POR MÁRIA POMBOOlhamos em redor, vemos notícias, conversamos com os que nos rodeiam e temos uma noção do que acontece, tanto à nossa volta como em várias partes do planeta. Ouvimos falar das alterações climáticas, da guerra na Síria, do muro que Trump quer construir entre os Estados Unidos e o México, da pobreza em África, da corrupção e dos cortes orçamentais que afectam a vida de todos nós. Vemos imagens da poluição nos oceanos, de tsunamis e sismos, de barcos apinhados de refugiados que apenas procuram fugir da morte. Assistimos ao surgimento e crescimento do populismo, à eleição de defensores de tudo menos dos direitos humanos e à revolta dos coletes amarelos. E pensamos: sou só eu que penso assim ou o mundo está mesmo cada vez pior?
No início de mais um ano, esta é uma reflexão útil e quase inevitável. Seremos só nós a pensar que, de ano para ano, os problemas vão-se acumulando e não se encontram soluções? Queremos saber quando é que a guerra, a violência e o crime vão desaparecer e perguntamos se algum dia os cidadãos vão deixar de sofrer com o racismo, o sexismo, a xenofobia e todos os outros “ismos” e “fobias”.
Mas, e afinal, será que o mundo está mesmo assim tão mal? Talvez não. Se é verdade que a ideia generalizada pode ser a de que vivemos em piores condições e que os problemas não acabam, diversos são os estudos e documentos que nos demonstram que não, que o mundo não está pior – possivelmente temos é acesso a mais informação negativa – e que, pelo contrário, até está melhor em muitos aspectos, principalmente se compararmos com a realidade que se vivia há várias décadas.
Vejamos…
A pobreza extrema é, agora, menor e as desigualdades de rendimentos têm vindo a diminuir
De acordo com o estudo Global Extreme Poverty, produzido pela plataforma Our World in Data, a China e a Índia (dois países com uma grande densidade populacional e com carências a vários níveis) têm vindo a assistir a um rápido crescimento económico, fazendo com que muitos dos seus cidadãos possam agora a ter uma vida melhor. Este facto, em conjunto com o crescimento – embora mais lento – de outros países em desenvolvimento, permite concluir que é menor a percentagem de pessoas que vivem, actualmente, com menos de 1,9 dólares por dia, o que faz diminuir a taxa de pobreza extrema. Por seu turno, e embora as desigualdades dentro dos países tenham aumentado devido à globalização, as desigualdades entre nações têm vindo a diminuir bastante nas últimas décadas.
A fome está em declínio
Apesar de, principalmente nos países em desenvolvimento, existir uma grande parcela da população que ainda não tem acesso a comida de qualidade, o Global Hunger Index, apresentado pelo International Food Policy Research Institute, revela que não existe, actualmente, nenhum país que registe um aumento dos níveis de fome e subnutrição dos cidadãos e que, pelo contrário, em todos aqueles que apresentam informação sobre este tema, assistimos a um declínio, em muitos casos acentuado, destas percentagens. O Peru, o Brasil, o Senegal, a Turquia, a China e a Mongólia são alguns dos países que registam as quedas mais acentuadas dos níveis de fome e de desnutrição.
O trabalho infantil também está a diminuir
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o envolvimento de crianças entre os cinco e os 17 anos em actividades laborais tem vindo a diminuir nas últimas décadas, e entre 2000 e 2016 esta percentagem decaiu cerca de 40%. Os bons resultados devem-se essencialmente aos esforços feitos para concretizar o Plano de Acção para Acabar com o Trabalho Infantil, apresentado pela mesma organização, cujo principal objectivo foi – e continua a ser – incentivar os países a abolirem esta prática, nomeadamente através da criação de condições de trabalho digno para adultos.
A mortalidade infantil está em queda
Ainda sobre as crianças, importa referir que, de acordo com dados da UNICEF, a taxa de mortalidade infantil caiu mais de metade desde 1990. E, contrariamente ao que podemos pensar, é nos países em desenvolvimento que esta descida é mais acentuada: em 1990, 17% das crianças morriam antes dos cinco anos e, em 2015, essa percentagem foi de 8% (registando-se assim uma queda de mais de 50%), em África. Por sua vez, a taxa de mortalidade infantil caiu 69% na Índia e 83% na China, neste mesmo período. Tudo isto é resultado dos progressos notáveis que têm sido feitos nas últimas décadas em matéria de saúde infantil, o que faz com que as crianças que nascem actualmente tenham muito mais hipóteses de viver até à idade adulta, comparativamente ao que acontecia no final do século passado.
Complementarmente, e de acordo com o Banco Mundial, 2016 (não existem ainda dados de 2017 e 2018) foi o ano em que, a nível global, se registou a taxa mais baixa de mortalidade infantil. Porém, o mesmo documento sublinha que não podemos ficar de braços cruzados e fechar os olhos aos milhões de crianças que ainda não têm acesso aos cuidados básicos de saúde e higiene, especialmente na África Subsaariana, que é a região onde esta realidade é mais acentuada.
A guerra e a violência estão a diminuir
Embora não pareça (devido às imagens que todos os dias nos chegam dos ataques no Médio Oriente), registam-se actualmente menos mortes devido à guerra do que se registava nas sociedades pré-históricas. Quem o diz é Steven Pinker, no seu livro The Better Angels of Our Nature, no qual o autor faz uma análise pormenorizada dos dados sobre a guerra e a violência, e demonstra que vivemos – especialmente no continente europeu – no período mais pacífico da história da humanidade.
No livro, o professor de Psicologia da Universidade de Harvard (e sobre o qual o VER já escreveu) explica ainda que, apesar das incessantes notícias sobre crime e terrorismo – mesmo no século XX e com todos os danos que a Segunda Guerra Mundial causou a muitos países –, a violência está em declínio e a percentagem de pessoas que morreram devido a incidentes desta natureza é muito menor do que a média registada nos últimos séculos.
O preço da energia solar é cada vez mais baixo
Se este facto pode parecer pouco relevante para muitos, a verdade é que a diminuição dos preços das energias renováveis – permitindo que mais pessoas possam utilizá-las e reduzindo, assim, a utilização de combustíveis fósseis – constitui um contributo não desprezível para a diminuição do aquecimento global e as alterações climáticas. De acordo com a Lazard, uma empresa norte-americana que analisou os preços deste sector, nos Estados Unidos verifica-se que a energia solar foi aquela que registou a queda mais acentuada entre 2009 e 2017, sendo actualmente a segunda energia mais barata (atrás da eólica). O estudo revela ainda que, desde 2012, a energia nuclear foi a que registou aumentos mais significativos de preços, sendo, à data, a mais cara de todas.
Como explica a Business Insider, “utilizar fontes de energia mais limpas é a única forma de desacelerar o processo de alterações climáticas, já que as emissões de combustíveis fósseis originam um maior aquecimento do planeta”.
A esperança média de vida está a aumentar
De acordo com o estudo Life Expectancy, da Our World in Data, este é um fenómeno relativamente recente. O documento explica que a esperança média de vida começou a aumentar no início do século XIX, nos países industrializados, e tem vindo a crescer também – ainda que de uma forma mais lenta – nos países em desenvolvimento, fruto do maior acesso a cuidados de saúde registado nos últimos anos. Actualmente, a esperança média de vida global é de cerca de 70 anos (mais do dobro do que se verificava antes de 1900).
Mais pessoas vivem actualmente em democracia
Se até ao início dos anos de 1980 a maioria dos países vivia em regimes autoritários, após a queda do Muro de Berlim muitas ditaduras foram substituídas por sistemas democráticos. E se existem vários estudiosos que consideram que a democracia pode estar sob ameaça – como tão bem explica o The Economist-, também é verdade que este sistema de governo já existe na maioria dos países a nível mundial, e derrubá-lo será uma tarefa difícil.
Mais pessoas têm acesso a educação
Embora saibamos que, em matéria de educação (e não só, é certo), existe ainda um longo caminho a percorrer, a verdade é que são vários os estudos que comprovam que, especialmente na última década, a percentagem de crianças e adultos que têm acesso à educação tem aumentado substancialmente a nível mundial. De acordo com as estatísticas do Banco Mundial, “a educação é um dos instrumentos mais poderosos para reduzir a pobreza e as desigualdades, sendo fundamental para o crescimento sustentável”. E parece que, finalmente, os governos estão a perceber isso e ainvestir mais nesta área, permitindo que a mesma seja acessível a um número crescente de pessoas.
Paralelamente a esta, tem aumentado o nível de literacia, o que permite que os cidadãos tenham acesso a melhores empregos e a uma melhor qualidade de vida. Porém, no estudo Education at a Glance2018, a OCDE explica que muitos são ainda os segmentos populacionais que, devido a questões raciais, ao facto de serem migrantes ou ao próprio nível de escolaridade dos pais, não têm ainda acesso a todas as oportunidades que a maioria tem, recordando que ainda existem muitos e importantes passos por dar.
Quatro mil milhões de pessoas têm acesso à internet
Se para muitos a internet funciona apenas como um novo meio de entretenimento, para outros assume-se como uma espécie de “salva-vidas”, já que ter acesso a ela pode ser a diferença entre poder ter ou não uma conta bancária, entre saber ou não o que se passa em várias partes do mundo, e entre comunicar ou não com familiares que vivem longe. E se, há poucos anos, este era um bem escasso e de difícil acesso, actualmente já é acessível à maioria, mesmo àqueles que vivem em países em desenvolvimento. De acordo com o estudo 2018 Global Digital, feito em parceria pela We Are Social e pela Hootsuite, existem agora mais de quatro mil milhões de pessoas em todo o mundo a utilizar a Internet. Ou seja, mais de metade da população mundial está online, com os dados mais recentes a demonstrar que cerca de 250 milhões dos novos utilizadores “chegaram” pela primeira vez o ciberespaço em 2017. África é o continente que tem vindo a ser alvo das taxas de crescimento mais rápidas, com o número de utilizadores a aumentar mais de 20% anualmente.
Estas são apenas dez realidades que nos permitem concluir que, afinal, o mundo não está assim tão mal quanto poderemos pensar, e que nos podem ajudar a começar o ano com mais optimismo.
Jornalista
Então, e o Ambiente? Não é mesmo muito grave o que está a acontecer? Não estaremos perante um cenário do tipo: De vitória em vitória até à derrota final?
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