Mais ambiciosas e grandes adeptas da flexibilidade, poder-se-ia afirmar que as mulheres estão a conseguir chegar mais perto do topo da escada empresarial, a quebrar as barreiras invisíveis que vão encontrando pelo caminho e a alcançarem a paridade de género há muito desejada face aos seus pares masculinos. A verdade é que para além de passos de bebé, continuam a tropeçar em obstáculos vários que as impedem de progredir na sua vida profissional
POR HELENA OLIVEIRA

A consultora a McKinsey, em conjunto com a LeanIn.Org, o que já acontece desde 2015, divulgou a semana passada o seu relatório anual sobre o estado das mulheres no local de trabalho. Coincidindo com a revelação do Prémio Nobel para as Ciências Económicas, que premiou o trabalho da professora de Harvard Claudia Goldin e o papel das mulheres no mercado laboral (sobre o qual o VER escreveu), o inquérito de este ano envolveu mais de 276 organizações que empregam mais de 10 milhões de pessoas, inquirindo mais de 27 mil trabalhadores.

Entre vários temas que podem ser acedidos neste extenso relatório, denominado Women Matter 2023 um dos mais importantes – e que o VER escolheu como para enfoque do artigo – está relacionados com quatro mitos que parecem caracterizar actualmente as mulheres no seu ambiente laboral e carreira e aos quais ambas as organizações se dedicaram a clarificar: o estado da sua ambição, a progressão na carreira, as suas experiências no quotidiano e, por último, a flexibilidade e o futuro do trabalho. E para as empresas que se preocupam com o valor intrínseco das mulheres na sua força laboral, é bom que este tipo de “histórias” seja desmitificado.

Mito 1: As mulheres estão a tornar-se menos ambiciosas

Realidade: As mulheres estão mais ambiciosas do que antes da pandemia – e a flexibilidade está a alimentar essa ambição

De acordo com a pesquisa divulgada, e em todas as fases da linha de progressão na empresa, as mulheres estão tão comprometidas com as suas carreiras e interessadas em serem promovidas quanto os seus pares masculinos. Mulheres e homens nos níveis mais elevados das empresas – ou seja, quando os cargos de topo se encontram cada vez mais perto de poderem ser alcançados – estão igualmente interessados em funções de liderança seniores. E, em particular, as mulheres mais jovens são ainda mais ambiciosas: 9 em cada 10 querem ser promovidas para o nível seguinte e 3 em 4 aspiram tornar-se líderes seniores. Adicionalmente e ao contrário do que se poderia pensar, a pandemia e a flexibilidade crescente não deitaram a baixo as ambições no feminino. Quase 8 em cada 10 querem ser promovidas para o nível seguinte este ano comparativamente a 7 em cada em 10 em 2019. E a mesma ambição é igual para os homens.

Muito por influência da pandemia, às mulheres (e aos homens) foi mostrado que afinal era possível um novo modelo de conciliação entre trabalho e vida pessoal. E são poucas as que desejam voltar ao “antigamente”. Contudo, apesar de a maioria das mulheres estar a tomar mais medidas para dar prioridade à sua vida pessoal, tal não prejudicou ou minimizou os seus níveis de ambição nem a sua vontade de progredir na carreira. Ou seja, tal como muitos trabalhadores em todo o mundo – e para mal de muitos líderes que querem as suas pessoas de regresso ao regime presencial – as mulheres estão apenas a inverter a ideia  de que vida familiar e profissional são incompatíveis – e que só à custa de uma poder ser possível a outra.

Mito 2: A maior barreira para o avanço das mulheres continua a ser o “tecto de vidro”

Realidade: O “degrau partido” é o maior obstáculo que as mulheres enfrentam no caminho para a liderança sénior

Cunhado há mais de 40 anos, o termo “tecto de vidro” sempre foi utilizado para descrever uma barreira invisível que impede as mulheres de chegarem a cargos de topo na escada da liderança. Todavia e actualmente, os dados recolhidos pela McKinsey e pela LeanIn.Org apontam para um problema maior e que surge mais cedo na linha de progressão na carreira.

Não é novidade alguma, antes pelo contrário, mas desde que este survey é realizado (e, como sabemos, muito antes), as mulheres começam por enfrentar barreiras à sua ascensão na carreira logo quando chegam à empresa. Este ano, e por cada 100 promoções a partir do “nível de entrada” para cargos de direcção, apenas 87 mulheres foram promovidas, com o fosso a aumentar entre as mulheres de cor (100 homens contra 71 mulheres). Este denominado “degrau partido” fá-las ficar para trás, sendo muito difícil a recuperação deste atraso.

E, de acordo com o relatório em causa, existem três factores que as empresas devem saber no que respeita a esta temática.

Em primeiro lugar, está o facto de as mulheres não terem qualquer responsabilidade pelo assunto. Este tipo de pensamento mais do que desactualizado continua a incluir frequentemente duas explicações para este denominado degrau quebrado: as mulheres não estão a pedir promoções e é mais provável que se afastem do trabalho. Nenhuma delas é, e como sabemos e podemos testemunhar, verdadeira. As mulheres nos níveis de entrada e de chefia pedem promoções com a mesma frequência que os homens e não têm mais probabilidades de abandonar a empresa do que os seus pares masculinos. Na verdade, este ano, 17% dos homens que entraram nas empresas optaram por sair, em comparação com 16% das mulheres do mesmo nível hierárquico.

Até que o degrau partido seja consertado, a paridade de género na liderança sénior continua fora de alcance. Embora as empresas estejam a aumentar a representação das mulheres no topo, fazê-lo sem resolver o problema desta barreira é apenas um paliativo temporário. Devido à disparidade de género nas primeiras promoções, os homens acabam por ocupar 60 por cento dos cargos de direcção numa empresa típica, enquanto as mulheres ocupam os restantes 40 por cento. Como o número de homens na força laboral também  é superior ao de mulheres, há menos mulheres para promover para cargos mais seniores, o mesmo acontecendo em todos os níveis subsequentes.

Mito 3 : Micro-agressões tem um impacto “micro”

Realidade: As micro-agressões têm um impacto macro e duradouro nas mulheres

As micro-agressões são um sinal de desrespeito, causam stress agudo e podem ter um impacto negativo nas carreiras e na saúde das mulheres. Anos de dados mostram que as mulheres sofrem micro-agressões a uma taxa significativamente mais elevada do que os homens: Por exemplo, têm duas vezes mais probabilidades de serem interrompidas e de ouvirem comentários sobre o seu estado emocional face aos colegas homens.

Como resultado, o local de trabalho é um campo mental minado para muitas mulheres, particularmente para aquelas com identidades tradicionalmente marginalizadas. As mulheres que sofrem micro-agressões têm muito menos probabilidades de se sentirem psicologicamente seguras, o que torna mais difícil correr riscos, propor novas ideias ou levantar preocupações sobre algum assunto relacionado com a empresa.

Para além disso, 78% das mulheres que sofrem micro-agressões – ou seja, a grande maioria – auto-protegem-se no trabalho, ou ajustam a sua aparência ou comportamento num esforço para se protegerem. Por exemplo, muitas mulheres optam por não falar ou partilhar uma opinião para não parecerem difíceis ou agressivas perante os colegas. O stress causado por estas dinâmicas é profundo. As mulheres que são vítimas de micro-agressões – e que se auto-protegem para as desviar têm três vezes mais probabilidades de pensar em abandonar o emprego e são quatro vezes mais susceptíveis a sentirem-se quase sempre esgotadas. Ao deixar as micro-agressões sem controlo, as empresas perdem tudo o que as mulheres têm para oferecer e arriscam-se a perder uma pool importantíssima de talento.

Mito 4: São sobretudo as mulheres que querem – e beneficiam – do trabalho flexível.

Realidade: Homens e mulheres consideram a flexibilidade como um dos “3 principais” benefícios para os trabalhadores e fundamental para o sucesso da sua empresa

A grande maioria dos trabalhadores afirma que as oportunidades de trabalhar remotamente e ter controlo sobre os seus horários são os principais benefícios oferecidos pela empresa, logo a seguir aos cuidados de saúde. A flexibilidade no local de trabalho está mesmo acima de benefícios comprovados como a licença parental e os cuidados infantis.

A flexibilidade também é fundamental para a forma como os empregados vêem o futuro do trabalho. Metade das mulheres e um terço dos homens apontam a “oferta de uma flexibilidade significativa em termos de quando e onde os e onde os empregados trabalham” como um dos três principais factores de sucesso futuro da sua empresa.

À medida que a flexibilidade no local de trabalho se transforma de um “nice to have” para alguns empregados para passar a ser uma realidade para a maioria, as mulheres continuam a valorizá-la mais. Isto deve-se provavelmente ao facto de ainda serem elas que efectuam uma quantidade desproporcionada de cuidados infantis e trabalho doméstico. Para as mães, a flexibilidade não diz respeito apenas onde – mas também quando – trabalham. Por exemplo, mães com filhos pequenos são muito propensas a classificar o horário flexível como um dos principais benefícios enquanto trabalhadoras E sem flexibilidade, 38% das que tiveram filhos recentemente afirmam que teriam de ter deixado a empresa ou reduzido o seu horário de trabalho caso esta flexibilidade não existisse.

O trabalho híbrido e à distância está a trazer benefícios importantes para os trabalhadores. A maioria das mulheres e dos homens aponta um melhor equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal como um dos principais benefícios do trabalho remoto, e a maioria menciona menos fadiga e esgotamento. A investigação realizada pela McKinsey e pela Leanin.Org mostra também que um bom equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e um baixo nível de esgotamento mental são fundamentais para o sucesso organizacional. Além disso, 83% dos empregados afirmam que a capacidade de trabalhar de forma mais eficiente e produtiva é uma das principais vantagens do trabalho remoto. No entanto, é de salientar que as empresas têm uma opinião diferente: apenas metade dos líderes de RH afirma que a produtividade dos funcionários é uma das principais vantagens do teletrabalho.

Por outro lado, 29% das mulheres e 25% dos homens que trabalham à distância afirmam que um dos maiores benefícios deste modelo é terem menos interacções desagradáveis com colegas de trabalho. Adicionalmente, 53% das mulheres e 36% dos homens apontam para a redução da pressão em torno da gestão do seu estilo pessoal ou aparência, com as mulheres que trabalham remotamente a enfrentarem menos micro-agressões e com níveis mais elevados de segurança psicológica.

Por outro lado, o trabalho presencial traz benefícios para os empregados, apesar de ter ainda uma boa margem para melhorias. A maioria dos inquiridos aponta uma maior facilidade de colaboração e uma ligação pessoal mais forte com os colegas de trabalho como os maiores benefícios do trabalho presencial , os quais representam dois factores fundamentais para o bem-estar e a eficácia dos trabalhadores. No entanto, a cultura do trabalho de escritório pode estar a ficar aquém das expectativas. Embora 77% das empresas acreditem que uma cultura organizacional forte é um dos principais benefícios do trabalho presencial, a maioria dos funcionários discorda: apenas 39% dos homens e 34% das mulheres que trabalham nas instalações da empresa dizem que um dos principais benefícios é sentirem-se mais ligados à cultura da sua organização.

Um dado curioso diz respeito ao facto de, na geração Z, a mais nova no mercado laboral, apenas 18% dos mais jovens desejarem trabalhar de forma remota a tempo inteiro.


E em Portugal?

O inquérito Women Matter 2023 incluiu igualmente dados para a Península Ibérica provenientes de 45 empresas. Assim e para Portugal, a McKinsey destaca os seguintes:

A um nível elevado, o ritmo lento de progressão das mulheres para posições de liderança resulta de múltiplos factores complexos. Estes incluem barreiras invisíveis no trabalho e na vida familiar, bem como a percepção generalizada entre as mulheres de que as empresas não satisfazem as suas necessidades. Os estereótipos de género também fazem parte da equação: as mulheres ocupam frequentemente cargos em funções de apoio e não em cargos de chefia, o que pode reduzir as suas perspectivas de gestão.

Mesmo quando as mulheres chegam aos escalões superiores, continuam a assumir a maior parte das responsabilidades familiares e domésticas em casa. Trinta e nove por cento das mulheres que ocupam cargos de chefia, desde directores executivos a gestores de topo, afirmam ser as únicas responsáveis pelo lar, contra apenas 8% dos homens. As aspirações das mulheres no trabalho reflectem esta diferença: 43% dos homens desejam assumir cargos de grande responsabilidade, mas apenas 36% das mulheres sentem o mesmo. As mulheres não só têm menos probabilidades de se sentirem confiantes de que irão progredir para níveis mais elevados no local de trabalho, como também ficam cada vez mais desencantadas com esta falta de progressão com o passar dos anos.

Além disso, as mulheres são menos propensas do que os homens a aproveitar oportunidades no estrangeiro: apenas 2% das mulheres em cargos de direcção participam em programas internacionais, em comparação com 9% dos homens. Uma vez que 60% dos directores executivos das empresas analisadas têm experiência internacional anterior, a mobilidade pode ser uma barreira invisível para as mulheres que se candidatam a cargos de gestão geral.

Todos estes factores conspiram para limitar os percursos profissionais e as oportunidades das mulheres – e também prejudicam as empresas, uma vez que as mulheres líderes podem ajudá-las a aumentar a sua competitividade e os seus lucros. De facto, tal como se afirma no presente relatório, as mulheres são melhores gestoras: as suas equipas estão mais satisfeitas e as empresas com mais mulheres na liderança têm níveis mais elevados de satisfação dos empregados. Este facto é muito importante no contexto da “Grande Demissão” e da guerra pelo talento.

O aumento do número de mulheres na gestão de topo exigirá uma abordagem diferenciada dos recursos humanos e a disponibilidade das empresas para oferecerem condições de trabalho mais flexíveis. As empresas em Portugal poderão colher os benefícios do aumento dos níveis de liderança feminina adoptando uma abordagem distinta e personalizada das necessidades e expectativas individuais. Identificar e eliminar as barreiras invisíveis que impedem a promoção é potencialmente o primeiro passo para alterar o desequilíbrio entre os géneros.

Embora ainda haja muito trabalho a fazer para alcançar a paridade, as gerações mais jovens mantêm a esperança. Entre as pessoas com menos de 40 anos, 39% das mulheres, contra 32% dos homens, estariam mais interessadas em avançar para cargos superiores se estes fossem acompanhados de uma maior flexibilidade. Esta paridade de sentimentos reflecte uma mudança de expectativas e valores em relação às gerações anteriores.

Fonte:  Women Matter, Portugal: Women are still far from top corporate-leadership positions

Foto: © Rodion Kutsaiev/Unsplash.com

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