Os dias dos quarenta graus exibem a diferença entre dois tipos de medidas em relação às alterações climáticas: as de combate e as de adaptação. As primeiras consistem, de modo geral, em evitar o aumento da temperatura global em relação aos níveis pré-industriais; nas segundas pretende-se desenvolver tecnologias e infra-estruturas que limitem os impactos da situação relacionada com o aquecimento global
POR PEDRO COTRIM

A questão da adaptação está menos presente no debate público, mas esta circunstância está longe de significar que não temos de nos preocupar com as consequências do aquecimento global: atesta, sobretudo, a nossa falta de preparação, e talvez não seja altura de esperar que as políticas de redução de emissões tenham cumprido o seu papel, pois a questão da adaptação exige tempo que passou a ser ainda mais precioso.

Em muitos aspectos, o aquecimento global é uma realidade e não adianta pensar em eventuais recuos. Apesar dos inúmeros acordos internacionais para o evitar, estima-se actualmente que o aumento médio da temperatura global acima dos níveis pré-industriais seja superior a 1,1°C. Infelizmente, as políticas ambientais definidas nas diversas cimeiras do clima não serão suficientes para deter o aumento das temperaturas.

De acordo com a Climate Action Tracker, os compromissos assumidos conduziriam a um aumento de 3°C até 2100, bem acima da meta de 1,5-2°C estabelecida no Acordo de Paris. Por outro lado, é muito provável que a ambição das políticas efectivamente implementadas nos próximos anos seja significativamente inferior à dos anúncios iniciais. Tendo em conta o período 2015-2018, as emissões reais das principais economias do mundo estavam claramente acima dos Intended Nationally Determined Contributions (INDC) estabelecidos no Acordo de Paris. Se esta tendência permanecer, o mundo irá aquecer até uma temperatura média de 3,1-3,5°C acima das temperaturas pré-industriais até 2100.

Ter em conta as potenciais consequências destes cenários é um dos primeiros passos para a adaptação, mas talvez ainda não tenha sido dado. Os impactos de um aquecimento de 2 °C já seriam muito importantes; de os de um de 3 °C nem será bom falar. No entanto, antecipar estes impactos permitiria conter as principais consequências das mudanças climáticas, infelizmente sem impedir o aquecimento global.

As explorações agrícolas são particularmente vulneráveis ao aumento das temperaturas e à alteração dos padrões de precipitação. Algumas simulações constantes do último relatório do IPCC confirmam que mesmo sob um cenário de aquecimento limitado a 2°C, a produtividade agrícola média cairia cerca de 10%. Por outro lado, uma mudança proactiva nos tipos de culturas e nas técnicas agrícolas utilizadas permitiria impedir o impacto.

As consequências das alterações climáticas na segurança alimentar será ainda mais ténue se estas medidas de adaptação forem tomadas a montante. É importante notar a influência do nível de aquecimento na magnitude dos impactos. Por exemplo, se a quebra da produção de arroz for inferior a 5% para um aquecimento de 2°C, excede os 20% no caso dos 3°C, e alterações nas técnicas agrícolas poderiam reduzir esta quebra na produtividade para apenas 10%. A adaptação às alterações climáticas não dispensa a transição energética destinada a reduzir as emissões. No entanto, estes impactos agrícolas demonstram a necessidade da adaptação.

A elevação do nível do mar é ilustrativa sobre a necessidade das políticas de adaptação. No Bangladesh, muitas soluções já poderiam ser tecnicamente implementadas para limitar os danos das enchentes nas áreas rurais. A construção de terrenos mais elevados facilitaria uma boa gestão dos rios que transportam muitos sedimentos exploráveis. Uma lenta transformação da agricultura contribuiria igualmente para uma adaptação sustentada. Finalmente, as consequências negativas do aumento da salinidade do solo também poderiam ser atenuadas por meio da promoção de culturas mais tolerantes ao sal em paralelo com a construção de reservatórios de água doce. Em áreas urbanas, como Amesterdão ou Ho Chi Minh, soluções como o fortalecimento dos padrões de construção e a construção de diques limitariam significativamente os impactos do aumento do nível da água.

De forma mais genérica, existem soluções para limitar a gravidade das consequências das alterações climáticas. São habitualmente dispendiosas, implicam cedências entre as consequências a curto e a longo prazo e significam redistribuições de riqueza que as tornam mais difíceis de aceitar. Envolvem igualmente transferências significativas de tecnologia e de fundos, pois habitualmente são os países mais pobres a apresentar as maiores necessidades de adaptação. Embora o progresso tecnológico possa reduzir os custos, o período longo de espera elimina o benefício da acção proactiva. A adaptação será mais dispendiosa se carecer de urgência. O desenvolvimento de estratégias de adaptação não significa renunciar aos princípios nem à redução das emissões e será essencial combinar estes dois tipos de políticas para minimizar os impactos das alterações climáticas.

Já se referiu que as emissões de gases de efeito estufa provenientes da actividade humana são a causa de um aquecimento global médio de cerca de 1,1 °C registado desde o final século XIX, tendo os factores naturais desempenhado um papel insignificante ao longo deste período. Os relatórios do IPCC relatam uma situação sem precedentes à escala humana. É necessário recuar 2 milhões de anos para encontrar as concentrações de CO2 alcançadas em 2019. A aceleração também é tremenda: nos próximos vinte anos, o aquecimento global atingirá ou ultrapassará 1,5°C, independentemente do cenário considerado.

A situação já afecta todas as regiões do mundo, com um aumento no número e na intensidade de eventos extremos, como ondas de calor, secas, chuvas violentas relacionadas com a elevada evaporação, ciclones, com as suas consequências em cadeia, inclusivamente nos países que podem lidar melhor com eles, sendo exemplo os incêndios florestais na América do Norte e as inundações na Alemanha, na Holanda e na Bélgica. Por outro lado, os episódios de frio extremo tendem a diminuir.

Em comparação com o anterior, o sexto relatório estabelece uma ligação cada vez mais clara entre o aquecimento global e a multiplicação desses eventos climáticos violentos e é uma de suas principais mensagens. A frequência e a intensidade destas condições extremas aumentarão de modo acentuado nos próximos anos. Um episódio de calor que ocorresse de dez anos em dez anos no início do século XXI ocorre agora 2,8 vezes mais vezes e deverá ocorrer 4 vezes mais no mundo a +1,5 °C que será inevitavelmente o nosso em 2040.

O IPCC faz estimativas semelhantes para secas ou chuvas fortes em regiões áridas. Somam-se os impactos de fenómenos lentos induzidos pelo aquecimento, como o aumento do nível do mar ou a acidificação dos oceanos. Em relação ao aumento do nível do mar por via do derretimento do gelo, o IPCC enfatiza a sua natureza irreversível. Num cenário onde o aquecimento não exceda 2°C, o nível médio do mar ainda pode subir um metro nos próximos 150 anos (em comparação com 20 cm entre 1901 e 2018), com consequências dramáticas para as áreas costeiras povoadas dos países mais pobres.

Os dados são apenas médias globais e o grande mérito deste relatório do IPCC é o facto de ter aplicações a nível regional de modo a que os governos estejam mais conscientes das ameaças específicas, pois um grau de aquecimento não afecta de igual modo todos os pontos do globo. Na Europa as temperaturas sobem mais rapidamente que o aquecimento global médio. Com base num aquecimento global de 2 °C, as ondas de calor podem atingir níveis muito críticos no Velho Continente. As regiões ocidentais e centrais serão atingidas por mais chuvas torrenciais e inundações, enquanto a área do Mediterrâneo será sobretudo devastada por secas repetidas.

Dos relatórios, observam-se ainda que para ficar abaixo de 1,5°C será necessária uma revolução mundial. As emissões globais de CO2 têm de cair para zero por volta de 2075. Será necessário de seguida torna-las negativas por via de políticas florestais e agrícolas, e possivelmente também pelo uso de tecnologias de captura e sequestro de CO2

É óbvio que o padrão apenas se mantém se a humanidade concentrar os seus esforços noutros gases de efeito estufa, particularmente o metano (o segundo maior contribuidor para o aquecimento global), cujas emissões devem ser reduzidas para metade ao longo do século. Estão muito relacionadas com as dietas com base na carne de uma humanidade cada vez mais numerosa.

O IPCC assegura que os efeitos sobre o clima de tais políticas de redução das emissões teriam efeitos quase imediatos e perceptíveis em vinte anos. Quanto aos benefícios em termos de qualidade do ar e saúde pública, seriam imediatos. Quando vivemos as ondas de calor bem percebemos o que queremos.


Bibliografia: os diversos relatórios do IPCC