Este é um dos lemas da ainda recente Associação Quatro Corações, que nasceu no cenário de grande incerteza e medo social que a pandemia trouxe consigo. Com quatro pilares de intervenção por excelência – resposta alimentar, saúde, educação e alojamento – foi uma das vencedoras do prémio nacional Caixa Social 2021, o qual distingue e apoia o trabalho desenvolvido por entidades do terceiro sector. Em entrevista ao VER, Hélder Martins, presidente, e Jorge Andrade, membro da Antena de Cascais da associação em causa, dão o conhecer o trabalho já realizado e os seus planos para o futuro
POR HELENA OLIVEIRA

A Associação Quatro Corações surgiu já em plena crise pandémica, com sede em Castelo Branco. Quais as principais motivações que vos levaram a criar esta associação e como foram os primeiros passos/projectos no terreno?

Existem duas expressões que norteiam a nossa VIDA: “Sonhar é a nossa Missão” e “As portas do futuro estão abertas para quem sabe empurrá-las”.

A recém-criada Associação Quatro Corações nasceu como resposta de um grupo de amigos que tem estas duas expressões no seu DNA.

Agrupa artistas, desportistas e pessoas da sociedade que, no individual e em março de 2020, não encontravam formas de apoiar as pessoas em maior dificuldade nesse momento particular de COVID 19, e que decidiram encontrar a solução dentro de um projecto colectivo.

Para tal utilizaram um guião, recorrendo ao exemplo francês da Associação “RESTOS DU COEUR”. Há mais de 30 anos, no Inverno de 1985, um grupo de amigos decidiu lançar o desafio de fornecer 300.000 refeições quentes aos mais necessitados. O resultado foi o fornecimento de mais de 3 milhões de refeições.

Passadas mais de três décadas, além de não ter desaparecido, essa mesma Associação está firme e forte no combate à desigualdade. Em 2019, forneceu mais de 130 milhões de refeições quentes, contou com a colaboração de 75.000 voluntários e movimentou cerca de 200 milhões de euros.

A associação “RESTOS DU COEUR” apadrinha o nosso projecto 4 corações.

Os “quatro corações” representam a vossa missão. É possível descrever cada um deles e a forma como está prevista o seu funcionamento/desenvolvimento?

Os Quatro Corações representam os quatro pilares de intervenção social associados à nossa missão, ou seja (1) Resposta Alimentar, (2) Saúde, (3) Educação e (4) Alojamento.

Resposta Alimentar: Instalando/recuperando cozinhas sociais para permitir aos voluntários, que denominamos “Cozinheiros do Coração”, cozinharem/distribuírem diariamente centenas de refeições quentes para dois tipos de público: (a) associações sociais de solidariedade social que são confrontadas com um forte acréscimo de pedidos e (b) público “envergonhado”, normalmente de classe média, para o qual esta ajuda diária permite pagar as suas outras despesas fixas;

Saúde: Participando de um projecto piloto, na área da Saúde Mental, envolvendo a Câmara Municipal de Olhão, a Universidade do Algarve e a Ordem dos Psicólogos. O produto final será um aplicativo digital que permitirá a uma população carenciada uma consulta de psicologia por acesso remoto.

Educação: (a) Literacia Financeira: promovendo cursos gratuitos (presenciais/online) para as famílias de classe média /média baixa, permitindo um maior controle das economias familiares; (b) Dislexia: desenvolvimento/aplicação do método inovador francês de Beatrice Sauvageot;

Alojamento: Participando na recuperação de habitações devolutas para dar como destino um apoio na vertente social, nomeadamente “Casas de Abrigo” para mulheres vítimas de violência doméstica.

A associação foi criada em Abril de 2020 e, logo em Junho do mesmo ano, foi uma das vencedoras do prémio nacional Caixa Social 2021, promovido pela CGD e que distinguiu 34 projectos nacionais. Até que ponto esta distinção contribuiu/contribui para levar o projecto a todo o país – um dos vossos desejos – e qual é já a vossa “presença geográfica”?

A distinção por parte da CGD teve vários impactos, tanto directos como colaterais. Permitiu, além do aporte financeiro, dar um forte contributo na credibilidade e visibilidade da marca 4 Corações. Actualmente, a nossa “presença geográfica” é já nacional através dos múltiplos protocolos celebrados com Universidades, Politécnicos, Autarquias e Associações.

Quantos centros/antenas estão já operacionais no país?

Temos as Antenas Operacionais (Cozinhas do Coração) em Cascais, Torres Vedras, Castelo Branco, Portalegre, Setúbal e Cascais (em instalação) e as Antenas Temáticas de dislexia, saúde mental e alojamento social.

É possível medir já o impacto da Quatro Corações em termos de população beneficiada?

Em termos de impacto, um dos indicadores que usamos é o percentual de beneficiários que se tornam voluntários, que é igual a 14%.

Também nesta data, 23% das pessoas que foram ajudadas, deixarem de solicitar o nosso apoio como resultado de uma maior normalidade financeira.

Um dos vossos objectivos é também estabelecer parcerias, protocolos e convénios com entidades públicas e privadas para fazer crescer a vossa presença. Que tipo de entidades constam já desta rede e em que áreas de apoio em particular?

Costumamos definir a nossa associação como uma “Rede do Bem”, onde nos encontramos com Universidades, Politécnicos, Autarquias Locais, Grupos de Cidadãos, Associações de solidariedade social, PME, entre outras.

Como surgiu a ideia da aplicação https://cozinheirosdocoracao.app/ , como foi desenvolvida e como funciona?

O racional foi “o Digital versus o Social”. Acreditamos que o Digital ao serviço do Social pode mitigar em muito o sofrimento presente e futuro. Um membro dos Corpos Sociais teve a ideia de criar, internamente, a Web App “Cozinheiros do Coração”. Trata-se, à imagem do Airbnb ou da Uber, de juntar a necessidade com a oferta. Para ser Cozinheiro do Coração haverá que registar-se num aplicativo gratuito que tanto funciona na Web como nos telemóveis (App). De seguida, o potencial Cozinheiro será validado através de: (1) formação online sobre higiene alimentar e (2) visita à potencial cozinha. Do outro lado, temos os beneficiários que serão indicados/validados pelos nossos assistentes sociais ou pelas associações locais de solidariedade social. Como resultado, o beneficiário poderá solicitar, de forma anónima ou não, as refeições para o seu agregado familiar, refeições estas cozinhadas pelos Cozinheiros do Coração nas cozinhas já existentes em Portugal.

E qual o papel do Turismo de Portugal enquanto entidade parceira desta app?

O papel importante do Turismo de Portugal é providenciar a formação na área de higiene alimentar e elaborar as receitas (equilibradas, económicas e fáceis de elaboração) que resultarão no cardápio proposto aos beneficiários.

É possível quantificar quantos “cozinheiros do coração” existem já e quantas pessoas foram já ajudadas desde o surgimento da plataforma?

Neste momento a App encontra-se em fase de testes em Castelo Branco, contando já com cerca de 11 “Cozinheiros do Coração” e 50 beneficiários.

Voltando às vossas áreas de actuação – alimentação, educação, habitação e saúde -, quais as que estão em estado “mais avançado” e como pretendem fazê-las crescer, na medida em que são, todas elas, estruturalmente complexas?

Neste momento os pilares “mais avançados” são a Resposta Alimentar com o fornecimento de cerca de 450 refeições quentes diárias e a Literacia Financeira numa fase final de estruturação. O crescimento da resposta virá, naturalmente, da necessidade cada vez mais sentida pela população de apoio nestas duas vertentes e do alargamento da inclusão de mais parceiros nos respectivos projectos.

Depois de um ano de pandemia e com o know-how já alcançado em termos de identificação de necessidades, como descrevem o impacto económico e social desta crise na população em geral e em que segmentos em particular?

Esta pandemia de Covid-19 causou, está a causar e ainda vai causar um forte impacto negativo ao nível da população em geral, embora com diferentes graus de afectação. Pela nossa experiência, o impacto sente-se com maior intensidade junto dos estratos sociais com mais fracos recursos (os primeiros a sentir os efeitos de qualquer crise económica), mas também em outros estratos sociais que estão, pela primeira vez, a sentir grandes dificuldades, constatando-se um forte impacto negativo nas classes média e média baixa, resultante de perdas significativas de rendimentos (layoff, recibos verdes, despedimentos).

Teme-se que o fim das moratórias – tanto as públicas como as privadas – e que acabaram por servir como um verdadeiro balão de oxigénio para muita gente, possa agravar a situação já vulnerável de muitas famílias. Estando no terreno, como avaliam o curto e médio prazo “socioeconómico” dos muitos que perderam empregos e outras fontes de rendimento, os que viram os seus negócios encerrados (muitos deles já em situação de insolvência) e todos aqueles a quem a crise económica vai bater – ainda mais fortemente – à porta?

De facto, e como acima referimos, a crise originada pela pandemia causou, está a causar e vai causar no futuro a curto e médio prazo, efeitos muito negativos na nossa economia. E porque no centro da economia estão as pessoas e as famílias, serão estas as mais prejudicadas. Por um lado, será imprescindível que o Estado adopte medidas muito concretas e directas que mitiguem as dificuldades das famílias mais atingidas. Por outro lado, será necessário que a sociedade civil se mobilize ainda mais para apoiar quem mais necessita. Pensamos que um dos nossos principais lemas ”Ajudar quem Ajuda” ganha ainda maior relevância e terá que ter, por parte das pessoas enquanto voluntários e das empresas enquanto componentes fundamentais da sociedade, uma atitude que se traduza na prática em ajudar quem mais necessita.

Qual a vossa posição face à recente polémica na promulgação dos apoios sociais pelo Presidente da República, apesar da oposição do Governo?

Para nós, o que é realmente importante neste momento é ajudar de facto as pessoas e as famílias e que essas ajudas sejam eficazes e justas, independentemente dos enquadramentos técnicos ou jurídicos que os poderes políticos entendam atribuir-lhes.

Editora Executiva