No ano em que celebra 60 anos de existência, a Associação Cristã de Empresários e Gestores escolheu, para mote do seu 5º Congresso, a realizar nos próximos dias 1 e 2 de Junho, “o amor ao próximo como critério de gestão”. Em entrevista ao VER, António Pinto Leite, o presidente da Associação, confessa que a decisão do tema não foi fácil de tomar, acreditando, porém, que a proposta é factor de enriquecimento das empresas. E, alerta, “um dos males do mundo é, precisamente, o excesso de objectivos e a escassez de ideais”
POR HELENA OLIVEIRA

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Que “caminhos” levaram a Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) a escolher o tema “o amor ao próximo como critério de gestão” como mote para o seu 5º Congresso?
O caminho que seguimos foi gradual, cheio de perplexidades e terminou numa decisão que não foi fácil de tomar. O confronto do amor com a economia e com as empresas é um confronto improvável. Falar de amor no mundo dos negócios pode parecer de um idealismo vão, ridículo ou inoperacional. Mas não é. Significa tratar os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles.

Ao tomar a decisão de realizar este congresso com este tema, a direcção da ACEGE está segura de que cumpre um desígnio de Deus, porque o mandamento do amor não pode excluir as empresas do seu alcance, e que o critério de discernimento ético e empresarial que propõe é factor de enriquecimento e não de empobrecimento das empresas.

O que espera a ACEGE atingir com este congresso e com este tema, aparentemente mais idealista do que realista?
Este congresso será a primeira grande oportunidade de reflexão sobre a economia e as empresas à luz do amor como critério de gestão.

Em primeiro lugar, espero a conclusão óbvia de que o critério é idealista e realista, ao mesmo tempo. Ainda bem que traz consigo um ideal do Homem, um ideal de empresa e um ideal de vida. Um dos males do mundo é, precisamente, o excesso de objectivos e a escassez de ideais.

Espero também que resulte outro óbvio: a operacionalidade do conceito no mundo económico, as suas vantagens em termos de produtividade, quer de cada empresa, quer da economia no seu conjunto. Se todos tratássemos os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles, o mundo seria muito mais rico e muito mais justo. E as pessoas muito mais felizes.

Finalmente, espero debates em profundidade sobre cada um dos aspectos da vida empresarial, sobre o que significa, de modo muito concreto, o amor na relação com cada um dos stakeholders da empresa.

E a que principais níveis será tratado no congresso, nomeadamente com que tipo de oradores convidados?
No primeiro dia, apresentarei o tema e teremos as reflexões do Primeiro-ministro, Dr. Pedro Passos Coelho, e do Cardeal Patriarca de Lisboa, Senhor D. José Policarpo.

No sábado, começaremos com um painel sobre o valor económico do amor, com os Professores Diogo Lucena e João Luís César das Neves e a moderação do Professor Manuel Braga da Cruz. Seguir-se-á um debate sobre os stakeholders externos, com o Nuno Amado, o António Lobo Xavier, o Raul Galamba de Oliveira e a Isabel Vaz. Teremos depois o debate sobre o amor como critério de gestão dos colaboradores, com o João Pedro Tavares, o Manuel Silva Rodrigues, o Pedro Rocha e Mello e o Diogo Alarcão. Finalmente, debateremos o tema numa perspectiva de desafio pessoal do líder empresarial, com a Vera Pires Coelho, o Pedro Guerreiro, a Alexandra Neves e o Rui Diniz.

Os oradores são pessoas com enormes responsabilidades, empresários ou gestores do melhor que Portugal tem, com experiências de desafio e de sofrimento diversas e que aceitaram debater o tema de modo instintivo e entusiasmado. Tive ainda uma preocupação de rejuvenescimento: apenas dois são mais velhos do que eu.

Afirmou, numa entrevista, que ”o amor pode ser uma técnica de gestão estudada nas universidades”. Se foi necessária uma brutal crise de valores para colocar a ética empresarial nos currículos das escolas de gestão, como é que se pode ensinar “o amor ao próximo” aos futuros líderes e gestores?
Muito do que já fazemos nas empresas, fazemos por amor e com amor. Dizer a palavra ajuda a iluminar muito do que já fazemos. Depois, neste início, é natural que haja uma certa confusão de sentimentos e alguma desregulação de expectativas. É o preço de um caminho novo e transformador. Por isso, o debate e a partilha são tão importantes.

O critério de tratarmos  os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles prevalecerá como um critério profundamente facilitador das decisões empresariais e profundamente apelativo e pacificador para tantos homens e mulheres de boa vontade que empreendem e têm responsabilidades nas organizações.

Numa altura em que todos, empresas e cidadãos, lutam pela sua sobrevivência, que espaço existe para se colocar o amor no centro da gestão? Ou seja, como será possível operacionalizar este conceito nas empresas?
Não se trata de ser possível, porque é, trata-se de ser essencial. Logo que a universidade e o pensamento científico agarrem seriamente este tema, surgirão, não tenho dúvidas, os estudos demonstrativos de que todos têm a ganhar com o amor como critério de gestão.

E é possível alargá-lo a todos os stakeholders, mesmo aos concorrentes?
A novidade desta reflexão é trazer os concorrentes para dentro da nossa responsabilidade. Dirão alguns que é um absurdo, mas não é. Sempre quis bem aos meus concorrentes, nunca me alegrei com os seus problemas e estou na liderança de um projecto empresarial de sucesso. A vida económica está cheia de lugares comuns que só servem para nos descomprometer.

O presente congresso serve igualmente para comemorar os 60 anos da Associação. Que grandes marcos assinalaria nestas seis décadas de história e que atravessaram vários contextos políticos, sociais e económicos?
Publicaremos um livro sobre os 60 anos da ACEGE, um excelente trabalho do Jorge Líbano Monteiro. Todos os momentos foram importantes, desde o início até hoje. Não destacarei nenhuma fase, excepto aquela que terá sido a menos visível e que me comove: no quadro da revolução, a seguir ao 25 de Abril, a resistência de alguns, mantendo a associação viva, em casa de uns e de outros.

A Igreja tem sido particularmente crítica no que respeita à chamada “insensibilidade” do actual Executivo para com os cidadãos. Apesar de sabermos que vivemos num contexto particularmente difícil, partilha desta opinião?
Este Governo herdou uma situação dramática e um programa obrigatório de redução da despesa e de transformações que causam no imediato inevitável sofrimento. Conheço as pessoas, conheço bem o Primeiro-ministro, e a última coisa que seria justo dizer-se é que é insensível socialmente. Cabe à sociedade civil, desde as famílias às empresas, um papel essencial, bem sabendo todos que o Estado está sem condições para intervir como gostaríamos. Neste aspecto, a Igreja tem desempenhado um papel extraordinário. É, realmente, a maior história de amor que Portugal tem.

Sendo presidente de uma associação de empresários e gestores cristãos, como é que estes olham para a realidade tão complexa que vivemos e como, se é possível vislumbrá-lo, para o futuro próximo?
Os líderes empresariais cristãos olham para os factos com realismo e com esperança. Em média, somos moderadamente optimistas. É evidente para todos que a economia está num plano inclinado perigoso e que a solução que deverá vir no plano europeu não deveria tardar, nem hesitar em tomar como prioridade a protecção da capacidade instalada de produção de riqueza.

Editora Executiva