POR MÁRIA POMBO
Procurando novas formas de promover a aprendizagem, a criatividade e a relação com os outros e com o mundo, os Grupos Aprender, Brincar, Crescer (GABC) foram implementados, em Portugal e num período experimental, entre Outubro de 2015 e Novembro de 2016, pela Direcção-Geral da Educação (DGE), em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, o ISCTE, a Fundação Bissaya Barreto, a Universidade de Coimbra e o Alto Comissariado para as Migrações, tendo contado com o financiamento da Comissão Europeia.
A metodologia adoptada nesta iniciativa foi desenvolvida com base na experiência de diversos projectos semelhantes (v. Caixa), denominados Playgroups for Inclusion e que já se encontram a funcionar em países como a Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Holanda e Estados Unidos, tendo sido devidamente adaptada à realidade portuguesa.
Facilitar a inclusão social e o desenvolvimento comunitário através do envolvimento das famílias e da sua formação em competências sociais e pessoais, reduzir lacunas no desenvolvimento das crianças em áreas cognitivas e sociais prevenindo o insucesso escolar, aumentar a qualidade dos cuidados e reduzir o risco de ambientes familiares disfuncionais e de desemprego de longa duração, e aumentar o emprego, a coesão social, a participação e o diálogo intercultural nas comunidades foram os principais objectivos deste projecto. O mesmo foi (e é) direccionado a bebés e crianças até aos quatro anos – que, por viverem em famílias vulneráveis, nunca tenham frequentado nenhuma creche nem jardim-de-infância – e respectivos cuidadores, quebrando-se assim, o mais possível, os padrões de pobreza e exclusão social que marcam a vida de muitos destes agregados.
Foi entre escolas, centros de saúde, organizações, igrejas, bibliotecas e até ao ar livre que, ao longo de 13 meses e durante duas vezes por semana, decorreram diversas actividades que beneficiaram 361 famílias e envolveram cerca de 200 entidades locais dos distritos de Aveiro, Coimbra, Porto, Lisboa e Setúbal, promovendo a inclusão social, a empregabilidade e o desenvolvimento pessoal, quer das crianças – em termos cognitivos, emocionais e sociais – quer dos próprios pais ou outros cuidadores – que ganharam novas ferramentas que lhes permitem, agora, educar de uma forma mais consciente, informada e próxima.
A empatia, o respeito e a cooperação foram algumas das palavras de ordem das sessões, as quais decorreram num clima informal e onde se privilegiou a partilha de experiências e conhecimentos. Nestes encontros, e focando-se nos adultos que participaram, foram abordadas questões relacionadas com o abandono escolar precoce, a desigualdade de género e a exclusão, na tentativa de inverter os padrões e promover a integração social dos participantes. Já junto das crianças, a ideia foi promover o ensino através de actividades lúdicas e didácticas, para que estas pudessem aprender e desenvolver diversas competências sociais e pessoais, de uma forma divertida.
Playgroups for Inclusion: um “projecto dos bairros”
Após o final da fase experimental, o objectivo dos GABC passa pela sua continuidade. Por este motivo, estes grupos contam, actualmente, com 48 espaços de disseminação, os quais vão permitir que o trabalho iniciado continue a ser desenvolvido, ajudando mais famílias a integrarem-se, a participarem nas suas comunidades e a ajudarem os mais novos a crescer de uma forma livre, recorrendo a objectos e espaços que têm disponíveis (e que ultrapassam em muito a comum sala de aulas) para estimularem a aprendizagem, a criatividade e a relação destes com o mundo.
No evento de apresentação dos principais resultados deste projecto, denominado Políticas públicas para a infância: o papel da família e das comunidades e que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian no passado dia 23 de Fevereiro, Isabel Vieira, docente na Universidade Católica Portuguesa (UCP), explicou que “os Playgroups for Inclusion integram as crianças nas comunidades e nas famílias, e influenciam as políticas”, as quais por sua vez “são influenciadas se cada um fizer a sua parte”.
No mesmo evento, a também assistente social referiu também que “é através das famílias, das pessoas e dos bairros que se move o sistema” e que é necessário que cada um se questione sobre o que já faz pela sociedade. É por isso que o trabalho dos GABC tem vindo a ser desenvolvido a três níveis: os cidadãos, a cultura organizacional e os direitos humanos.
[quote_center]Os Playgroups criam bens com valor social, emocional e colectivo[/quote_center]
A este respeito, importa sublinhar que os membros deste projecto trabalham com pessoas, promovendo o “interconhecimento”, mas também com organizações sociais, respeitando um conjunto específico de valores que são partilhados por quem faz parte destas. E porque cada grupo é único, em cada um deles é importante procurar as necessidades dos seus membros ou públicos bem como o tipo de transformação que se pretende promover, sendo premente a intervenção de “equipas multi-disciplinares”, que serão capazes de analisar diversos cenários e variadas carências, procurando depois as melhores soluções.
No mesmo encontro, Isabel Vieira explicou ainda que os Playgroups “criam imensos bens com valor social, emocional e colectivo”. E esta última palavra é a chave de muito do trabalho que foi desenvolvido, já que “é o colectivo, através das acções individuais, que dá poder”, permitindo criar algo “em nome do bem comum e da comunidade”. A “individualidade” (através da qual cada um constrói o mundo à sua maneira), a “dialogicidade” (que é a capacidade de entrar no mundo do outro e criar novas palavras) e a “quotidianidade” (que é a possibilidade de fazer escolhas éticas no quotidiano e sair do individualismo para, diariamente, criar algo em nome do grupo ou da comunidade) são os processos a partir dos quais são criados estes bens “não materiais”.
E, de acordo com a docente da UCP, “este processo não é nada fácil”, já que, para além de promover o emprego e a inclusão social, integrando as famílias nos serviços, é necessário “satisfazer necessidades menos básicas como a superação e a realização pessoais”, antevendo situações futuras e olhando as pessoas “de uma forma global e holística, como colaboradores na sociedade, e não como meros utentes”.
Para Pedro Cunha, “os Playgroups foram diferenciadores”, já que “as crianças saíram das salas de aula e aprenderam na rua”. O subdirector-geral da DGE sublinhou ainda que os GABC “inovaram no modelo de governança”, tendo em conta que eram um projecto “muito pouco piramidal”. E é por este motivo que, de acordo com as suas expectativas, os mesmos vão ser “um projecto dos bairros”, ou seja, traçado de forma simples e implementado de acordo com as necessidades e os recursos de cada comunidade.
O sucesso da experiência australiana
Em países onde a experiência dos Playgroups for Inclusion está já consolidada, os resultados não poderiam ser mais positivos, contribuindo para a redução da exclusão social dos agregados, para o desenvolvimento das competências parentais dos adultos e para a promoção do desenvolvimento cognitivo, social e emocional das crianças.
Um bom exemplo do sucesso desta iniciativa é o de Nova Gales do Sul, na Austrália, onde existem já mais de mil grupos afiliados, os quais conseguem apoiar e beneficiar mais de 20 mil crianças e respectivos pais ou outros familiares.
O desenvolvimento da criatividade e da aprendizagem através de diversas brincadeiras, o estreitamento da relação entre os adultos e as crianças, o desenvolvimento de competências sociais, da interacção e da partilha, a gestão do stress, a adaptação a novos ambientes, e a capacitação para a resolução de problemas são alguns dos principais benefícios identificados até ao momento pelos promotores australianos desta iniciativa.
Especificamente para os adultos, este projecto tem sido uma forma de encontrarem outras famílias que lidam com situações semelhantes às suas, dando aos pais a possibilidade de criarem novas amizades, de construírem uma rede mais forte de apoio, nas comunidades onde vivem, e também de explorarem novas formas de criarem uma relação mais próxima com os filhos, ganhando ferramentas que os ajudam a compreender melhor os mais novos e ajudando-os a crescer num ambiente mais saudável.
Jornalista