Num cenário económico global marcado por incertezas e tensões geopolíticas, as empresas europeias demonstram uma resiliência notável, mantendo o foco no crescimento, embora enfrentem desafios significativos relacionados com pagamentos em atraso e a necessidade urgente de adaptação tecnológica. É o que revela o mais recente European Payment Report 2025 (EPR), divulgado pela Intrum, líder em serviços de gestão de crédito na Europa — num contexto em que, em Portugal, iniciativas como o “Compromisso Pagamento Pontual” procuram responder a este problema
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com Luís Salvaterra, Director-geral da Intrum Portugal, “num contexto económico e geopolítico instável, as empresas europeias e portuguesas enfrentam desafios sem precedentes, com milhões de empregos em risco. Para garantir crescimento e estabilidade, é crucial reduzir obstáculos nos pagamentos. O mais recente European Payment Report [EPR]da Intrum destaca a inteligência artificial como uma ferramenta chave para melhorar a eficiência e combater os atrasos nos pagamentos, com benefícios claros ao nível do fluxo de caixa, sobretudo em sectores como retalho, transportes, utilities e serviços públicos. A Intrum está atenta a este cenário e reafirma o seu compromisso em ajudar as empresas a adoptarem estas tecnologias».

O relatório EPR, que auscultou cerca de 10 mil executivos em 25 países europeus, Portugal incluído, oferece um panorama detalhado das dinâmicas de pagamento, práticas de facturação e os riscos financeiros que as empresas enfrentam. Apesar de um optimismo inicial de que 2025 seria o ano da recuperação económica, uma nova onda de incertezas, impulsionada por disputas comerciais e tensões geopolíticas, lançou uma sombra sobre as expectativas.

Crescimento no meio da incerteza: uma realidade paradoxal

Apesar do cenário adverso, a maioria das empresas europeias continua a exibir uma notável ambição de crescimento. Quase três em cada quatro executivos afirmam ter atingido ou superado as suas previsões de vendas e receitas mais recentes. No entanto, a realidade é mais complexa: cerca de metade das empresas expressam frustração por não conseguirem crescer tão rapidamente quanto desejariam [em Portugal são 43%]. Para proteger as relações comerciais, 56% aceitaram condições de pagamento desfavoráveis e quase metade aceitou prazos de pagamento mais longos, para evitar falências dos seus clientes. Portugal posiciona-se no segundo “pior” lugar no que a este tema diz respeito, com 60% das empresas a aceitarem prazos de pagamento mais dilatados por não quererem prejudicar as suas relações com clientes e parceiros.

“As empresas europeias estão a demonstrar uma capacidade de adaptação impressionante”, afirma Andrés Rubio, Presidente e CEO da Intrum. “No entanto, a incerteza económica está a criar um ambiente de negócios mais desafiador, exigindo que as empresas sejam mais ágeis e eficientes na gestão dos seus recursos financeiros.”

O relatório alerta para um risco preocupante: aproximadamente um quarto das empresas teme fechar as portas nos próximos dois anos se as condições económicas não melhorarem. Este cenário, se concretizado, poderá afectar cerca de 10 milhões de empresas e 40 milhões de empregos em toda a Europa, com um impacto devastador nas economias e no tecido social do continente.

Pagamentos em atraso: um obstáculo persistente

Como faz saber a Intrum, um dos principais desafios identificados pelo EPR é a persistência dos pagamentos em atraso. O relatório deste ano demonstra ainda que, ano após ano, os líderes empresariais mostram-se cada vez mais insatisfeitos com os prazos de pagamento acordados com clientes e parceiros.

Se, por um lado, os pagamentos foram fortemente afectados durante a pandemia, passados cinco anos, a recuperação continua difícil uma vez que os atrasos nos pagamentos ainda não regressaram aos níveis pré-pandemia.

Tal como referido no estudo de 2024, as empresas europeias estão, em média, à espera de receber um total de cerca de 10,5 biliões de euros. Embora este valor inclua os reembolsos de empréstimos, bem como as receitas recebidas, confere uma ideia da enorme quantidade de dinheiro que deveria estar actualmente a fluir através do sistema, mas que, em vez disso, está retido pela falta de pagamento a horas.

“Os pagamentos em atraso são um obstáculo significativo para as empresas europeias, especialmente as PME”, salienta ainda o responsável internacional da Intrum. “É crucial que as empresas adoptem medidas para mitigar este risco, como a melhoria das interfaces de pagamento e a oferta de opções de pagamento flexíveis aos clientes.”

Assim e num contexto económico global marcado pela incerteza, a questão dos pagamentos em atraso emerge como um dos maiores desafios para as empresas europeias, com um impacto significativo na sua saúde financeira e capacidade de crescimento. O EPR 2025 dedica um capítulo detalhado a este problema, revelando dados alarmantes e oferecendo insights valiosos sobre as suas causas e consequências.

O relatório da Intrum demonstra que os pagamentos em atraso não são uma ocorrência isolada, mas uma realidade persistente e generalizada em toda a Europa. Em média, as empresas europeias estimam que 11% das suas receitas são pagas fora do prazo acordado, o que representa um entrave significativo ao fluxo de caixa e à capacidade de investimento. “Os pagamentos em atraso são uma verdadeira ‘ferida aberta’ nas finanças das empresas europeias”, afirma ainda o responsável da Intrum, sublinhando que este problema atinge especialmente as PME, mais vulneráveis à pressão financeira.

Portugal e o Compromisso Pagamento Pontual

Em Portugal, a situação é igualmente preocupante. Embora o valor nacional (10,6%) esteja ligeiramente abaixo da média europeia no que respeita à proporção das suas receitas totais que são normalmente pagas com atraso pelos seus clientes, o impacto continua a ser profundo. Segundo o EPR 2025, 23% das empresas portuguesas temem encerrar nos próximos dois anos caso as condições económicas não melhorem, revelando a fragilidade do tecido empresarial face aos atrasos nos pagamentos. Além disso, o relatório destaca o crescente descontentamento dos executivos portugueses com os prazos de pagamento acordados com os seus clientes – cerca de 60 dias – o que reflecte uma maior consciência da necessidade de proteger o fluxo de caixa para garantir a sustentabilidade financeira.

Este tema, aliás, não é novo para a ACEGE, que desde 2011, em parceria com a CIP, a Apifarma, o IAPMEI, a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Informa D&B e o Santander, promove o Compromisso Pagamento Pontual [veja condições de adesão]. Esta iniciativa tem apelado à adesão de empresas e outras entidades ao cumprimento rigoroso dos prazos de pagamento a fornecedores, reconhecendo que pagar a horas é uma questão de justiça, responsabilidade e sustentabilidade económica. Sob o lema ““Pagar a Horas e Fazer Crescer Portugal”, o programa é um movimento em crescimento, do qual fazem parte mais de 2.500 entidades (micros, pequenas, médias e grandes empresas, grupos económicos, associações, instituições financeiras, seguradoras, instituições e empresas públicas, câmaras municipais, juntas de freguesia), distribuídas por todo o Continente.

Apesar de algumas tentativas para mitigar o problema, como a melhoria das interfaces de pagamento e a oferta de opções de pagamento flexíveis, muitas empresas continuam a enfrentar dificuldades em receber a tempo e horas. A utilização da Directiva Europeia de Pagamentos Atrasados (LPD) continua a ser muito reduzida, privando as empresas de um instrumento jurídico que poderia reforçar a cultura de pagamento atempado.

A Intrum destaca que a LPD é uma ferramenta importante para combater este problema, mas estima-se que a sua aplicação em Portugal seja ainda incipiente. A nível europeu, 57% das empresas afirmam utilizar a Directiva para definir prazos e proteger os seus fluxos de caixa, mas em Portugal faltam dados consolidados sobre a sua utilização efectiva. O relatório insiste na necessidade de promover a adopção da LPD como prática normalizada e de criar uma cultura de pagamento atempado que respeite fornecedores e parceiros.

Por último, o sector público português, em particular, surge no relatório como o segundo pior exemplo nos 25 países auscultados, só ultrapassado pela República Checa. As empresas que prestam serviços ao Estado enfrentam, em média, um atraso de 73 dias no recebimento dos pagamentos, uma prática que sobrecarrega financeiramente os fornecedores e mina a confiança no próprio funcionamento das instituições públicas. Sendo o Estado chamado a dar o exemplo, esta realidade torna-se ainda mais grave e penalizadora.

Com base nos dados recolhidos, o EPR 2025 aponta várias recomendações específicas para Portugal: incentivar o pagamento pontual, especialmente no sector público; promover a utilização sistemática da Directiva Europeia de Pagamentos Atrasados; reforçar o apoio às PME, nomeadamente através de políticas de gestão de risco financeiro; e fomentar a literacia financeira nas empresas para que possam identificar riscos e agir de forma preventiva.

Ao adoptar estas medidas e fortalecer iniciativas como o Compromisso Pagamento Pontual da ACEGE, Portugal poderá criar um ambiente de negócios mais saudável, mais ético e mais propício ao crescimento sustentável, tão necessário no actual contexto de incerteza.

IA: uma ferramenta promissora, mas subutilizada

O relatório destaca ainda o crescente interesse das empresas europeias na Inteligência Artificial (IA) como uma ferramenta para optimizar a gestão de pagamentos. A IA oferece a promessa de automatizar processos, analisar dados de forma mais eficiente e personalizar a comunicação com os clientes.

No entanto, a adopção da IA ainda está numa fase inicial. Embora 59% dos executivos afirmem já utilizar a IA na gestão de pagamentos, poucos estão a explorar todo o seu potencial. Muitas empresas enfrentam desafios relacionados com a escassez de competências e a integração da IA com os sistemas existentes. Em Portugal, apenas 22% das empresas referiram que os seus clientes preferem comunicar através de IA quando discutem atrasos nos pagamentos.

“A IA tem o potencial de revolucionar a gestão de pagamentos, mas as empresas precisam de adoptar uma abordagem estratégica e investir nas competências necessárias para aproveitar ao máximo esta tecnologia”, defende ainda o responsável da Intrum.

Recomendações para o Futuro

O European Payment Report 2025 oferece um conjunto de recomendações para que as empresas europeias consigam navegar com sucesso no actual ambiente económico. Em primeiro lugar, sugere-se que as organizações adoptem uma postura mais ousada, actuando com maior agilidade e confiança para enfrentar os desafios que se colocam. Em segundo lugar, aconselha-se a aproveitar o potencial da inteligência artificial, começando por implementações em pequena escala e expandindo gradualmente a sua utilização. Por fim, recomenda-se a utilização estratégica da Directiva Europeia de Pagamentos Atrasados, incentivando as empresas a definirem termos de pagamento claros e a promoverem uma cultura de cumprimento atempado.

Ao adoptar estas medidas, as empresas europeias podem fortalecer a sua resiliência, melhorar a sua gestão financeira e posicionar-se de forma mais sólida para um crescimento sustentável a longo prazo.

Foto: ©Chandan Chaurasia/Unsplash.com

Editora Executiva

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