POR MÁRIA POMBO
Analisar a qualidade de vida da população meramente através de indicadores económicos – como o Produto Interno Bruto (PIB) – é uma coisa do passado. Actualmente, e enquadrando-se numa disciplina chamada economia comportamental, a qualidade de vida é analisada de uma forma mais pessoal, através de inquéritos que pretendem saber como é que as pessoas se sentem, de que modo é que avaliam o seu próprio nível de felicidade e como é que vislumbram a sua vida dentro de alguns anos.
Foi precisamente este o trabalho que a Gallup realizou e apresentou recentemente, no estudo “What Happiness Today Tells Us About the World Tomorrow”. Entre 2007 e 2017, esta reconhecida agência de análise de dados questionou milhares de cidadãos de 115 países, pedindo-lhes para identificarem, numa escala de zero a dez, como estava a sua vida, se se sentiam satisfeitos e o que é que contribuía para essa satisfação, ou para a falta dela. Ao todo, foram inquiridos mil cidadãos por ano, por país. Os rendimentos, o nível de educação e a saúde foram os principais factores que os respondentes tiveram em conta para avaliar o seu nível de prosperidade.
Os resultados foram agrupados, depois, em três níveis: os países que obtiveram uma média de respostas superior a sete encontram-se no grupo dos que estão a prosperar e a melhorar; aqueles cuja maioria de respostas não ultrapassou os quatro pontos são os que estão a piorar; e os que se encontram entre ambos os grupos são aqueles que estão a lutar por melhorar mas encontram dificuldades.
Países em desenvolvimento foram os que mais evoluíram
De um modo geral, 2007 foi o último ano, em muito tempo, em que diversos países conseguiram ter prosperidade económica. Os anos que se seguiram foram difíceis e obrigaram muitas famílias a reorganizarem-se, traduzindo-se numa curva decrescente da qualidade de vida e dos níveis de satisfação dos participantes nesta análise. Uma década depois, o mundo começa a ver uma luz ao fundo do túnel, mas são ainda diversas as nações que se debatem com o fim da crise e que lutam por dias melhores. Os mercados voltam a tornar-se competitivos e a economia global está a dar sinais de crescimento, mas muitas nações – incluindo os Estados Unidos – estão ainda longe dos níveis de 2007, em termos económicos.
Uma das mais preocupantes conclusões do documento é o facto de, desde 2014, os cidadãos que vivem na Rússia, na Índia, na Colômbia e no Egipto considerarem que a sua vida está cada vez pior, muito à custa de baixos rendimentos e de promessas de uma melhor qualidade de vida, feitas pelos seus governantes, que ainda não se concretizaram. De acordo com Jon Clifton, managing partner da Gallup, é um sinal de alerta para os líderes destas nações, dado que “quando as pessoas vêem as suas vidas a serem conduzidas na direcção errada, procuram mudar”.
Por seu turno, e comparando com os dados apurados em 2007, a Grécia e Espanha apresentam as maiores quedas do mundo em termos de prosperidade. Isto significa que, podendo não ser os países com as taxas mais baixas de satisfação dos seus cidadãos, são aqueles cujo nível de felicidade mais decaiu nos últimos anos.
Deste modo, há dez anos 44% dos gregos consideravam viver num país próspero, mas os anos de recessão, o resgate económico e as medidas de austeridade levaram à existência de diversos protestos e abalaram bastante este sentimento de contentamento. E actualmente, apenas 19% dos cidadãos daquele país consideram que a sua vida está a melhorar. Este cenário é igualmente visível em Espanha (onde 55% dos inquiridos consideraram, em 2007, ter uma boa qualidade de vida, contra apenas 33% apurados em 2017), e possivelmente em Portugal (embora o nosso país não faça parte da análise).
No pólo oposto, e apesar das dificuldades políticas e económicas que têm vindo a abalar o mundo, existem países que se encontram hoje numa situação melhor que aquela em que viviam em 2007. Uma nota curiosa é o facto de os países em desenvolvimento dominarem a lista dos 21 países que apresentam as maiores subidas em termos de felicidade e qualidade de vida, sendo apenas três as nações desenvolvidas (Alemanha, Israel e Letónia) que figuram nesta lista. El Salvador, Letónia e Libéria são, assim, as nações que mais cresceram em dez anos e onde a qualidade de vida dos habitantes mais melhorou.
Se é verdade que, há dez anos, El Salvador tinha um dos maiores índices de homicídios a nível mundial e 40% da sua população vivia na pobreza, também é verdade que alguns ganhos recentes, a nível económico, em conjunto com a tomada de várias medidas contra a violência, permitiram que o país subisse dos 17% (em 2007) para 44% (em 2017) no índice da Gallup.
Por ser uma das poucas economias desenvolvidas a fazer parte da lista dos países que mais evoluíram e onde os níveis de prosperidade estão mais elevados do que há dez anos, a Alemanha também merece destaque na análise. É o facto de a sua economia ter recuperado tão rapidamente da crise que faz com que o país seja o 14º a evoluir mais. Em 2007, pouco mais de um terço (35%) da população considerou que a sua vida era boa o suficiente para ser considerada próspera, sendo essa uma realidade que pouco evoluiu (para os 38%) no ano seguinte, demonstrando que os alemães não foram nem são imunes à crise económica que devastou várias regiões, mas principalmente a Europa. Contudo, em 2011, o país já tinha alcançado os níveis que antecederam a crise, quer no que respeita à felicidade e motivação dos seus habitantes, quer também em termos de PIB, fazendo deste um exemplo a seguir.
Diversas nações ainda vivem com escassez de bens essenciais
E se olhar para o modo como os cidadãos avaliavam a sua vida há uma década permite compreender como se vivia e como se evoluiu, comparar a actual situação e observar as mudanças mais recentes ajuda a perceber que caminho se pretende seguir. Deste modo, os autores do documento também analisaram as principais mudanças ocorridas desde 2014 – ano que foi bastante importante para a economia mundial devido à queda acentuada do preço do petróleo.
O Turquemenistão é o país que lidera o grupo dos que mais decaíram, em termos de prosperidade, em três anos. O facto de os seus residentes continuarem a lidar com uma grande escassez de alimentos e de passarem grandes temporadas sem acesso a bens essenciais, como ovos, manteiga, farinha e leite, fez com que o seu nível de felicidade passasse de 31%, em 2014, para apenas 11%, em 2017. De acordo com a Gallup, os turquemenos não consideram apenas que a sua vida está pior, em 2017, como revelam estar menos positivos e optimistas em relação à vida futura, afirmando que as horas de descanso são reduzidas e que os seus níveis de preocupação e incerteza são bastante elevados.
O Brasil foi o segundo país com a queda mais acentuada desde 2014, no que respeita ao sentimento de felicidade e prosperidade revelado pelos inquiridos. Esta queda é reflexo de anos tumultuosos em que os cidadãos têm lidado com diversos problemas a nível económico mas, acima de tudo, político (recordemo-nos do processo de destituição de Dilma Rousseff). Contudo, este é um caso interessante porque, apesar da descida acentuada – em que a satisfação dos inquiridos passou de 60%, em 2014, para 44%, em 2017 – os níveis de felicidade continuam a ser elevados, sendo inclusivamente superiores aos do Kosovo, que foi o país que evoluiu de forma mais positiva desde 2014 (passando de 11%, nesse ano, para 36%, em 2017).
Em suma, e embora não seja possível classificar o estado do mundo, como um todo, nem assumir que o mesmo se encontra melhor ou pior do que há dez anos, a verdade é que ninguém ficou imune à crise económica, tendo sido diversas e devastadoras as suas consequências. Inevitavelmente, os países foram – e são – obrigados a reerguer-se, a procurar soluções e a inventar alternativas, com o objectivo de minorar o impacto da recessão na vida das suas populações.
Os que pouco tinham, em termos económicos, sociais e políticos, parecem ter sido aqueles que mais facilmente deram a volta por cima, e aqueles a quem muito foi retirado num espaço tão curto estão ainda a lutar por uma vida melhor.
De acordo com a Gallup, os rendimentos, a educação e a saúde foram os principais indicadores que os inquiridos tiveram em conta no momento de avaliar em que nível estava a sua vida. Os inquiridos nas piores condições estão a sofrer e procuram apenas que não lhes falte comida e um local para dormir, e aqueles que se encontram no grupo intermédio – dos que estão a recuperar da crise e a lutar por uma vida melhor – revelam estar mais preocupados com o facto de o dinheiro ser suficiente para pagar as contas.
Por seu turno, para os inquiridos que vivem em situações mais confortáveis em termos económicos, o facto de considerarem que vivem em locais que permitem o contacto com diferentes etnias, raças e culturas foi determinante para aumentar a sua satisfação e os seus níveis de prosperidade.
Este documento revela, assim, ser uma ferramenta poderosa para os líderes dos diversos países, a nível mundial, tendo em conta que lhes permite perceber de que modo vivem os seus habitantes e o que é que pode ser melhorado para que estes se sintam melhor.
Jornalista