A História ensina-nos que onde a guerra passa, ou se instala, mata todos sem exceção, arrasa tudo sem exceção. É sempre uma calamidade perante a qual todos perdem. E, por isso mesmo, sempre que acontece um novo incidente, ficamos chocados e condenamos a própria guerra. Mas passa-se lá longe… e, tranquilamente, desligamos do assunto e regressamos à nossa rotina … Este é um grande risco: irmo-nos, pouco a pouco, “habituando” a conviver com a guerra e o seu rasto longínquo de luto e destruição
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

Há já quem fale de uma terceira guerra mundial, com um perfil baseado em ocorrências múltiplas e dispersas. Na realidade, desde o fim da segunda guerra mundial, têm proliferado, um pouco por toda a parte, as guerras de índole regional. São efetivamente muitas e espalhadas por todo o mundo. Contudo, “substancialmente, envolvem-nos a todos”, como referiu recentemente o Papa Francisco. Pensemos, só para citar alguns exemplos, no Ruanda, em África ou Myanmar, na Ásia. Há pouco tempo, enfrentámos um novo desafio, desta vez na Europa, com a guerra ainda em curso na Ucrânia. E agora, fomos surpreendidos com o explodir do confronto permanente entre a Palestina e Israel …

A História ensina-nos que onde a guerra passa, ou se instala, mata todos sem exceção, arrasa tudo sem exceção. É sempre uma calamidade perante a qual todos perdem. E, por isso mesmo, sempre que acontece um novo incidente, ficamos chocados e condenamos a própria guerra. Mas passa-se lá longe… e, tranquilamente, desligamos do assunto e regressamos à nossa rotina … Este é um grande risco: irmo-nos, pouco a pouco, “habituando” a conviver com a guerra e o seu rasto longínquo de luto e destruição. As mortes, as pessoas nunca podem ser tomadas como abstrações. Todas estas guerras, como qualquer guerra, são cruéis e sem sentido e não podem deixar de nos interpelar como humanidade e de nos reativar o anseio profundo de unidade.

Diria ainda mais, ao considerar as ameaças que enfrentamos incluindo naturalmente a guerra, mas também as alterações climáticas, a energia, a água, a desigualdade social e tantos outros desafios globais – os estados, as empresas, as instituições, a sociedade parecem, em geral, sem vontade, incapazes de dialogar e colaborar no sentido de encontrar soluções políticas (as únicas possíveis) que seriam desejáveis e tão necessárias! Parece faltar uma cola moral suficientemente convincente para unir as organizações, ou melhor dito, as pessoas.

No entanto, existem sinais de esperança. Vivemos, recentemente, momentos que nos marcaram em sentido oposto. Recordo dois exemplos. Durante a pandemia, todos testemunhámos um movimento global de solidariedade e a concertação de esforços mundiais para chegar a uma solução rápida, segura e democrática. Também durante a JMJ Lisboa 23, vimos jovens e bandeiras desfilar, muitos vindos de países em guerra entre si. Em concreto, e entre muitos outros, estiveram presentes jovens da Ucrânia e da Rússia, jovens da Palestina e de Israel, lado a lado. A diferença entre estas situações e as situações de conflito foi, em cada um dos exemplos, a existência de uma causa maior, comum, grande e magnânima, aglutinadora da vontade de cada uma das partes. A guerra ou o terrorismo não são assim porque têm, em si mesmas, a raiz da desunião, o seu ideal não considera o bem de todos e os meios que utilizam muito menos.

A mesma esperança encontramos ao nível de muitas empresas e pessoas. Cada vez há mais empresas a colocarem-se metas exigentes a nível ambiental e social para além do financeiro. Por outro lado, cruzamo-nos diariamente com pessoas, de todas as gerações, empenhadas em deixar um legado fecundo ao longo da vida, em contribuir com um impacto positivo para o mundo. E fazerem disso o seu propósito de vida. E ser esse o motor que as faz crescer, desenvolver o seu potencial e realizarem-se plenamente.

Recordo uma ideia de Juan Perez Lopez, professor do IESE já falecido, brilhante teórico do fator humano nas organizações, conhecido de todos os Alumni da AESE. Perez Lopez, numa das suas notas técnicas, expressava a esperança de que os empresários “sejam os construtores do futuro, pois é isso que a realidade concreta exigirá”. A razão, para ele, era muito simples. Acreditava que as (boas) empresas estão bem preparadas para resolver problemas de forma eficiente e esperava que, por isso mesmo, fossem (sentissem-se) também chamadas a desempenhar um papel cada vez mais importante na resolução dos grandes desafios da sociedade.

A sua teoria lembra-nos que as pessoas não se movem apenas por interesse próprio, mas são também seres sociais, movidos por motivos intrínsecos e necessidades transcendentes. E estas necessidades transcendentes só podem ser satisfeitas contribuindo para o bem comum, para o bem-estar dos outros. Os ensinamentos de Perez Lopez apresentam uma visão abrangente da motivação humana, oferecendo uma estratégia segura para, na empresa, construir a confiança, trazer o melhor de todos enquanto pessoas e atender às necessidades reais de todos os stakeholders e da sociedade. Uma boa liderança implicará, assim, não apenas alcançar bons resultados nos negócios, mas também desenvolver as pessoas, uma a uma, e unir a organização, no dia-a-dia, em torno de uma razão de ser boa que a transcende, que a inspira e a catalisa ao serviço de todos pelos quais é responsável.

Viver este tipo de liderança na primeira pessoa é, desde logo, transformador para o próprio líder, abrindo caminho para uma maior realização pessoal, mas também criando uma maior unidade e coesão em toda a organização.

Tudo isto pode parecer idealista, mas a verdade é que unirmo-nos em torno de um propósito bom que considere o bem de todos pode ser, provavelmente, a melhor esperança que temos para construir o futuro, seja ele em família, na empresa ou em sociedade.

Enquanto líderes, num mundo complexo como o que vivemos, devemos procurar unir as pessoas, começando pelas que colaboram connosco na empresa. Esta abordagem não garante o sucesso empresarial. Era bom, mas não é verdade porque há muito mais variáveis presentes na equação. Mas, o que é garantido é que, no final do dia, nos sentiremos melhor como pessoas e como membros da instituição, por termos trabalhado nesse sentido.

Do meu ponto de vista, as Business Schools como a AESE desempenham, neste contexto, um papel muito importante e relevante, apresentando um modelo de liderança realista, aspiracional e gratificante para um mundo empresarial que exige ser transformado. Vendo mais longe, esta mudança de paradigma de liderança é também a própria chave do caminho para a paz. E a preparação de líderes com tais características é a mais profunda contribuição das Business Schools para a concretização da paz. E não podem demitir-se de o fazer: formar verdadeiros líderes, capazes de encontrar soluções inclusivas e construir a paz. Uma paz que é desejada por muitos, mas, sobretudo, é merecida por todos os que são confrontados com a complacência, mundial e individual, ante a guerra que vivem diariamente.

Artigo publicado no Jornal de Negócios. Republicado com permissão.

Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School