POR GABRIELA COSTA
Em que medida influem as relações interpessoais de amizade na saúde e no bem-estar do indivíduo? E até que ponto os contactos virtuais com amigos têm o mesmo impacto positivo que a amizade ao vivo? Retiramos iguais efeitos benéficos da interacção social na saúde em relações nas redes sociais do que aqueles que encontramos nas relações presenciais? E estará a frequência de utilização destas redes associada a uma maior integração social ou, pelo contrário, constitui um factor de risco para a proximidade aos outros?
Com o objectivo de analisar a relação entre amizade e saúde entre os portugueses e avaliar os impactos das amizades virtuais na saúde, em particular, o Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa realizou o primeiro estudo em Portugal dedicado a esta reflexão.
A análise efectuada pela equipa do CIS-IUL, sob a coordenação da directora do Mestrado em Psicologia Social da Saúde do ISCTE, Luísa Pedroso de Lima, “confirma resultados anteriores” do projecto Health for All (H4A) – uma abordagem psicossocial que desenvolve investigação focada na identificação dos determinantes sociais do bem-estar que podem ser utilizados em intervenções para promover a saúde, em consonância com as recomendações da Organização Mundial de Saúde –, no qual se integra o estudo “Ter amigos faz bem à saúde. Mas será que os amigos do facebook contam?”.
Estes resultados demonstram que a relação da amizade com a saúde “se prende principalmente com a construção de relações de proximidade”, sendo que em Portugal “existe uma prática frequente de sociabilidade com os amigos”. Mas a frequência de contacto com os amigos através do facebook é um factor de risco para a proximidade aos outros, já que “quem mais usa esta rede social sente-se mais só, considera que tem menos apoio de outros, em caso de necessidade, e sente-se menos ligado aos que o rodeiam”, concluem também os resultados do inquérito realizado em Abril último pela Netsonda para o CIS-IUL, e no âmbito do qual foram inquiridas 803 pessoas. O painel online reuniu uma amostra diversificada da população portuguesa ao nível das variáveis idade, género, nível escolaridade, estatuto socioeconómico e regiões do país abrangidas.
Amigos na rede e redes de proximidade
As principais conclusões do estudo apresentado a 15 de Maio pela professora Luísa Lima, numa conferência realizada no Instituto Piaget, em Almada, revelam que na “vida real” a maioria (55%) das pessoas inquiridas tem mais de dez amigos, enquanto 59% têm apenas três ou mais amigos íntimos. Um total de 48% convive pessoalmente com eles pelo menos uma vez por semana. Estes resultados correspondem a “um padrão esperado numa amostra comunitária”, indiciando uma “elevada dimensão social” e um “alto nível de proximidade” com os outros.
E a realidade é que mais de metade (58%) dos portugueses que participam na amostra afirma que nunca ou raramente se sente só, uma larga maioria (70%) acha que tem pessoas para ajudar em situações complicadas (como estados de doença, desemprego ou divórcio), 45% sentem-se bem integrados socialmente e 56% sentem uma forte conexão social.
Já na “vida virtual” os números revelam uma partilha de relações com contornos diferentes: quase todos os inquiridos (90%) têm conta no facebook, e usam-no com regularidade. Uns expressivos 40% admitem ter passado pelo menos três horas a navegar na página, na semana anterior. Quase metade (45%) dos portugueses incluídos na amostra diz ter mais de trezentos contactos no facebook, mas o que é certo é que 80% reconhecem que apenas cinquenta ou menos são verdadeiros amigos. Ainda assim, 53% afirmam contactar com os amigos pelo menos uma vez por semana. Estes dados revelam, pois, uma grande utilização desta rede social para a convivialidade.
Mas, apesar de a dimensão de rede de amigos online se associar a uma maior integração social, a frequência de contacto com os outros no facebook parece ser um factor de risco para a “amizade ao vivo”, tanto mais quanto maior for o número de horas passado em frente ao computador ou a dispositivos móveis.
[pull_quote_left]Na vida real dos portugueses existe uma elevada dimensão social e um alto nível de proximidade com os outros[/pull_quote_left]
O estudo confirma, assim, que “ter amigos faz bem à saúde” e que quem tem mais amigos (seja online ou offline) com quem possa desabafar sobre problemas íntimos, e está com eles com maior frequência, “apresenta um bem-estar mais elevado”, atestando o que as poucas investigações existentes sobre esta matéria já indiciavam: a amizade cria uma ligação próxima que promove a saúde, sobretudo quando é presencial (rimos mais, exprimimos um maior número de emoções positivas, sentimo-nos mais apoiados e optimistas, temos em quem confiar em momentos difíceis e temos pessoas que se interessam por nós e que não nos deixam “descarrilar” – bonding).
De uma forma “muito mais indirecta”, a sensação de pertença e de participação social conferida por relacionamentos sociais “menos profundos” também impacta positivamente o bem-estar (validamos as nossas visões do mundo, reduzimos a incerteza, construímos afinidades com outros, comparamo-nos e assim construirmos construímos as nossas opções e uma imagem positiva de nós próprios), sumariza a equipa do CIS-IUL responsável por esta análise.
Ou seja, os amigos do facebook também contribuem para a nossa saúde, “mas indirectamente”, considerando que a dimensão da rede se associa a maior integração social, a uma identidade mais rica e a uma associação mais alargada de relações com os outros – bridging. Neste contexto, a dimensão social da saúde encontra nas relações virtualmente estabelecidas “um factor de promoção” da mesma, concluem os investigadores.
[pull_quote_left]O que se coloca nas redes sociais são imagens enviesadas da nossa vida, que correspondem à construção particularmente positiva de uma imagem pública[/pull_quote_left]
Embora os benefícios da amizade sobre a saúde e bem-estar sociais sejam uma matéria pouco avaliada, de uma forma global, vários estudos internacionais – como uma meta-análise (Holt-Lunstad, Smith & Layton, 2010), realizada com base em cerca de 150 estudos que recolheram dados objectivos sobre as taxas de mortalidade ou de morbilidade, e indicadores de apoio ou de integração social, envolvendo mais de 300 mil participantes – classificam a solidão como um factor preocupante na sociedade, e que chega a ser mais prejudicial à saúde do que o consumo de tabaco ou álcool.
A investigação conclui que as pessoas que têm (ou que sentem que têm) mais relações sociais e as que estão inseridas em mais redes sociais ou que desempenham uma maior diversidade de papéis sociais têm menor probabilidade de adoecer e de morrer. Estes resultados “chamam a atenção para a importância (crescente) da dimensão social da saúde”.
Numa conversa com o VER sobre relações interpessoais e a relevância dessa dimensão social no actual contexto nacional, Luísa Lima explica de que modo está a saúde “associada à existência de relações próximas com os outros, a ter pessoas em quem confiar e que apoiem em situações difíceis”. Para concluir que todas estas características estão ligadas a existência de amizades baseadas na presença e na criação de laços verdadeiros, como demonstra o estudo do CIS-IUL.
Face às transformações que as redes sociais causaram nas relações interpessoais, como é que se desconstrói a falsa ilusão de estarmos melhor integrados socialmente, quando afinal a sociabilidade que exercemos virtualmente não resulta em relações verdadeiras de confiança e partilha, e pode até agudizar sentimentos de solidão e isolamento em pessoas com baixa auto-estima?
A sociabilidade online é muito importante para nos mantermos a par da sociedade que nos envolve, dos interesses dos nossos amigos e dos eventos a que estão ligados. Claro que as imagens que se colocam nas redes sociais são imagens enviesadas da nossa vida, e correspondem à construção particularmente positiva de uma imagem pública. A nossa auto-imagem é normalmente complexa, com diferentes facetas, e esta imagem pública é normalmente apenas uma parte dessa auto-imagem.
Quem tem uma auto-imagem negativa, problemas de auto-estima ou está deprimido tem mais dificuldade em fazer esta diferenciação entre imagem pública e privada, e isso pode agravar o seu estado. A comparação com os outros é uma necessidade e uma inevitabilidade na nossa forma de pensar. Por isso, penso que a única maneira de evitar as consequências negativas que a exposição sistemática a imagens de felicidade dos outros nas redes sociais pode ter é salientar que estas imagens públicas são apenas uma parte da história.
Nas suas palavras “o contacto virtual com os amigos engana a fome mas não sacia”. Num mundo globalizado, em que tipo de relações devem as pessoas investir emocionalmente, para manterem um equilíbrio saudável entre os factores amizade e saúde?
A saúde está associada à existência de relações próximas com os outros, a ter pessoas em quem confiar e que apoiem em situações difíceis. O que o nosso estudo mostra é que estas características estão ligadas à existência de amizades em que haja convívio regular.
Se o contacto virtual for uma das formas de manter as relações de amizade, isso é positivo. Se o contacto virtual for a única forma de relação com os amigos, então isso reforça sentimentos de solidão.
Um conjunto de estudos internacionais identifica, desde há vários anos, que a solidão é mais prejudicial à saúde do que o consumo de tabaco ou álcool. Na sua opinião, qual é hoje a relevância da dimensão social da saúde, numa sociedade onde as doenças do foro mental constituem, a prazo, o maior custo para a saúde pública a nível mundial?
Eu penso que a solidão devia ser seriamente considerada como um problema de saúde pública. Isso quer dizer que a interacção com os outros devia ser tão promovida como a prática de exercício físico, a alimentação saudável ou o facto de não fumar.
Organizar pretextos para estar com os outros, como bailes, grupos corais, convívios, caminhadas em conjunto ou ateliers de crochet, deveria fazer parte dos planos de saúde de todas as juntas de freguesia.
Jornalista