Se, a nível europeu, todas as empresas, o sector público e os consumidores tivessem pago as suas facturas, no total, o dinheiro economizado em perdas seria o equivalente a uma injecção de capital nas empresas de mais de 350 mil milhões de euros. Esta é a mais “dura” realidade evidenciada pela 9ª edição do estudo da Intrum Justitia, um barómetro anual que avalia o comportamento e hábitos de pagamento na Europa. E Portugal continua muito mal comportado
POR HELENA OLIVEIRA

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A incapacidade dos consumidores, empresas e sector público para manter as suas contas em dia cifra-se, em 29 países europeus, num valor de 350 mil milhões de euros. Destes, 5,9 mil milhões de euros “pertencem” a Portugal. Esta é a principal – em termos de preocupações – conclusão da 9ª edição do Estudo European Payment Index (EPI), da Intrum Justitia, que analisou 29 países europeus (mais Rússia e Turquia) no que respeita às perdas por dívidas incobráveis e também aos dias de atraso nos pagamentos. Ou seja e em 2013, do total das transacções comerciais feitas na Europa, 3% foram inscritas como incobráveis, face a 2,8% em 2012. Na Europa, os incobráveis aumentaram 10 mil milhões de euros nos últimos 12 meses. Se, a nível europeu, todas as empresas, o sector público e os consumidores tivessem pago as suas facturas, no total, o dinheiro economizado em perdas seria o equivalente a uma injecção de capital nas empresas de mais de 350 mil milhões.

Através de análise estatística dos pagamentos e do crédito, e da reunião de informação sobre padrões de pagamento em cerca de 10 mil empresas, apenas quatro dos 31 países analisados conseguiram respirar de alívio ao verem a sua percentagem de dívidas incobráveis diminuir. Não surpreendente é o facto de todos estes países serem nórdicos – Finlândia, Dinamarca, Islândia e Suécia, sendo que aqueles que se situam na cauda lista são liderados pela Grécia (9,9% – 16,7 mil milhões de euros), pela Bulgária (7%), Roménia (6,1%) e Eslovénia (5,7%). Em Portugal, a percentagem dos incobráveis atingiu os 3,9% [face a 3,6% em 2012], o que representa, como já foi afirmado anteriormente, um valor na ordem dos 5,9 mil milhões de euros. A média de incobráveis na Europa registou igualmente um aumento de 2,8% para 3%, o que comprova o agravamento do ambiente económico dos últimos anos.

De acordo com a Intrum Justitia Portugal, a já velha e gasta máxima de que a Europa se move a duas velocidades, “com um grupo pequeno de países a agir como líderes e um grande grupo de países a agir como retardatários”, é cada vez mais visível. Para o director geral da Intrum Justitia Portugal, Luis Salvaterra “(…) a dependência da Europa em relação à Alemanha é mais evidente que nunca”. Apesar de a Alemanha não revelar um aumento das dívidas incobráveis (que se mantêm nos 2%), de acordo com o relatório, existe um forte aumento dos riscos de pagamento entre as suas empresas. Ora, tal como sublinha Luis Salvaterra, “este forte aumento do risco nas empresas alemãs é alarmante e devia ser suficiente para alertar os políticos europeus”, no sentido de que também parece provável que a situação na Europa possa piorar ainda mais. Preocupante é também o aumento contínuo dos incobráveis no Reino Unido, que registaram uma subida de 6%, equivalente a 71,1 mil milhões de euros, sendo que a Espanha e a Itália constituem os países onde os atrasos no pagamento mais significativos foram. Principalmente no que à Espanha diz respeito, o principal mercado para onde Portugal exporta, o seu índice de risco aumentou para 173 [o máximo é 200 pontos]. A dúvida persiste, para já, no que respeita à França pois, apesar de os seus prazos de pagamento não estarem ainda “no vermelho”, uma grande parte das suas empresas acredita que o risco dos seus devedores deverá aumentar nos próximos 12 meses.

Adicionalmente, é preciso não esquecer que a crise internacional que afecta muitos países e, em particular, os que pertencem à zona euro, agrava ainda mais a situação portuguesa, na medida em que entre estes se encontram os principais mercados de exportação para Portugal.

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O Índice de Risco em 2013
O Índice de Risco desenvolvido pela Intrum Justitia, que visa analisar os hábitos dos pagamentos e o risco de incumprimento nas operações comerciais na Europa, é balizado entre 100 – sem riscos de incumprimento – e > 170, valor a partir do qual significa que determinado país atingiu o risco máximo e que são necessárias medidas imediatas para o baixar, constituindo os 200 pontos o seu máximo. Ora, se a Grécia lidera este risco máximo – com 195 pontos, seguida da Croácia com 191, Portugal surge em terceiro lugar, com um risco de 190, o qual se manteve inalterado desde o ano passado.

Todavia e como apontam todas as projecções, para além do cenário sombrio que continua a pairar na Europa, a actual projecção para a economia portuguesa torna as nuvens ainda mais negras: a contracção prevista de 2,3% da actividade económica, devido à forte queda da procura interna, do consumo privado e do consumo público, a juntar ainda às incertezas da necessidade de reestruturação da dívida e da urgência na reforma estrutural do Estado, poderá ter implicações ainda mais graves para o número de empresas que se sentem já estranguladas para pagar as suas dívidas e que pouco acima estão do limiar da sobrevivência.

Apesar de o indicador do clima económico, avaliado pelo INE, ter registado uma ligeira recuperação nos primeiros meses de 2013, não é possível esquecer igualmente que, em 2012, o nível de confiança dos consumidores e das empresas, registou níveis de descrédito históricos. E, no que respeita às empresas, os efeitos da recessão sentem-se na generalidade dos seus segmentos, seja nas vendas ou na liquidez, seja na capacidade de crescimento e investimento no futuro. Para este cenário em particular, os pagamentos em atraso e os incobráveis contribuem substancialmente: como também é referido no EPI 2013, 25% das falências são resultados destes atrasos e/ou não pagamentos.

Como seria de esperar e de acordo com as empresas nacionais respondentes ao inquérito feito pela Intrum Justitia, 74% prevêem perdas de rendimentos devido aos atrasos nos pagamentos ou ao não pagamento, 82% chegam mesmo a recear pela sua liquidez e 66% afirmam que os atrasos nos pagamentos impedem o seu crescimento.

Quando avaliados os dados gerais das 9800 empresas europeias que responderam ao estudo, o panorama na Europa, apesar de preocupante, é menos gravoso do que aquele que caracteriza o tecido empresarial português. Quando se fala nos custos da crise que englobam os atrasos nos pagamentos e os incobráveis, 48% destas afirmam que diminuíram os seus investimentos em inovação e desenvolvimento como consequência da precária situação financeira – 56% em Portugal -, 61% confirmam quebras significativas nas suas vendas, 57% dizem sentir um forte impacto na sua liquidez e 49% não viram qualquer crescimento orgânico dos seus negócios – 63% em Portugal.

Pela primeira vez desde que realiza este estudo, a Intrum Justitia questionou os CFO/directores financeiros relativamente às principais causas de atraso nos pagamentos dos seus próprios clientes. E, sem surpresa, 94% dos inquiridos afirmaram que os atrasos se deviam às dificuldades financeiras dos seus clientes, sendo que o sentimento generalizado face a expectativas futuras se mantém negativo. Apenas seis por cento dos respondentes portugueses acreditam que o risco de atraso nos pagamentos se irá manter, com 85% dos demais a afirmarem que o mesmo irá aumentar. Comparativamente à média europeia, o optimismo desta é mais significativo: “apenas” 45% das empresas acreditam que o risco de não pagamento aumentará.

O relatório produzido pela Intrum Justitia alerta para o facto de, em muitos países, Portugal incluído, o receber com atraso e o pagar atrasado são práticas que se estão a transformar em ciclos viciosos, com consequências gravosas para a economia e potencialmente fatais para as empresas.

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Sem conhecimento não há mudança estrutural da cultura empresarial
A Directiva 2011/7/UE, de 16 de Fevereiro de 2011 – que preconiza uma mudança estrutural da cultura empresarial, defendendo uma prática de pagamentos atempados e procurando disciplinar as relações comerciais – deveria ser transposta para o direito interno de cada Estado-membro até ao dia 16 de Março de 2013. A directiva, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento das transacções comerciais, foi transposta, em Portugal, de acordo com o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio. Todavia e como alerta a Intrum Justitia, apenas 50% das empresas portuguesas têm conhecimento da directiva e só 45% afirmam acreditar que se existisse legislação eficaz para combater os atrasos de pagamento de dívidas (neste caso B2C), iriam melhorar o desempenho das suas empresas.

A questão torna-se pertinente na medida em que, em 2011, e num estudo encomendado pela ACEGE , intitulado Compromisso de Pagamento no Prazo Acordado – uma cultura de pagamentos atempados, coordenado por Augusto Mateus, o qual o VER entrevistou, o economista, a propósito da directiva em causa, alertava: “(…) conviria que, ao adoptar a directiva, ficasse claro para os agentes económicos que há um período de convergência para baixar esse valor [“a directiva cria um quadro absolutamente interessante que é desafiar a sociedade portuguesa a trabalhar com prazos de pagamento e recebimento a 60 dias”] que se situa acima dos 60 dias. Todavia e para o baixar, não vamos lá por via legal. Mas sim por via real, pelos comportamentos das empresas, pelo seu melhor funcionamento e pelo dos mercados”.

Ora, se metade das empresas não conhece sequer a directiva e se, também de acordo com os dados da Intrum Justitia, 63% dos inquiridos não vê impacto derivado da medida e 36% não vê “qualquer impacto”, não será, de todo, surpreendente que os dias de atraso nos pagamentos em Portugal, apesar de terem registado uma “ligeira melhoria”, continuem muito aquém daqueles praticados em grande parte dos países europeus. Seguem-se alguns exemplos ilustrativos:

  • Os prazos de pagamento acordados para consumidores (B2C), Empresas (B2B) e Entidades Públicas são, respectivamente, de 30, 50 e 60 dias. O prazo de pagamento real em Portugal é, respectivamente, de 60, 85 e 133 dias. Ora, tal significa que os atrasos de pagamento em Portugal são de 30, 35 e 73 dias. A nível europeu, os prazos de pagamento real correspondem a 36, 49 e 61 dias, respectivamente. Ou, mais concretamente, o prazo de pagamento real dos consumidores na Europa é de 36 dias; em Portugal é de 60 dias; o prazo de pagamento real das empresas europeias é 49 dias; em Portugal é de 85 dias (menos 5 dias do que em 2012); e, na Administração Pública, o prazo de pagamento real das empresas na Europa é de 61 dias, quando em Portugal diminuiu para 133 (face a 139 em 2012).

Por outro lado, quando questionados sobre se o governo está a fazer tudo para ajudar as empresas a protegerem-se contra os atrasos dos pagamentos, 85% dos inquiridos diz que não, sendo que relativamente ao índice de falta de confiança face à banca no sentido de apoiaras empresas no seu desenvolvimento, a percentagem sobe para 86%.

Todavia e apesar das desvantagens óbvias em não receberem nos prazos acordados, 65% das empresas continuam a ter relutância em enviar os seus créditos vencidos para uma entidade de gestão de crédito e cobranças e, em média, cerca de 53% das empresas portuguesas esperam cerca de 116 dias (quase quatro meses) para o fazer, quando, a nível europeu, 52% das empresas esperam, em média, 86 dias para entregar os seus créditos a um especialista. Como a probabilidade de os recuperar vai diminuindo ao longo do tempo, muitos destes, e em todos os países europeus inquiridos, acabam por se tornar incobráveis, com os efeitos gravosos já mencionados a contribuírem de forma significativa para a não recuperação económica de grande parte do tecido empresarial o qual, como sabemos e particularmente em Portugal, se reveste de PME.

Também abordada pela primeira vez neste estudo da Intrum Justitia, foi a questão das prioridades dadas pelas empresas quando também elas são devedoras. Se as grandes prioridade para as empresas europeias incluem pagar os impostos, taxas e contribuições (as facturas do sector público), os serviços essenciais (electricidade, água, etc…), a amortização e pagamentos de juros vencidos a bancos ou a sociedades financeiras e as facturas do seu fornecedor mais importante, são os pagamentos aos fornecedores internacionais os que aparecem em último lugar na lista de prioridades. Em Portugal, contudo, as prioridades são outras: o pagamento das facturas dos serviços essenciais aparece em primeiro lugar, só depois seguido das obrigações relativamente ao Estado.

Em conclusão, e apesar da 9ª edição do European Payment Index confirmar um sentimento generalizado de pessimismo e insatisfação por parte dos agentes económicos, como afirma Lars Wollung, Presidente e CEO do Intrum Justitia Group, “existe já um número substancial de empresas que está, de forma crescente, a aplicar medidas sólidas no que respeita a monitorizar cuidadosamente o comportamento de pagamento dos seus clientes e muito mais cedo do que anteriormente”. Todavia, o presidente deixa também um alerta: “como são as empresas que terão de conduzir a Europa para um futuro mais seguro e lucrativo, os seus milhões de empresários precisam de obter uma apoio tangível por parte dos líderes políticos europeus no seu esforço de serem pagos atempadamente pelos bens e serviços que, de boa-fé, oferecem”.

Fontes:
Intrum Justitia
Intrum Justitia Portugal

Editora Executiva