade e ambientes domésticos pouco propícios à aprendizagem. Este fosso tecnológico afeta diretamente a equidade educacional, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão social.

Na Europa e em partes da América do Norte, as escolas equipam-se com cada vez mais ferramentas digitais, mas em muitas outras regiões do mundo, tal realidade ainda está distante. A rentrée de 2024 é uma recordação de que, sem iniciativas globais mais robustas para democratizar o acesso à tecnologia, a desigualdade digital continuará a prejudicar milhões de estudantes, limitando as suas perspetivas futuras.

O Entretenimento na Era do Streaming: Globalização e Homogeneização Cultural

Enquanto a desigualdade digital representa um obstáculo, a digitalização trouxe inovações profundas ao setor do entretenimento. Com a popularização das plataformas de streaming, como Netflix, Amazon Prime e Disney+, o acesso ao conteúdo audiovisual global nunca foi tão fácil. A rentrée deste ano também marca o retorno de uma programação mais séria e diversificada após o verão, uma época tradicionalmente dominada por conteúdos mais leves e de entretenimento superficial.

Por um lado, a globalização do entretenimento democratizou o acesso a conteúdos de diferentes culturas e países. Séries coreanas, documentários espanhóis e filmes africanos estão agora facilmente disponíveis para milhões de espectadores do mundo inteiro. Este fenómeno tem permitido que o público descubra narrativas fora do eixo tradicional de Hollywood enquanto abre oportunidades para criadores locais chegarem a uma audiência global.

No entanto, o sucesso das plataformas de streaming também tem gerado uma homogeneização cultural. Muitas produções seguem fórmulas globais de sucesso, o que pode suprimir a autenticidade e a diversidade das culturas locais em prol de uma narrativa mais universal e comercialmente viável. O domínio de gigantes como o Netflix, com influência significativa sobre os algoritmos de recomendação e o tipo de conteúdo que é promovido, suscita questões sobre até que ponto estamos a consumir uma cultura verdadeiramente diversificada ou apenas diferentes versões do mesmo produto globalizado.

O Papel da Educação e do Entretenimento no Pós-Pandemia

À medida que a rentrée se desenrola, tanto a educação como o entretenimento entram num novo ciclo de adaptação e transformação. A desigualdade digital, que afeta diretamente as possibilidades de aprendizagem e progresso social, contrasta com a ampla disponibilidade de entretenimento digital, destacando as complexidades do nosso tempo. O entretenimento, que antes era visto como uma forma de fuga e distração, agora torna-se parte integrante da formação cultural e até educacional de muitas pessoas.

O retorno à normalidade pós-silly season, com um foco maior em notícias sérias e discussões relevantes, também reflete essa mudança. A rentrée sinaliza um momento de reestruturação, onde os governos e as empresas devem colaborar para fechar as lacunas de acesso à tecnologia e garantir que o mundo digital seja um espaço inclusivo e verdadeiramente diversificado.

Para muitos, a rentrée será marcada pelo retorno à escola, ao trabalho, e ao ritmo de uma nova temporada de séries e filmes. Mas por trás dessas rotinas está uma realidade complexa, na qual a exclusão digital continua a ser um desafio para milhões, e a globalização do entretenimento redefine o que significa participar da cultura global. O desafio agora é equilibrar as oportunidades e as barreiras da digitalização, garantindo que todos possam fazer parte desse novo mundo conectado.

À medida que avançamos nesta nova fase digital, o verdadeiro desafio não reside apenas na tecnologia, mas em como a utilizamos para construir pontes em vez de cavar abismos. A rentrée de 2024 lembra-nos que a inovação só é valiosa quando serve para aproximar e incluir, seja na sala de aula ou no ecrã das nossas casas. A pergunta que fica é: estaremos à altura de criar um futuro digital mais justo e diverso?

Imagem: © Rodion Kutsaiev/Unsplash.com

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